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O aumento da esperança de vida, conseguido através do desenvolvimento social em geral e do progresso das ciências da saúde em particular, originou uma crescente prevalência de doenças crónicas, das quais as doenças cardiovasculares, em particular a doença coronária são um bom exemplo, especialmente nos chamados países desenvol- vidos ou em vias de desenvolvimento. Contudo o desenvolvimento nem sempre é sinó- nimo de melhor saúde. Os estilos de vida e os comportamentos adoptados pelas pessoas ao longo do ciclo vital interferem grandemente no aparecimento cada vez mais cedo das doenças cardiovasculares. Aumentando a mortalidade nas faixas etárias mais jovens e deixando os mais idosos em situação de doença crónica.

Os estudos desenvolvimentos na área das ciências da saúde vieram provar que a morte ocorrida em idades precoces, no mundo ocidental, não se deve a uma fatalidade do destino, mas antes a doenças causadas ou agravadas pela ignorância das causas reais que a elas conduzem. Os comportamentos de grande parte da população, como o seden- tarismo, a falta de actividade física diária, a alimentação desequilibrada, o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, entre outros constituem hoje factores de risco possíveis de evitar ou corrigir. Se assim não for constituem factores de risco de doenças cardiovascu- lares.

As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte a nível mun- dial, cerca de 16,7 milhões de mortes todos os anos, sendo que 7,2 milhões acontecem devido a doença coronária, 5,5 milhões por doenças cérebro vasculares e os restantes por outras doenças cardiovasculares. Na Europa constitui também a primeira causa de

75 morte entre homens e mulheres. Correspondendo a cerca de metade das mortes ocorri- das, com 4,35 milhões de mortes por doença coronária nos 52 estados membros da regi- ão Europeia da Organização Mundial de Saúde e cerca de 1,9 milhões mortes por doen- ça coronária na União Europeia. De salientar que esta representa também uma das prin- cipais causas de incapacidade e má qualidade de vida (Carta Europeia do Coração, 2008).

Numa análise geral e recente pela Europa, a mortalidade está a baixar na maioria dos países do norte, sul e oeste, já o mesmo não acontece na Europa central e de leste em que está a aumentar. Perante estes valores há que referir que, na globalidade, a do- ença coronária está a aumentar. Este fenómeno deve-se a alguns factores de risco consi- derados epidemias do século, nomeadamente a obesidade e a diabetes. Mas também é verdade que existem cada vez mais pessoas, a viver mais anos com a doença. O desen- volvimento da ciência e tecnologia permitem o aumento da longevidade, ainda que co- mo doentes crónicos (Foundation e European Heart Network, 2005).

Também em Portugal a doença cardiovascular é a primeira causa de morte, sen- do responsável por cerca de 36% de todas as mortes ocorridas anualmente, uma taxa superior à do conjunto de todas as formas de cancro. Cerca de 9000 pessoas morrem anualmente por enfarte agudo do miocárdio (Direcção Geral de Saúde, 2001).

Dados relativos ao ano de 1998, comparando os resultados de Portugal aos me- lhores observados nos estados membros da União Europeia, relativos à mortalidade, mostram que, antes dos 65 anos de idade, para o indicador de saúde mortalidade prema- tura por doença coronária, é o da França o melhor, com 12,7 por cada 100.000 habitan- tes, sendo o valor de Portugal 19,0 (Direcção Geral de Saúde, 1998). Segundo a mesma fonte, a taxa de mortalidade por enfarte agudo do miocárdio, no grupo etário dos 45 aos 65 anos, com 53 por 100 000 habitantes em 1998.

76 Este grupo etário tem uma importância particular porque se trata de um grupo de pes- soas socialmente activas e ainda porque é neste grupo que se encontra a maior taxa de morta- lidade. Isto é, quanto menos idade, maior é a probabilidade de doença coronária ser fatal.

A doença coronária surge quando as artérias coronárias começam a diminuir o seu calibre ou ficam bloqueadas reduzindo a passagem de oxigénio para o miocárdio, por interrupção ou deficiente fluxo sanguíneo, gerando síndrome coronária aguda, que pode apresentar-se como: angina instável, enfarte agudo do miocárdio ou morte súbita. O enfarte agudo do miocárdio surge de forma traiçoeira, sem aviso. Contudo não é nes- se momento que a doença se inicia. O organismo vai acumulando os resquícios de uma vida mais ou menos regrada, ou mais ou menos desregrada e chega uma altura que de forma abrupta dá sinal. É um enigma para uns e uma forma de castigo para outros, de acordo com o estilo de vida levado ao longo dos anos. Pode também ser uma herança pesada.

Perante a evidência dos dados atrás mencionados a Direcção Geral de Saúde propôs-se, através de medidas descritas no Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares atingir os valores metas. Dentro dos eixos prioritários, nos indicadores e metas do programa, destacamos o eixo I denominado Promover a saúde e prevenir a doença, no qual é dado especial realce à doença coronária e às metas para 2010.

A maioria dos estudos de natureza epidemiológica da doença coronária realiza- dos incide em pessoas com mais de 45 anos. Contudo, com base na pesquisa efectuada verificamos que os valores para idades inferiores referenciam um número crescente de casos, proporcional à mortalidade, para o mesmo grupo, sobretudo nos homens. Com- provando-se esta tendência pela análise dos dados disponíveis na Direcção Geral de Saúde no ano 2001. Segundo essa fonte, morreram em Portugal 9.077 pessoas vítimas de doença coronária, sendo 4.949 homens e 4.128 mulheres. É possível observar que

77 existe uma diferença significativa na distribuição por sexo relativamente aos grupos etários, ou seja, morrem mais homens nos grupos etários dos 35 aos 44 anos; dos 45 aos 54 anos; dos 55 aos 64 anos e dos 65 aos 74 anos, invertendo-se a tendência no grupo etário com mais de 75 anos em que as mulheres morrem mais. Estes dados são explica- dos pelos estudos realizados ao longo dos anos, os quais demonstram a importância da protecção hormonal a que a mulher está sujeita até à idade da menopausa, sendo que é a partir dessa altura que a doença se começa a desenvolver, dando sinal mais tarde na mu- lher do que no homem. Contudo alguns estudos têm demonstrado que esta realidade está a alterar-se, devido ao estilo de vida das mulheres (Evidence-Based Guidelines for Cardiovascular Disease Prevention in Women, 2007).Agora elas têm comportamentos semelhantes aos dos homens, concretamente, relacionados com o factor de risco taba- gismo. As mulheres tendencialmente estão em equilíbrio com os homens quanto a este factor de risco, no entanto suplantam os homens em alguns períodos do ciclo vital. Em Portugal as adolescentes até aos 15 anos apresentam taxas de 26%, enquanto os adoles- centes apresentam taxas de 18%. Estes valores nas raparigas associados à toma de anti- contraceptivos cada vez mais cedo, reflectem-se na vida adulta negativamente (World Health Organization, 2002). Também os hábitos alimentares, o sedentarismo e o papel activo na sociedade levando a altos níveis de stress influenciam o aparecimento cada vez mais cedo de doença coronária nas mulheres.

Assim quando a pessoa sofre um enfarte agudo do miocárdio entra no Hospital e fica internada, o mundo que está lá fora é deixado para trás, abrindo-se a porta de um mundo novo, a unidade de internamento. A nova experiência de vida leva-o a reflectir sobre a condição de pessoa doente, caindo numa nova situação social, com experiências singulares que possibilitam a construção de uma diversidade enorme de significados e códigos simbólicos. Estes permitem aos sujeitos construírem representações sobre o

78 enfarte, que irão influenciar os diferentes modos de vida e práticas de saúde. O enfarte agudo do miocárdio assume-se como potencialmente fatal, constata-se que é uma situa- ção com a qual as pessoas têm dificuldade em lidar. O medo de saber que têm uma do- ença grave, e que a vida está em risco provoca inevitavelmente alterações ao nível de pensar o futuro. Está latente o receio de não conseguir a concretização de planos e pro- jectos de vida.

Neste contexto, as representações sociais de enfarte agudo do miocárdio da pes- soa, também interferem na forma de encarar a doença. A forma como ela surge, abrup- tamente, é percebido como um obstáculo no percurso de vida, porque pode ameaçar grandemente a qualidade de vida. As vivências pessoais, familiares e da comunidade podem estar intimamente ligadas a comportamentos de risco, com forte componente de responsabilidade pessoal (a alimentação, o tabagismo, o álcool, o stress entre outros).

Trabalhar com pessoas que sofreram enfarte agudo do miocárdio não é fácil, so- bretudo se forem do grupo etário do 45 aos 65 anos. São pessoas activas do ponto de vista profissional, familiar e social com vivências singulares da doença. Ao serem con- frontados com a realidade pelos profissionais de saúde têm dificuldade em aceitar o que lhes aconteceu. Compreender as dimensões que definem determinados tipos de compor- tamentos, no âmbito das relações intra e inter-grupos, permite conhecer as diferentes representações sociais de enfarte agudo do miocárdio, assim como conhecer aspectos subjectivos mediados a partir de elementos centrais das referidas representações sociais. É provável, que as representações sociais de enfarte agudo do miocárdio, são di- ferentes segundo o olhar dos profissionais de saúde e o olhar da pessoa. Na interacção que surge nesse cruzar de informações pode acontecer um fosso de compreensão, ou melhor, de confrontos de conhecimentos, de senso comum com o conhecimento cientí-

79 fico/reificado. Cada um traz crenças e representações construídas e compartilhadas dos gru- pos a que pertencem.

Existe necessidade de compreender a pessoa e a família de uma forma mais glo- bal, e utilizar a relação entre o que cuida e o que é cuidado com vista a promover a saú- de e a prevenir comportamentos de risco, que possam conduzir a novo enfarte. Segundo o Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares 2004- 2010, deve-se encorajar a pessoa a ser responsável pela sua própria saúde. Para que isto aconteça é necessário que o profissional de saúde conheça o que representa enfarte para a pessoa que têm de cuidar. O profissional de saúde, não pode refugiar-se no escape da falta de tempo, pois quem cuida presta bons cuidados mesmo sem ter tempo. O cuidado implica compreensão do ser humano nos seus direitos, na sua especificidade, na sua integralidade. Orientar-se pelo cuidado é romper com a lógica de formação excessiva- mente baseada na hegemonia biomédica, no autoritarismo das relações, no poder cons- truído a partir de um saber que silencia outros. O profissional de saúde deve deixar de se centrar em si e nos seus problemas, para, enquanto desempenha as suas funções, pôr em prática competências de todos os níveis, não se limitando apenas a meias palavras e cuidados técnicos. Há que pensar que quando contactamos com a pessoa e família após enfarte agudo do miocárdio, podemos e devemos pôr em prática de imediato competên- cias que iniciam a sua recuperação. Pensar nas questões envolvidas no processo saúde- doença requer não pontuá-la unicamente numa visão que considere apenas o aspecto biomédico, encerrando-as numa medicina que se tornou tecnológica, mas pensar, numa perspectiva que considere o sentido a partir da experiência de cada um, e do que repre- senta estar doente. A compreensão das práticas de saúde do ponto de vista dos profis- sionais de saúde, dos doentes e das famílias dá acesso à própria compreensão da saúde. Passando esta perspectiva pela capacidade de ver o outro de forma humanizada, livre de

80 preconceitos e/ou ideias pré-concebidas. Porque de facto as desigualdades entre pessoas de diferentes grupos sociais é real e as consequências dos comportamentos de risco, estão espelhadas nas vivências de cada um e são realidades com as quais os profissio- nais lidam diariamente. Esta realidade também não pode ser negligenciada na recupera- ção/reabilitação e promoção de saúde das pessoas.

A forma como as pessoas vivem, as escolhas que fazem, é parte do que chama- mos estilo de vida. Dizemos parte porque algumas das opções que fazem estão relacio- nadas com o contexto no qual vivem, com a cultura da região, com os hábitos que são adquiridos nos ambientes familiar e social e com o conhecimento acumulado sobre saú- de que se dispõe em determinados momentos. Todos são estilos de vida, só que uns po- dem causar problemas de saúde e podem ser alterados. Falar em estilos de vida é o mesmo que falar em como a pessoa se relaciona com ela mesma, com os outros e com a natureza. Construir uma vida saudável implica alterar comportamentos e adoptar certos estilos de vida como é o caso da actividade física, da alimentação saudável, aprender a enfrentar condições ou situações adversas e também estabelecer relações afectivas soli- dárias, adoptando uma postura de ser e estar no mundo com o objectivo de bem-estar e de bem viver. Compreender a importância do estilo de vida para a saúde é ampliar esta concepção de vida saudável e dar passos importantes neste caminho que nos leva à sua construção. É agir em favor de uma saúde que se faz e se melhora a cada dia. É promo- ver saúde. Adoptar hábitos de vida saudáveis é contribuir para o estabelecimento de relações mais solidárias, é participar da criação de políticas públicas que incidam positi- vamente na saúde de todos e, sobretudo, é ser capaz de lidar com o mundo de uma for- ma positiva.

Por tudo o que foi dito e também porque somos pessoas de risco devido à heran- ça pesada, consideramos pertinente e oportuno estudar esta temática.

81 Assim para desenvolver o estudo exposto neste relatório apresentamos o objecto de estudo, a finalidade do mesmo e para a compreensão do fenómeno as questões for- muladas.

O objecto de estudo é, as representações sociais de enfarte agudo do miocárdio. A finalidade do estudo é, conhecer as representações sociais dos doentes, famí-

lias e profissionais de saúde para, através delas, propor um modelo de intervenção tera- pêutica, centrado num saber espontâneo capaz de considerar a carga afectiva e imaginá- ria do enfarte agudo do miocárdio.

Para tal elaboráramos as seguintes questões de investigação:

1ª - Quais as representações sociais sobre enfarte agudo do miocárdio elaboradas por doentes, famílias e profissionais de saúde, que definem as práticas de saúde adopta- das?

2ª - Quais as representações sociais que são consensuais ou divergentes nos gru- pos estudados?

3ª - Que modelo de intervenção terapêutica adoptar face às representações soci- ais identificadas?

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