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CAPÍTULO III – A ECONOMIA DO PETRÓLEO E SUA RELAÇÃO COM O

3.2 O PETRÓLEO SOB A ÓTICA DA ESTRUTURA PRODUTIVA: MARCO TEÓRICO DE

3.2.1 O Problema da Doença Holandesa

Dutch disease foi o termo originalmente empregado por Corden e Neary (1982) para

tratar de um fenômeno econômico ocorrido na Holanda. Nos anos 1960 houve a descoberta de grandes reservas de gás natural naquele país, fato que o tornou um grande exportador da

commodity, com uma queda acentuada na participação da indústria manufatureira no PIB.

Em termos gerais, na ocorrência de um choque positivo no estoque de recursos naturais a doença holandesa se manifesta à medida que os insumos produtivos (capital e trabalho) passam a ser realocados em atividades ligadas à exploração do recurso natural, considerando a atratividade de sua taxa de retorno. Ao passo que as exportações da

commodity crescem, a apreciação crônica da taxa real de câmbio compromete a

competitividade de outros bens comercializáveis e gera um coeficiente de importações excessivamente elevado. Uma economia nestas circunstâncias – e na ausência de ações de política econômica em sentido contrário – acaba, no limite, tendendo à desindustrialização (CORDEN E NEARY, 1982).

O fenômeno da desindustrialização foi tratado por Palma (2007), que em trabalho aplicado para uma amostra de 105 países no período 1970-1998 estudou a questão sob a ótica do emprego. Ele identificou uma relação em formato de U invertido entre a renda per capita e

o emprego industrial, sugerindo que a partir de um dado nível de renda passa a ocorrer declínio do emprego no setor manufatureiro.

Contudo, há estudos que apontam tal fenômeno como um processo natural do crescimento econômico. Rowthorn e Ramaswany (1999) consideram que a redução do emprego industrial vis-à-vis aos demais setores (serviços, principalmente) não é necessariamente um processo indesejado, pois seria um resultado espontâneo do desenvolvimento tecnológico. A indústria continuaria como a principal fonte de progresso técnico e a mudança na composição do emprego resultaria do próprio dinamismo da economia.

Na referida obra, Palma adverte que a desindustrialização107 de alguns países em desenvolvimento, em especial os latino-americanos, tem ocorrido prematuramente. O nível de renda a partir do qual declina a razão entre emprego industrial e PIB é menor nesses países se comparados ao de outras economias. Uma das razões para essa situação seria a orientação política de liberalização comercial e desregulamentação financeira adotada nos países latino- americanos durante os anos 1990. Assim, haveria uma nova concepção de doença holandesa ligada às decisões políticas. Segundo o autor, o fenômeno se manifestou com maior intensidade em países que abandonaram a agenda da industrialização e a geração de superávits em manufaturas para obterem superávits comerciais em commodities primárias e em serviços de baixo grau de sofisticação. O trabalho de Dasgupta e Singh (2006) vai ao encontro de tais conclusões.

Para Bresser-Pereira (2008) a doença holandesa é classificada como uma falha de mercado decorrente da abundância de recursos naturais ou, em sentido mais amplo, do excesso estrutural de mão de obra barata. O autor considera o fenômeno um obstáculo ao desenvolvimento econômico pelo lado da demanda, na medida em que a excessiva apreciação da moeda doméstica desencoraja investimentos em setores industriais produtores de bens comercializáveis, tanto pela baixa competitividade desses produtos no mercado externo, quanto pela alta propensão a importar gerada pela taxa de câmbio. Haveria, portanto, desperdício de recursos humanos e materiais.

Evidências apresentadas pelo mainstream atribuem o baixo grau de desenvolvimento produtivo não apenas aos males causados pela doença holandesa. Sachs e Warner (1997) realizaram um estudo empírico para uma amostra de 95 países em desenvolvimento no

período 1970-1990. Os autores encontraram uma correlação negativa entre taxa de crescimento e abundância de recursos naturais indicando que, em geral, países ricos em recursos naturais crescem mais lentamente do que aqueles que não possuem tal dotação física. Eles atribuem tal desempenho a uma espécie de “maldição”108 ligada às características de

Estado rentista109 que prevaleceriam em economias intensivas em recursos naturais110.

A explicação seria o fato de essas economias estarem mais suscetíveis a práticas rent

seeking. A abundância de recursos naturais seria responsável por um “risco político” que

tornaria o governo ineficiente na provisão de bens públicos (SACHS E WARNER, 1997). De acordo com essa visão, o baixo grau de desenvolvimento produtivo resultaria não apenas da doença holandesa em si, mas também da presença de um Estado rentista e de sua suposta incapacidade institucional de promover políticas para lidar com o mal holandês.

Nessa linha de raciocínio, um estudo recente do Banco Mundial (CANUTO e CAVALLARI, 2012) analisou uma ampla base de dados acerca de capital reprodutível, capital natural e capital intangível e questionou a existência do paradoxo dos recursos naturais. Para os autores “não há evidência clara e determinística” que aponte a abundância de recursos naturais como benção ou maldição. A pesquisa sugere que trajetórias de sucesso dependeriam da qualidade do capital intangível, sobretudo mediante a presença de um “bom governo”. As políticas recomendadas seriam aquelas voltadas à transparência das ações governamentais, à adoção de regras fiscais que estimulem outras formas de capital (reprodutível e intangível) – para compensar o esgotamento dos recursos naturais –, além de reformas institucionais visando melhorar a capacidade de investimento do setor público.

A próxima seção, através de uma perspectiva histórica, entrará em maiores detalhes na experiência de três economias intensivas em produção energética. Os casos serão analisados à luz do contexto geopolítico e dos regimes macroeconômicos adotados pelos países, seguindo o método estruturalista de investigação. Assim, busca-se ir além da abordagem convencional que muito focaliza a “qualidade do governo”, mas desconsidera importantes aspectos relacionados à economia política (interna e externa) que exercem influência sobre a formação das instituições de Estado e sobre a acumulação de capital.

108 “Even if natural resources are no longer a decisive advantage to economic growth, it is surely surprising that

they might pose an actual disadvantage. Is there a curse to easy riches?” (SACHS E WARNER, 1997, p. 3).

109 Estado rentista é definido por Reis (2012) como “aquele que recebe uma porção substancial de suas receitas

através de rendas não diretamente relacionadas à produção da economia, como concessões de acesso e exploração de recursos naturais”. O termo foi originalmente empregado por Mahdavi (1970).

110 A explicação dos autores para esse tipo de maldição através do “Estado rentista” parece mais uma construção