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H E S I T A Ç Õ E S M E T O D O L Ó G I C A S D A C O N C E P C Â O J U R Í D I C A D O T E R R I T Ó R I O

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Como vimos linhas atrás, para que um Estado surja

e continue sendo um Estado, certas condições têm que ser

preenchidas. Assim sendo, três "elementos" são então invoca dos pelos juristas para que um Estado se constitua: a e x i s ­ tência de uma população, um territõrio e um governo.

Estes "elementos", de acordo com a mágica fórmula

\

jurídica e m p i r o - i d e a l i s t a , são considerados verdades inva -

riantes e universais no tempo e no espaço, porquanto c o ­

muns a todo e qualquer Estado, ficando assim demonstrada a intemporalidade da "teoria" do Estado.

Evidentemente, não 6 nossa intenção aqui recusar os "elementos constitutivos", obviamente comuns em todos os Estados a nossa volta. 0 problema está quando, a nosso ver, são analisados de maneira descritiva e materialmente verifi

cãvel, o que não constitui, necessariamente, o ponto de

partida para uma verdadeira teoria do Estado (isto ê, seu

fundamento), ou ainda, para explicar a origem do Estado (is^ to e, sua gênese) (1), uma vez que os juristas resistem a

empreender uma análise histórica (2), preferindo inventar

histórias imaginárias (3) que esvaziam de conteúdo a h i s t ó ­

ria real das sociedades. Eeste modo, a questão da origem

do Estado moderno fica prisioneira de uma abordagem que se empenha por encontrar uma "essência" do Estado em geral aci ma de suas diversas formas históricas (4), estabelecendo uma

seqíiência cronológica mediante o esquema da ideia do p r o g r e s ­ so (5), frente a qual os Estados se sucederiam uns aos outros ate culminar no Estado moderno.

Contrariamente a este modo de pensar o Estado, cons taU-se que

P

"o Estado e o primeiro produto dc uma história, aquela da Europa Ocidental ,

e de uma êpoca, aquela da Ftenas-

cença" (6).

Ademais, como explica ST PAYE F,

"por certo que a polis grega foi um

Es t a d o , assim como tambEm o Império Han

na China, ou o Império Romano. Nosso

interesse se centra nas origens do Es­ tado Moderno, que não se derivou d i r e ­ tamente de nenhum desses exemplos p r i ­ mitivos. Os homens que fincaram as b a ­ ses dos primeiros Estados europeus, na da sabiam da Ãsia o r i e n t a l , e se en contravam demasiado longe do tempo da Grécia e de Roma" (7).

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Com efeito, o E A t a d o modzr.no, ao c o n t r a r i o do que p e n A a m t r a d i c i o n a l m e n t e , o a j u r i A t a A , não d e r i v a de n e n h u m o u t r o E A t a d o p r e c e d e n t e , n e m e u m a f o r m u l a u n i v e r A a l de o r g a n i z a ç ã o do p o d e r p o l í t i c o . S e u p r o c e A A o de e d i f i c a ç ã o foi l e n t o e a c i d e n t a d o : a p a r e c i m e n t o p r e c o c e de a l g u n A ele m e n t o A f u n d a m e n t a i A na E u r o p a O c i d e n t a l , Ao b r e t u d o na In - g l a t e r r a e na F r a nç a, e n t r e o a A e c u l o A \XI e XIII; retroceA_

Ao c r i t i c o noA A e c u l o A XII/ e XI/; n o vo a v a n ç o noA A e c u l o A

Xl/I, X 1/11 e Xl/III, p a r a A e t o r n a r f i n a l m e n t e , no A e c u l o

XIX, u m a r e a l i d a d e p o l l t i c o - i n A t i t u c i o n a l c o m p l e t a e d i f u n

d i d a q u a A e u n i v e r s a l m e n t e (8). Pode-se acrescentar, ainda, que ele e o reA u l t a d o h i A t Õ r i c o de u m a c o m b i n a ç ã o e A p e c I f i ­ ca de da d o a Á.nternoA e e x t e r n o a de c e r t a A a o c i e d a d e A e u ro - p e i a A , que A o f r e r a m o i m p a c t o A i m u l t ã n e o de p r o f u n d a A t r a n A f o r m a ç õ e A A ó ci o - e c o n o m i c a A [ t r a n A i ç ã o do f e u d a l i A m o ao c a p i t a l i A m o , m o v i m e n t o A de m i g r a ç õ e s , f o r m a ç ã o do m e r c a d o i n t e r n a c i o n a l ) e A Ô c i o - p o l i t i c a A [ cr iA e de r e l a ç õ e A t r a d i - c i o n a i A de a u t o r i d a d e , p r e A A o e A m i l i t a r e A e x t e r n a A , n o v a o r g a n i z a ç ã o doA p o d e r e A ), j u n t o a u m a o r i e n t a ç ã o c u l t u r a l o r i g i n a l (c r i A t i a n i A m o , c o n c e i t o g r e g o r i a n o de I g r e ja , d i ­ r e i t o c a n ô n i c o , d i r e i t o r o m a n o , a u t o n o m i z a ç ã o da a t i v i d a d e e c o n ô m i c a , f a m í l i a n u c l e a r ) (9).

Em suma, diferentemente do que os juristas ima gi­

nam ser, o Estado moderno ê conceitualizado como fenômeno

tação não podem ignorar suas múltiplas dimensões (política,

econômica, cultural, jurídica, etc.), não somente na sua

gênese, mas também no seu fundamento, pluralidade de for­

mas e desigualdade de desenvolvimento (10).

Terminadas estas breves considerações a respeito do Estado que os juristas resistem admitir, constata-se que os chamados "elementos constitutivos" não são produtos inva

riantes e universais, possuindo os Estados a sua própria

especificidade de acordo com cada tipo de sociedade. Ade mais, estes "elementos" resultam historicamente com a e m e r ­ gência, desenvolvimento e consolidação da forma estatal m o ­ derna .

Com tanto mais razão isso também ocorre em r e l a ­ ção ao territõrio, pois este devera ser visto não como quer

a otica dos juristas, mas a partir da confrontação do que

afirmam a seu respeito com a mod ern a historiografia, a

qual constata uma especificidade própria também em relação ao territõrio.

De acordo com que os juristas pensam, a noção

de territorio comumente é vista naturalmente - isto é, liga da à natureza, ã geografia -, numa palavra, ao que se pode ver facilmente. Al ém disso, o territorio também esta sempre ligado ã definição do Estado como um elemento eterno e ine ­ vitável. Em outras palavras, o territorio se apresenta c o ­

quer Estado.

Em face desta atitude metodol ógi ca impln.o-ide.ali6ta,

quais as críticas que se lhe poderia dirigir? Do ponto de

vista metodológico duas, a saber: em primeiro lugar, uma c r í ­

tica à naturalização do território; em segundo lugar, uma

crítica ao universalismo a-histórico.

a) Crítica ã naturalização do território -

Conforme dissemos linhas acima, a noção de te rio apresenta-se na concepção jurídica como natural, de forma espontânea â natureza, â geografia,- ao que se observar facilmente, caracterizando assim uma atitude

do empirismo (11) em relação ao território como objeto

c o.

Noutras palavras, tal atitude

"considera que o real são fatos ou c o i ­ sas observãveis e que. o co n k eclmento da realidade se reduz ã experiência (o gri^

fo e nosso) sensorial que temos dos obje

tos cujas sensações se associam e for­

mam idéias em nosso cérebro" (12).

rritó - ligada pode típica teóri-

preciso afirmar de imediato que uma ciência não fundamenta o

seu conhecimento na experiência (13) , de vez que a ex pe­

riência so vem confirmar a reflexão, não sendo nunca o seu

ponto de partida (14). Inclusive, pode-se atê dizer sem m e ­ do de estar errando, que qualquer ciência não pode se constai

tuir senão recusando a observação comum, numa palavra, a

explicação que viria "naturalmente" (15).

b) Crítica ao universalismo a-historico do ter ri­ tório -

0 território, segundo vimos alhures, esta s e m ­

pre ligado ao Estado como um elemento invariante e universal, reforçando assim o i d e a l i ò m o da "teoria" jurídica do jurídi ca do território. Como explica C H A U Í :

"o i d e a l i ò m o c o n à i d e A a qu e o A e a l òão i d é i a ò ou Ae.pAe.-6 e n t a ç õ e ò e. qu e o c o n h e c i m e n t o da Ae.alidade 6 e A e d u z ao e x a m e doi> d a d o .ò e. dai o p e A a ç õ e ó not>- ò a c o n i c i e n c i a (o grifo e nosso) ou do i n t e l e c t o como a t i v i d a d e p A o d u t o A a de i d ê i a ò que dão ò e n t i - do ao A e a l e o f a z e m exit>tÍA p a A a n ói " (16).

lismo é uma corrente de pensamento cujo princípio funda­ mental da explicação do mundo encontra-se nas idéias, na

Idéia ou no Espírito, concebido como superior ao mundo

da matéria (17).

Consequentemente, uma das características desse idealismo, o universalismo a-historico, vai se manifes - tar mais fortemente no terreno da historia. Muito sim plesmente pelo fato de,

" to finando ~i> e a& " i d é i a ò " e x p l i c a - ção de tudo, elaò &e d e & t a c a m p o u ­ co a p o u c o do c o n t e x t o geogfiã- £ico e k i ò t o h i c o no q u a l faoham efae t i v a m e n t e pho d u z i d a ò e c o n s t i t u e m um c o n j u n t o de n o ç õ e ó u n i v e h ò a l m e n te v ã l i d a â { u n i v c h ò a l i A m o ) , 4 em in_ teh.venq.ao de u m a k i ò t o h i a v e h d a d e i h a (não kistÓfiia)" (18).

Desta maneira, serã possível apontar institui - ções muito afastadas no tempo como sendo "antepassados " de instituições atuais, invocar testemunho de uma "evolu ção" para explicar a situação atual (19) , como se as

_ /

e s p e c i f icidades ki&tofiicaò e c u l t u h a i s tanto do Estado Moderno (o modelo de analise mais generalizado pelos ju­

ristas) como do territorio fossem comuns a todas as épo

cas , como se a historia fosse o lugar.de uma metamorfose

progressiva que, desde o início da humanidade até aos

nossos dias, desenvolvesse um fio ininterrupto (20).

Em resumo, observa-se que tanto num caso como

no outro, a realidade é considerada como um puro dado

imediato: um dado dos sentidos, para o empirista, ou

um dado da consciência, para o idealista (21).

Ao fim e ao cabo destas linhas críticas do p o n ­ to de vista metodológico, a respeito da concepção jurídi ca do território, vamos passar a abordar, em seguida, o problema da formação do território.

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NOTAS

(1) U m a exposição mais detalhada desta questão, assim como uma exposição com maior profundidade dos problemas m e ­

todológicos colocados desde uma perspectiva teórica

divergente, se acha em: J.A. do NASCIMENTO. Uma C r í t i ­ ca â Concepção Jurídica do Estado: o problema da forma ção do E s t a d o , dissertação de mestrado, UFSC, Florianc) polis, dezembro, 1981. M: MIAILLE, L'Etat du Cro it.Gre noble, Maspero, 1978; N. POULANTZAS, 0 Estado, 0 P o d e r , 0 S o c i a l i s m o . Pio, G r a a l , 1981.

(2) Cf. GÕMLiZ, José Maria. Elementos para uma crítica a

concepção jurisdicista do E s t a d o . In : lcvista SEQÜTÊN - CIA, UFSC, F l o r i a n ó p o l i s ’ N 9 2, 1980, p. 119.

(3) Cf. GOMEZ, op. cit., p. 118.

(4) Cf. GOMEZ, idem, p. 119, por exemplo, ao citar uma p r á ­

tica comum aos juristas: Cidade-Estado e Império da

Antiguidade, Estado Medieval, Estado Moderno.

(6) Cf. BA LIE, Bertrand e BIFNBALJM, Pierre. Sociologie de 1'E t a t . Paris, Bertrand Grasset, 1979, p. 124. Ademais, como afirma BENAKOUCHE, Rabah. Sobre o Estado (a" gui sa de a pre sen taç ão) . I n : ECONOMIA § D E S E N V O L V I M E N T O , São Paulo, Cortez, 1982, p. 2: o Estado nos países do Centro cert.amente não era, nos séculos XV e X V I , o mesmo que conhecemos hoje, justamente porque as for - mas e as bases sobre as quais o capitalismo se apre - sentava então mudaram consideravelmente. Alem disso, nos países da Periferia, a gênese e a formação, a e s ­ trutura, o papel e a função do Estado, são o r e s u l t a ­ do de uma única historia, particular a cada um deles. Em outras palavras, o Estado, enquanto espaço políti- c o - a d m i n i s t r a t i v o , assume tais ou tais forma e e s t r u ­ tura em razão da relação que se estabelece entre as forças sociais presentes em cada formação social.

(7) Cf. STRAYEP, Joseph R. Sobre los Orígenes Medievales dei Estado M o d e r n o . Espanha, Ariel, 1981, p. 19.

(8) Cf. GÕMEZ, op. cit., p. 121.

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(10) Cf. GöMEZ, ibidem, p. 122.

(11) Ver, sobre empirismo, uma obra recente jã tornada clãs sica: El Oficio de S o c i o l o g o . Bs. Aires, Siglo XXI, ... 1975; bem como, Pour une Sociologie P o l i t i q u e , Paris Seuil, 1974, e os demais trabalhos de MIAILLE jã cita - dos aqui.

(12) Cf. CHAU I , Marilena. 0 que ê I d e o l o g i a . São Paulo, Bra-

siliense, 1981, p. 19.

(13) Cf. MIAILLE, Michel. U m a Introdução Crítica ao Direito. Lisboa, Moraes, 1979, p. 36

(14) Cf. MIAILLE, op. cit., p. 36.

(15) Cf. MIAILLE, idem, p. 37.

(16) Cf. C H A U I , op. cit., p. 19.

(17) Cf. MIAILLE, op. cit., p. 42.

(18) Cf. MIAILLE, idem, p. 48.

(19) Cf. MIAILLE, ibidem, p. 49.

- CAP, II -

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