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O PROBLEMA NÃO ESTÁ NO SISTEMA, MAS NO INDIVÍDUO

2.2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DE GUIOMAR N DE

2.2.2 UM OLHAR CRÍTICO SOBRE OS PILARES DA FORMAÇÃO DOCENTE DE

2.2.2.3 O PROBLEMA NÃO ESTÁ NO SISTEMA, MAS NO INDIVÍDUO

Ao finalizar a análise sobre os pilares educacionais utilizados por Guiomar Namo de Mello para defender a necessidade de formação profissional dos professores, faz-se necessário pontuar um grave erro de fundo político apresentado pela autora, mas muito próprio aos teóricos educacionais defensores das prerrogativas (neo)liberais. Falamos da estratégia de transferir para o educador-trabalhador a grande causa do despreparo para a sua manutenção no mercado de trabalho. Na concepção dos teóricos (neo)liberais vinculados à educação, as contradições sociais, econômicas e políticas presentes na história do sistema capitalista são minimizadas e tidas como normais, levando-os a uma discursiva naturalização das desigualdades sistêmicas, transferindo para o educador-trabalhador a grande culpa pela sua obsolescência, e conseqüente alijamento do processo produtivo.

À medida que o discurso de Mello toma corpo percebe-se, a atitude delineada no parágrafo anterior. As questões estruturais parecem que estão ausentes da realidade por ela analisada. Esta é uma característica do idealismo, como já foi apontado em páginas anteriores: anular os elementos presentes na estrutura social e econômica e situar na figura do trabalhador em educação a razão central do problema. Na perspectiva da lógica

(neo)liberal, caso o educador não consiga se adaptar diante das possibilidades que tem a sua disposição, a culpa de ficar fora do mercado de trabalho é unicamente dele e de mais ninguém. Para usar as palavras da própria autora:

As mudanças exigidas pelas reformas educacionais incidem também, como não poderia deixar de ser, na formação dos profissionais da educação. Aprender a aprender, e continuar aprendendo durante toda a vida profissional, é uma competência exigida não só para os alunos da educação básica, mas para todos os profissionais que estão inseridos no mundo do trabalho. A LDB em consonância essa demanda atual do mundo do trabalho, afirma que os sistemas de ensino deverão promover a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes “aperfeiçoamento profissional continuado” e “período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho” (MELLO, 2004, p. 91 e 92, aspas da autora).

Está evidente que um novo perfil profissiográfico é exigido do professor com novas competências para as quais ainda não está preparado, cabendo aos sistemas de ensino promover estratégias de capacitação baseadas em dois pilares educacionais de Jacques Delors: “aprender a aprender” e a “aprendizagem ao longo da vida”. Encaixar os docentes nesse programa delineado pela Unesco parece ser o alvo principal da autora, o que ela continua sugerindo até o final do capítulo X do seu livro.

A mudança no perfil e nas incumbências do professor, exigidas pela LDB e pela reforma educacional em implementação, é um bom exemplo da necessidade de os profissionais e de as instituições serem flexíveis para poder acompanhá-las e da necessidade de continuar aprendendo (MELLO, 2004, p. 92).

Fica evidente nas entrelinhas, que o professor que se recusar a participar do processo de mudança e, de maneira inflexível, mantiver-se fiel aos seus conceitos e estratégias de ensino não tem lugar no mercado profissional que ora se impõe de maneira tão autoritária. Entende-se, e os educadores já compreenderam a mensagem por trás do discurso das competências, que estes devem dar o exemplo de que estão dispostos a se adaptar às mudanças, pois parece que disso depende a sua manutenção no emprego.

A pressão sobre o trabalhador em educação, diante dessa avalanche de ‘novas’ idéias produtivas ligadas ao mundo do trabalho, atua de todas as formas, fazendo com que eles se sintam culpados por não conseguirem acompanhar as exigências que, segundo o modelo de capitalismo, são tão necessárias e urgentes para o sistema total. No limite, a culpabilidade do educador-trabalhador, para ser anulada, deve gerar dentro dele o estímulo à competição desenfreada para suplantar concorrentes que, em busca de uma melhor colocação no mercado de trabalho, estão lado a lado disputando vagas de empregos.

Cabe aos educadores lutarem de todas as formas contra as sugestões obrigatórias apresentadas por educadores que, apesar de parecer, não estão comprometidos com o processo formativo deles. Temos a convicção de que, mais do que competências fundamentadas nos pressupostos neoliberais de formação profissional, os professores necessitam de uma adequada formação política sobre prática docente no contexto da sociedade contemporânea. Especificamente, naquelas, fundadas em bases sociais desiguais, possuem uma educação dualizada e, consequentemente, desfavorável às camadas populares. A formação continuada deve ser situada não nas exigências múltiplas do ponto de vista (neo)liberal que, historicamente, na luta política, posiciona-se sempre contrário aos anseios e interesses da classe trabalhadora, pelo contrário, tal formação deve ser enfatizada a partir da conscientização política do trabalho educativo e da formação de estratégias didáticas e pedagógicas de caráter emancipatório. Assim, concordamos com a perspectiva de Frigotto que:

A luta é justamente para que a qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado e à sua adaptabilidade e funcionalidade, seja sob forma de adestramento e treinamento estreito da imagem do mono domestificável dos esquemas tayloristas, seja na forma da polivalência e formação abstrata, formação geral ou policognição reclamadas pelos modernos homens de negócio e os organismos que os representações (2003, p. 31).

Devemos assumir, como educadores, uma postura política que ultrapasse o didatismo reducionista e neutro preconizado por Mello a partir dos quatro pilares formativos do aspecto professoral. Essa postura contribui com a luta política que os educadores travam no interior da escola e da sociedade, já que essas duas instâncias se relacionam em uma perspectiva dialética, fazendo com que as ações pedagogicamente engajadas nas questões sociais e políticas da vida social, por parte do educador, transformem-se, no âmbito escolar, em estratégias de conscientização política dos educandos. Cremos que essa postura tem um caráter tanto epistemológico quanto político, ultrapassando a concepção de que ser professor é a última fronteira daqueles que estão envolvidos na formação de outras pessoas. O ser educador, entretanto, diferencia-se do professor pelo fato de contribuir com a formação integral dos indivíduos na perspectiva da totalidade da prática social. Portanto, gostaríamos de concluir esta parte do nosso trabalho com a citação de Nosella que, até o início dessa década, mantinha-se fiel às discordâncias teóricas com relação ao pensamento educacional de Mello, o que, de fato, pode contribuir de maneira crítica para o processo de luta dos educadores contra o pensamento (neo)liberal. Fiel ao pensamento gramisciano, Nosella afirma:

Observe, também, que durante esses anos de transição [...] ganhou relevância o termo “educador”, sobrepondo-se ao de “professor”, justamente porque “educador” semanticamente explicitava a necessidade do engajamento ético- político dos professores. Com efeito, o conceito de educador transcende o de professor. Este se refere às competências específicas adquiridas por uma pessoa, que as transmite a outras, ensinando-as e treinando-as. Aquele se refere à responsabilidade na formação integral do cidadão, à cumplicidade radical entre educando e educador. O professor que não assume plenamente função de educador e se exime de sua responsabilidade de ensinar a leitura do

mundo, para restringir-se à leitura das palavras – utilizando expressões freireanas -, é considerado um técnico asséptico, reducionista, que reeditava na prática pedagógica a velha tese da neutralidade científica (2005, p. 97).

A seguir, fazemos uma detida análise sobre as expectativas que os organismos internacionais, encabeçados pelo Banco Mundial, têm com relação à formação de professores, percebendo como tais anseios têm um viés (neo)liberal e, por conseguinte, estão estreitamente ligados ao capitalismo contemporâneo. A idéia, como veremos, é influenciar na formação de professores despolitizados e não críticos, alienados da luta política e que assumam o ecletismo teórico como filosofia pedagógica básica. Tal caracterização liberal dos professores tem afetado de maneira crítica a prática docente e por tabela, os educandos que, em última análise, são influenciados pelos professores.

CAPÍTILO 3 ANÁLISE DAS EXPECTATIVAS DO BANCO MUNDIAL

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