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[86 trecho]”... a gente tem a idéia quando vai intervir que vai poder fazer

alguma coisa, a idéia que a gente tem, vai chegar no local e vai poder mudar o curso das coisas. ..às vezes a gente não pode...acho que as histórias que a gente mais lembra ...justamente, são as que não podemos mudar o curso”.

Nenhum conflito é puramente externo, posto que envolve um indivíduo complexo e interiormente dividido e nenhum conflito é puramente interno, posto que remete sempre para conflitos sociais (PAGÈS, s. d., p. 192).

A formulação do problema tem uma história que é importante relatar para uma melhor compreensão de todos os aspectos deste trabalho. No que segue, exponho que é impossível separar o dentro e o fora, pois um conflito não é só externo, já que diz respeito a um sujeito complexo que tem dúvidas quanto as suas percepções internas e, da mesma forma, nenhum conflito é puramente interno pois remete, em ato ou potência, para conflitos sociais. Por isto, o problema da pesquisa está totalmente implicado nas motivações pessoais.

Em outubro de 2002, para ingresso no Doutorado, encaminhei o Projeto intitulado “A Angústia Pública”, cujo objetivo era de investigar o que é, como se mostra, quais as implicações e alternativas possíveis de compreensão e/ou superação da angústia pública na vida urbana. E, como consta no projeto, o problema da pesquisa e suas questões têm a seguinte formulação e desdobramentos: 1. O que é a angústia pública? 2. Como a angústia pública constitui a subjetividade contemporânea na vida urbana? 3. Por que se constituem e quais as implicações na qualidade de vida dos indivíduos e das instituições?

Como universo empírico, propunha a realização de grupos focais assim considerados: 1. Meninos e meninas de rua (infância abandonada); 2. Adolescentes usuários de drogas (adolescência); 3. Adultos desempregados há mais de um ano (adultos); 4. Pacientes, homens e mulheres, internados na Unidade Mario Martins (agudos) do Hospital Psiquiátrico São Pedro (instituição); 5. Socorristas e socorridos

do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU) do Hospital Pronto Socorro de Porto Alegre.

Neste período questionava-me se o problema formulado era adequado, se eu saberia o que fazer e se o método utilizado poderia mudar o curso das minhas inquietudes sobre a questão da angústia pública, pois “sabia” que para um falso problema, não há respostas.

Segundo Becker (1999, p. 43), “tal apresentação dos problemas de método deixa de lado uma fase crucial no desenvolvimento de qualquer trabalho de pesquisa: o processo através do qual adquirimos a hipótese a ser testada.” Este é o tema dos dilemas, das dificuldades e da clareza metodológica da pesquisa. Como atingir esta clareza, no sentido de melhor contribuir ao que realmente importa em uma pesquisa, a transformação da realidade?

Em abril de 2005, para o Exame de Qualificação, elaborei o Projeto “A Psicologia das Emergências”, com o objetivo de analisar e propor alternativas em

psicologia das emergências nas situações limites de acidentes com vítimas, traumas e desastres, particularmente nos atendimentos efetuados pelo SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Porto Alegre.

Nota-se, com facilidade, uma expressiva redução do universo empírico entre as pesquisas de outubro de 2002 e a de 2005. Como síntese deste período ficou a seguinte questão: o que me interroga diante da psicologia das emergências é como se sair bem de uma situação-limite. É o desafio diante do que fazer quando, muitas vezes, não há mais nada para fazer.

Isto posto, o problema da pesquisa é a compreensão da psicologia das

emergências e como colocá-la em prática.

Considerando a metodologia adotada, a identificação da trajetória da pesquisa, é imprescindível ter conhecimento dos aspectos mais subjetivos da tese, que aliás, entendo como determinantes em qualquer situação, no sentido que não existem objetividades, elas são subjetivamente determinadas.

A realidade é insuficiente para a mudança, há que mudar no imaginário. Com outras palavras, pequenas depressões resgatam a identidade, tornando mais vivo o processo de subjetivação e clareando o meu entendimento como pesquisador.

Por exemplo, duvido que o meu interesse pelo imprevisto – e pelo Pronto Socorro – não esteja associado a um a acontecimento inesperado que me ocorreu quando tinha três anos. Na época, havia a tradição de aviões a jato lançarem bombas no Rio Guaíba, na “Semana da Asa”. A minha casa ficava próxima ao rio. Uma destas bombas estourou no ar, um estilhaço me atingiu e quebrei a perna. Em seguida, fui levado ao Pronto Socorro Municipal. Os jornais noticiaram, e, depois disto, tais manobras aéreas foram proibidas. Traumatizado, por muitos anos, não podia ouvir o assobio dos aviões a jato que me assustava muito e sempre me escondia embaixo da cama.

É assim que esta lembrança, não sei ainda bem por que, surge como um recurso de gênese. Que processus, pergunta Guattari,

[...] desenvolve-se em uma consciência frente ao choque do não habitual? Como se operam as modificações de um modo de pensamento, de uma aptidão para apreender o mundo circundante em plena mutação? Como mudam as representações deste mundo exterior, ele próprio em vias de mudar? (GUATTARI, 1990, p. 9).

Trata-se de investigar os pressupostos internalistas do pesquisador, suas motivações internas e o mapeamento do desenvolvimento destes processos com sugestões de melhorias nesta viagem. O leitmotiv, quase sempre intempestivo, das idéias e emoções da visão de mundo do pesquisador podem ser as raízes do seu projeto de pesquisa, e também do seu projeto de vida.

Os relatos denotam angústia, tristeza e, muitas vezes, espanto nas cenas dramáticas vividas pelo pessoal do SAMU. Mas, ou melhor, e também, aparece uma tensão neste agir estressante que, possivelmente, esconda – e proteja – quase engole, o estresse das agressões psíquicas.

Como dito anteriormente a psicologia das emergências estuda o comportamento das pessoas nos acidentes e desastres desde uma ação preventiva até o pós-trauma e, se for o caso, subsidia intervenções de compreensão, apoio e superação do trauma às vítimas e socorristas. O assunto se estende às questões que vão desde a experiência pessoal do estresse pós-traumático até os eventos adversos provocados por calamidades, sejam estas naturais e/ou provocadas pelo homem.

A questão principal esta nos modelos de intervenção existentes. O tema das emergências é atual, de relevância social e cientifica e, por conseqüência, a questão dos primeiros auxílios psicológicos: como ajudar as pessoas na compreensão e na ação diante de acidentes e situações inesperadas?

Neste sentido, parto da suposição, como hipótese básica, que diante de um acontecimento inesperado - um acidente, um desastre, são necessários procedimentos de primeiros auxílios psicológicos para o atendimento da(s) vítima(s).

Como foi salientado, a crise, principalmente em uma situação inesperada, significa um momento de dor e sofrimento, mas também pode ser uma oportunidade de crescimento, que desencadeie novas posturas em relação à vida. Pode fechar e abrir portas, favorecer novos caminhos e buscas. Então, quais as condições de possibilidade deste porvir? Quais as ações facilitadoras deste porvir? Quais os procedimentos utilizados e quais seus indicadores teóricos e práticos?

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