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O TERRITÓRIO E A TERRITORIALIDADE CAIÇARA: SEU PASSADO HISTÓRICO E AS REFERÊNCIAS PARA UMA COMPREENSÃO ATUAL

4- Problemas políticos

 Questões relacionadas à falta de autonomia no uso do território, por parte dos moradores, devido à legislação do Parque Estadual da Serra do Mar;

 Conflitos de interesses, desentendimentos e divergências entre os moradores “tradicionais” e aqueles que moram há menos tempo ou são proprietários de residências e estabelecimentos comerciais na Vila.

Nos aspectos políticos, a falta de convergência de interesses dos moradores da Vila de Picinguaba foi citada pela maioria dos entrevistados. Isso se deve a não homogeneidade encontrada no tipo de morador que se encontra no local: há os mais antigos criados na Vila (“tradicionais”), os provenientes de bairros próximos, como do Cambury, que moram há menos tempo e ocupam parte do Morro do Baú (segundo informação obtida em entrevista realizada com participante da Associação de Moradores) e, os turistas residentes que moram na Vila também há alguns anos, alguns há mais de 20 anos. No Morro do Baú, se encontram, além dos moradores mais recentes, parte dos caiçaras “tradicionais” da Vila que venderam suas propriedades localizadas próximas ao mar – área, atualmente, mais ocupada por casas de veraneio. Os ranchos de pesca que antes faziam parte dessas casas dos caiçaras próximas da praia, hoje ocupam a faixa de areia, como pode ser observado na figura a seguir:

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Figura 2.11: A presença dos ranchos de pesca na faixa de areia da praia

Figuras 2.12 e 2.13: Ocupação no Morro do Baú

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A atividade turística é vista como positiva para a maioria dos moradores entrevistados, principalmente por oferecer empregos na área de construção civil e nas pousadas, onde alguns moradores trabalham como cozinheiros, camareiras, faxineiras. As criticas se referem ao número expressivo de casas de veraneio e de pousadas de proprietários “de fora”, que competem com o aluguel das casas dos moradores tradicionais tirando a oportunidade deles conseguirem uma renda financeira nas épocas de temporada.

Lembrando, porém, que o turismo na Vila se caracteriza por ser de veraneio e não de visitação. O de visitação levaria maiores benefícios aos moradores, os quais poderiam investir na realização de atividades, como o oferecimento de passeios e trilhas, relacionadas à educação ambiental; o que tem possibilidade de acontecer se a Vila for re-categorizada para uma unidade de conservação de uso sustentável. De acordo com uma participante da Associação de Moradores de Picinguaba:

O turista vem passar o fim de semana e vai embora, nós que moramos aqui, que sofremos as conseqüências de tudo. Eles só vêm passear e vão embora, tiram tudo que podem, alugam as casas deles. A gente espera o ano todo para alugar casa. A maioria dos caiçaras que tão aqui construíram um barraquinho, daí na temporada alugam suas casas e ficam no barraquinho. Pra ter uma renda pra ajudar. Nós não quer mais pousada...quer matar a gente de fome? Peixe ta acabando, é pousada e mais pousada, tira o aluguel da gente. Daqui a pouco a gente vai fazer o quê? (Relato obtido em entrevista realizada em trabalho de campo pela autora em setembro de 2010).

Figuras 2.14 e 2.15: A presença dos turistas na Vila num feriado chuvoso (Páscoa de 2011) verificada pela quantidade de automóveis

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A perda das tradições citada nos aspectos socioculturais, nas entrevistas, foi comentada, principalmente, pela inexistência das festas que aconteciam no passado. O progresso (urbanização e modernização tecnológica) e o advento de outras religiões na Vila, diferentes da católica, foram os principais fatores levantados como responsáveis por essas modificações. O que pode ser observado no relato a seguir:

Antes tinha festa, dança. A única coisa que a gente faz é uma festa em julho, tem quadrilha. Só. Agora são tudo evangélico, a igrejinha fica fechada anos e anos (referência a Igreja Católica, cuja imagem pode ser observada na figura 2.16). Ninguém vai mais. Era São Gonçalo, Folia de Reis, a gente ia dançar em outros lugares. Divino. Hoje não tem mais. O progresso veio e detonou com tudo rapidamente. Você pergunta pra uma criança dessa ela não sabe dizer quem são meus avós e meus bisavós, da onde eu vim. (Depoimento fornecido por moradora da Vila de Picinguaba e participante da Associação de Moradores. Grifo da autora).

A mesma entrevistada continua:

Ou a gente resgata a nossa cultura de novo ou então acabou. Antes você comia biju da farinha de mandioca. Comia raízes (mandioca, cará). Hoje não tem mais isso, hoje é o pão fermentado. Antes tinha plantação de cana, mandioca. Apesar de que hoje não pode mais nada disso né!

[…] O melhor era quando a gente morava sozinho. A gente era feliz e não sabia, não tinha muro e todo mundo respeitava todo mundo. Era tudo limpinho, os caminhos passavam dentro dos terrenos. Hoje já muraram tudo e cada vez tá murando mais. Hoje você não entra dentro da casa do turista pra passar né [...]

Figura 2.16: O “sincretismo religioso”: A Igreja Católica da Vila de

Picinguaba

Figura 2.17: O “sincretismo religioso”: A Igreja Evangélica da Vila de Picinguaba

Figura 2.18: O “sincretismo religioso”: a Igreja Adventista da Vila de Picinguaba

Fonte: Fotografias tiradas pela autora em trabalho de campo realizado em abril de 2010.

Interessante citar que essa participante da Associação de Moradores pretende realizar uma festa na Vila, porém gostaria que fosse “uma festa que vire tradição”, e discute sobre a dificuldade de se encontrar, atualmente, algo que identifique a cultura caiçara e contribua para a construção de uma nova história ou para o resgate da tradição passada, ressignificada nos dias de hoje.

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CAPÍTULO III

REVELANDO A TERRITORIALIDADE CAIÇARA ATRAVÉS DE UMA ANÁLISE

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