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6. DEMARCADORES DE GÊNERO

6.1 Problematizando o conceito de gênero

Como aporte teórico, no que tange ao uso do conceito gênero nesta Dissertação, sustentamos nossa pesquisa nos estudos de Joan Scott (1995), por rejeitar o determinismo biológico entre os sexos e por compreender que não se pode estudar o universo feminino separado do universo masculino. Assim, vemos o uso do termo gênero como uma “organização social da relação entre os sexos” (SCOTT, 1995, p. 72). Dessa forma, não negamos o sexo biológico, mas entendemos que esse passa por uma construção sociocultural. Nesse sentido, de acordo com Louro (2003, p. 35), “ao aceitarmos que a construção de gênero é histórica e se faz incessantemente, estamos entendendo que as relações entre homens e mulheres, os discursos e as representações dessas relações estão em constante mudança”.

Para Zarankin e Salerno (2010, p. 3) “o gênero constitui uma categoria de análise própria das ciências sociais que se refere à construção cultural dos papéis e

das identidades sexuais, independente das diferenças biológicas”. Scott (1992) em outro texto intitulado História das Mulheres, faz uma contextualização histórica acerca do surgimento do movimento feminista, de que forma se constituiu o campo da história das mulheres, a luta por espaço dentro da universidade e como foi surgindo, dentro desta discussão, o uso do termo gênero. Dessa forma, para a autora,

[...] uma vez que o gênero foi definido como relativo aos contextos social e cultural, foi possível pensar em termos de diferentes sistemas de gênero e nas relações daqueles com outras categorias como raça, classe ou etnia [...] A categoria de gênero, usada primeiro para analisar as diferenças entre os sexos, foi estendida à questão das diferenças dentro da diferença (SCOTT, 1992, p.87).

Siqueira (2008, p. 115), ao analisar a relação entre a História e as relações de gênero, dando ênfase às reflexões desenvolvidas por Scott, acrescenta, ainda, que “gênero significa o saber a respeito das diferenças sexuais”, saber este que, segundo ela, constitui “a compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas e ainda um modo de organizar o mundo e como tal não antecede a organização social, mas é inseparável dela”.

No entanto, a categoria gênero isolada não dá conta das relações que se estabelecem dentro do ambiente sindical, fazendo-se necessário pensarmos também em outras categorias como classe social, etnia e sexualidade. Da mesma forma que é importante ainda compreender que essas mulheres que fazem a luta sindical não são homogêneas, mas heterogêneas. Para Norma Graf (2012, p. 21),

Aunque las posiciones feministas pueden ser muito heterogéneas, hay dos puntos en los que se tiene consenso, el primeiro es que el género, en interacción con muchas otras categorias como raza, etnia, classe, edad e preferencia sexual, es un organizador clave de la vida social26.

Ochoa nos apresenta a importância, no contexto da América Latina, de se pensar em um feminismo a partir da perspectiva socialista/marxista, pois para esta autora,

26 “Ainda que as posições feministas podem ser muito heterogêneas, há dois pontos nos quais se tem

consenso, o primeiro é que o gênero, em interação com muitas outras categorias como raça, etnia, classe, idade e preferência sexual, é uma organização chave na vida social. ” (Tradução minha).

Esta perspectiva feminista considera que la desigualdad entre mujeres y hombres es el resultado de la división sexual de trabajo y del rol de las mujeres en los processos de acumulación de capital. Reconecen la compleja interación de la opressión de género, raza, etnia y classe social, aunque esta última se prioriza sobre las otras. (OCHOA, 2008, p.66 ).27

Esta autora destaca, portanto, a importância de se colocar “en evidencia que es necessário compreender al sujeito no sólo a partir del género, sino también de otras diferenças inter-relacionadas28”(OCHOA, 2008, p. 69). Para SAFFIOTI (2004), gênero faz parte do processo de construção do sujeito, assim como também o fazem a raça/etnia e a classe social. Logo, ainda de acordo com esta autora, este sujeito não é único, “ele é múltiplo e contraditório, mas não fragmentado” (SAFFIOTI, 2004, p. 37), ou seja, é necessário relacioná-lo a diversos diferentes marcadores identitários para que se possa compreender a formação do sujeito. Norma Graf, em seu texto intitulado Epistemologia feminista: temas centrais, considera que o uso de uma epistemologia feminista antecede o uso da categoria gênero, pois para ela é preciso entender a partir do feminismo como se construiu o uso do termo gênero. Nas palavras de Graf (2012, p. 22),

La epistemologia feminista estudia lo anterior, abordando la manera en que el género influy en las concepciones del conocimento, en la persona que conece y en las praticas de investigar, preguntar y justificar. Identifica las concepciones dominantes y las praticas de atrbución, adquisición y justificación del conhecimento que sistematicamente ponem en desvantaja a las mujeres porque se les excluye de la investigación, se les niega que tengan autoridade epistémica, se designan los estilos y modos cognitivos femininos de conocimento, se porducem teorias de las mujeres que las representan como inferiores o desviadas con respecto al modelo masculino, se producen teorias de fenómenos sociales que inviabilizam las atividades y los interesses de las mujeres o las relaciones desiguales de poder genéricas, y se produce conocimento cientifico y tecnológico que refuerza y reproduce jerarquias de género. 29

27“Esta perspectiva feminista considera que a desigualdade entre mulheres e homens é o resultado

da divisão sexual do trabalho e do papel das mulheres nos processos de acumulação de capital. Reconhecem a complexa interação da opressão de gênero, raça, etnia e classe social, ainda que esta última se prioriza sobre as outras. ” (Tradução minha).

28 “[...]em evidência que é necessário compreender o sujeito não só a partir do gênero, mas também

de outras diferenças inter-relacionadas. ” (Tradução minha).

29“A epistemologia feminista estuda o anterior, abordando a maneira como o gênero influência nas

concepções do conhecimento, na pessoa que se conhece nas práticas de investigar, perguntar e justificar. identifica as concepções dominantes e as práticas de atribuição, aquisição e justificação do conhecimento que sistematicamente põem em desvantagem as mulheres porque as exclui da investigação, lhes nega que tenham autoridade epistêmica, se designam os estilos e modos cognitivos femininos do conhecimento, se produzem teorias das mulheres que as representam como inferiores ou desviadas com respeito ao modelo masculino, se produzem teorias de fenômenos sociais que invisibilizam as atividades e os interesses das mulheres ou as relações desiguais de

Ainda, de acordo com o entendimento dessa mesma estudiosa,

[...] toda la teoria feminista considera al género como ordenador social y como categoria significativa que interactúa con otras como classe, etnia, edad o preferencia sexual, con relaciones estruturales entre indivíduos, entre grupos y entre la sociedade como un todo30 (GRAF, 2012, p. 28).

Considero relevante salientar, também, que ao falar sobre a categoria mulheres, adotamos a definição cunhada por Paredes; Gusmàn (2014, p. 71), na qual,

Cuando décimos mujer, y hablamos de cuerpo, no hablamos de essencialismos biológicos. Al decir mujer, estamos usando mujer, como categoria materialista e histórica, que designa principio de materialidade, memoria histórica y existência politica, es develamiento de las relaciones de opresión, sobre nuestros cuerpos sexuados de mujeres, para que a partir de esta materialidade histórica, política, podemos construir y reconstruir quienes somos.31

Através desse olhar é que passamos, na sequência, à discussão acerca dos marcadores sociais do trabalho doméstico, do cuidado e da diferença entre homens e mulheres dentro do sindicato.