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4 A METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO

4.5 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS – ETAPA 2

Com o objetivo de termos mais elementos para defender nossa tese de que, ao pensarmos nos surdos, o Bilinguismo precisa, além do Letramento, de uma organização de ensino para a Língua Portuguesa escrita como língua estrangeira. Para tanto, fomos a campo novamente, no último trimestre de 2012, a fim de efetivar oito intervenções que foram organizadas uma por semana, com duração média de 3 horas cada. Foram realizadas em um CAES, com dois escolares surdos - pesquisa participante (estudo de caso)170, priorizando a metacognição, explorando o ensino de Língua Portuguesa escrita para surdos com metodologias de ensino de língua estrangeira, utilizando o texto como principal instrumento da atividade de estudo.

A sala de aula do CAES se localiza em uma escola municipal de ensino regular, com acesso pelo pátio destinado ao recreio dos alunos. Não fomos autorizadas pela escola a filmar as intervenções, dessa forma, utilizamos um diário de campo para, durante e após as interações, registrarmos nossas observações.

A escolha dos escolares ocorreu de forma parcialmente aleatória, uma vez que os resultados das análises dos gêneros textuais não apontaram padrões que chamassem nossa atenção para uma série ou ano específicos. Os aspectos que consideramos foi o de esses escolares não apresentarem distorções de idade/ano/série, sempre terem frequentado a escola e, no momento da pesquisa, serem alunos do 3º ano e da 7ª série do Ensino Fundamental, o que contribui para uma análise dos anos/séries inicias e finais do período que priorizamos.

Escolhemos a Escola 1, pelo fato de a professora já desenvolver algumas metodologias de ensino da Língua Portuguesa escrita pela gramática, logo, tinha

170 Marconi e Lakatos (2001) concebem o estudo de caso como um tipo de pesquisa articulado a análise de fenômenos que ocorrem no contexto atual. Para Gil (2008), o procedimento de estudo de caso é uma modalidade bastante utilizada e prevê a investigação detalhada de um ou mais objetos, possibilitando seu conhecimento aprofundado e amplo.

registros de atividades trabalhadas com esses escolares, disponibilizando escritas que validariam a zona de desenvolvimento real de nossos alunos. Além disso, a docente é licenciada em Letras, certificada pelo Prolibras, conhece a estrutura de ambas as línguas que ensina e aceitou participar dessa etapa da coleta de dados. Lembramos que, tanto a professora quanto os alunos desse momento contribuíram com as produções textuais da primeira etapa do trabalho.

Organizamos as intervenções em dois momentos: 1º) sete sessões consecutivas com a participação dos escolares surdos, da professora do CAES e da pesquisadora, trabalhando com a escrita e avaliando as produções; 2º) retorno ao CAES após um mês das intervenções, com uma sessão para verificação da internalização do conteúdo trabalhado.

As sessões que versaram sobre o conteúdo tiveram como foco a classe de palavras da Língua Portuguesa: verbos, considerando a assertiva de Fernandes (2006c, p. 12) sobre as flexões de tempo, modo e pessoa em Libras, expressas por “[...] mecanismos discursivos, contextuais e espaciais [...] há uma tendência de que os verbos sejam escritos na forma infinitiva, ou com flexões inadequadas”.

Selecionamos verbos da 1ª conjugação, na 3ª pessoa do singular, uma vez que a principal diferença entre as línguas orais e as de sinais consiste no fato de que as primeiras organizam suas unidades linearmente, enquanto as segundas, quase sempre, as organizam simultaneamente (GESSER, 2009). Portanto, compreendemos que nossa opção por um dos elementos da Língua Portuguesa escrita seria suficiente para verificar nossa hipótese. Além disso, apesar de a professora do CAES já trabalhar com conteúdos da estrutura da Língua Portuguesa, não havia desenvolvido um trabalho sistemático com verbos, na perspectiva do ensino para língua estrangeira.

Com base nas produções escritas, analisamos os avanços e retrocessos no percurso dos escolares surdos para a aquisição da escrita. Elegemos como categorias de análise: 1ª) Mediação; 2ª) Trabalho e 3ª) Escrita em língua estrangeira.

4.5.1 O ensino da Língua Portuguesa como língua estrangeira

Consideramos relevante, além de apontar a nossa opção pela Teoria Histórico Cultural como subsídio deste trabalho, esclarecer o método experimental pautado nessa mesma teoria, a fim de que o leitor compreenda como a pesquisa se

efetivou e quais as premissas teóricas que delinearam a presente intervenção.

A Teoria Histórico Cultural tem suas raízes na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em um contexto revolucionário no qual se valorizava a ciência como caminho para a solução dos inúmeros problemas da sociedade nos âmbitos econômicos e sociais. Vigotski, como principal expoente desta corrente teórica, tinha o objetivo de compreender os processos mentais humanos para “[...] desenvolver seu trabalho numa sociedade que procurava eliminar o analfabetismo e elaborar programas educacionais que maximizassem as potencialidades de cada criança” (VYGOTSKY, 1988, p.10). Para o autor, a velha sociedade não produziria, jamais, uma psicologia científica, pois esta não prescinde de que a humanidade seja “[...] dona da verdade sobre a sociedade e da própria sociedade” (VIGOTSKI, 1991, 404). Já a nova sociedade – socialista, tinha condições de gestar e produzir a verdadeira psicologia científica, pelas condições objetivas que ela apresentaria em sua constituição social, ou seja, a emancipação humana.

Sustentado nessas concepções, o pesquisador russo desenvolveu seus estudos pelo método que denominou genético-experimental, pautado no fato de que “[...] se os processos psicológicos superiores surgem e sofrem transformações ao longo do aprendizado e do desenvolvimento, a psicologia só poderá compreendê-los completamente determinando sua origem e traçando sua história” (VYGOTSKY, 1988, p. 13). O estudioso demonstrou por meio de experimentos que possibilitem ao sujeito participar de várias atividades que possam ser observadas, sem, no entanto, serem controladas rigidamente, poder-se-ia compreender o processo de desenvolvimento da função em questão.

Justifica o autor que o “[...] método experimental que procura traçar a história do desenvolvimento das funções psicológicas alinha-se melhor com os outros métodos históricos nas ciências sociais – incluindo a história da cultura e da sociedade ao lado da história da criança” (VYGOTSKY, 1988, p. 16). A insistência do pesquisador russo pelo viés da história nos direcionou a procurar compreender melhor como utilizar o método proposto de forma a cumprir a pesquisa com o rigor que, compreendemos, tal método possibilita.

Nesse sentido, Vygotsky (1988) esclarece que a pesquisa pela perspectiva histórica é a base do estudo teórico e só pode se realizar em um processo de mudança. Para tanto, torna-se necessária a visão da totalidade do que se deseja pesquisar, que consiste em um movimento e não em linearidade, desvelando a

essência do fenômeno que costumeiramente é ofuscada pela aparência. Para o autor, esse é o requisito imprescindível do método dialético, que possibilita ao pesquisador compreender como o objeto de sua pesquisa se desenvolveu até o momento. Aponta a importância do método “[...] para a compreensão das formas caracteristicamente humanas de atividade psicológica. Nesse caso, o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo”171 (grifos da obra).

Dessa forma, organizamos as sessões de intervenção procurando sistematizar nossas observações, orientações, intervenções e análises de acordo com as recomendações do pesquisador russo - pari passu com a aprendizagem e desenvolvimento da escrita, consideramos os aspectos materiais e históricos, em movimento, na contradição entre o imediato e mediato, dialeticamente entre a Libras e a Língua Portuguesa escrita, pois é esse o contexto que os escolares surdos partilham e nele interagem e agem de acordo com as múltiplas determinações que se efetivam.

Exploramos situações em Libras com textos, primeiramente (tese), após introduzimos atividades/necessidades de escrita, com a consequente produção gráfica dos sujeitos da pesquisa (antítese), finalizando com o ensino sistemático da “língua estrangeira” contrastivamente à Libras para, então, solicitar novamente a escrita em Língua Portuguesa (síntese). Essa última, lida e discutida em Libras para certificar a superação da fala interna pela consciência de que a escrita em outra língua requer cuidados específicos para que seja compreendida pelo interlocutor. Objetivamos que o mediato superasse, por incorporação, o imediato, isto é, o surdo precisa expressar sua fala interna e visualizá-la graficamente para analisar os lapsos de expressão escrita em outra língua. Nosso objetivo foi efetivar os princípios da Metodologia da Mediação Dialética.

Iniciamos nossas intervenções apoiadas na atividade, como tratada por Leontiev (2005), ou seja, procuramos trabalhar a escrita como uma necessidade, levando os escolares a terem um motivo para escreverem. Apoiadas em Talízina (2000), organizamos a atividade com vistas à generalização da ação. Nosso intuito foi o de que as crianças encontrassem elementos invariantes no gênero que iríamos utilizar e que soubessem detectá-los sempre que necessário nas práticas sociais.

Além disso, a organização de ensino proposta mirava a aplicação dos conhecimentos porque, por meio da resolução de problemas, com a colaboração dos professores, “[...] o aluno, simultaneamente, assimila também os conhecimentos e as habilidades. Como resultado, o ensino ocorre sem a memorização mecânica, mas garante boa memória” (TALÍZINA, 2000, p. 286 – tradução nossa)172. Dessa forma, completamos nossa investigação e traremos, no capítulo seguinte, as apresentações, análises e discussões das duas etapas das intervenções realizadas.

172 No texto em espanhol, lê-se: “[...]el alumno, simultáneamente, assimila también los conocimientos y las habilidades. Como resultado, la enseñanza se da sin la memorización mecánica, pero garantiza buena memória” (TALIZINA, 2000, p. 286).

5. A TEXTUALIDADE DO SILÊNCIO

“[...] a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; [...] somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os sujeitos não “adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência” (BAKHTIN, 2009, p. 111).

Esse capítulo destina-se a tratar das apresentações, análises e discussões das duas etapas das intervenções realizadas.

5.1 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS QUANTITATIVOS

Sistematizamos os dados em quadros referentes a cada ano/série, trazendo os gêneros textuais produzidos, as categorias definidas, e a ocorrência de lapsos e acertos indicados por porcentagem. Desprezamos os gêneros Lista e Convite devido à estrutura textual dos mesmos por não possibilitarem uma análise regular das categorias elaboradas. No caso de os textos não apresentarem erros, ou de os escolares escreverem sem que seja possível identificar as categorias selecionadas, utilizamos o zero – 0% como marca da produção. Conforme verificamos lapsos, acrescemos a quantidade em porcentagem, de acordo com o número de escolares que participaram da pesquisa no ano/série indicado.

Assim, se temos dois escolares e o gênero elaborado por ambos for adequado às categorias eleitas, temos 0% de falhas. Se apenas um dos alunos se equivoca, temos 50% de falhas. Se ambos erram, temos 100% de lapsos. A porcentagem apresentada será sempre proporcional ao número de escolares envolvidos.

5.1.1– Apresentação dos resultados quantitativos: 1º ano do E. F.

Analisando as produções escritas dos escolares surdos do 1º ano do Ensino Fundamental, verificamos como o atraso na aquisição da língua de sinais influencia negativamente no processo de ensino e aprendizagem da escrita, como podemos observar no quadro a seguir: