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CAPÍTULO III – METODOLOGIA

4.4. Procedimentos de análise de dados

Dado que o objectivo deste estudo consiste em desvendar as ideologias que se imiscuem no discurso jornalístico e que activam estereótipos sobre mulheres com VIH/SIDA, a análise do corpus incide nas macroestruturas semânticas, nos significados locais e nas implicações porque são os níveis que fazem a ponte entre as ideologias e o discurso (Van Dijk, 1997:161).

A análise das macroestruturas implica a redução de cada texto ao tópico principal, ou seja, à proposição que congrega a informação mais valorizada pelo/a jornalista e pelo endogrupo. Este procedimento – seguido de uma categorização temática – permitirá compreender a frequência e os contextos de mediatização e exclusão das mulheres com VIH/SIDA, os papéis semânticos que lhes são atribuídos (e.g. vítima inocente vs culpada) e os graus do seu envolvimento em acções positivas e negativas. Paralelamente, será possível caracterizar genericamente as construções destas mulheres no discurso jornalístico, questionando, por exemplo, o teor e a extensão dos conhecimentos ideológicos que estiveram na base destas construções.

A lexicalização e as estruturas das proposições – que potenciam a dominação do grupo social mais poderoso – incorporam igualmente a leitura analítica do corpus, pois permitem inquirir os significados dos vocábulos utilizados na descrição e caracterização das mulheres com VIH/SIDA e compreender até que ponto são consonantes com ideologias radicadas no patriarcado. Por outro lado, estes níveis de análise dão a possibilidade de explorar a composição/organização/relação das proposições, avaliar a

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sua coerência interna e externa e, nessa medida, perscrutar, por exemplo, se há o predomínio de um discurso de culpabilização ou vitimização destas mulheres.

O discurso jornalístico importa não só pelo que mostra explicitamente, mas também pelo que encerra implicitamente porque cada proposição dá azo a uma infinitude de implicações. Por isso, a análise deste estudo dirige-se para a desconstrução das pressuposições e associações no sentido de compreender para que âmbitos as mulheres seropositivas (alegada ou efectivamente) são implicitamente remetidas.

Para além das macroestruturas, significados locais e implicações – níveis do discurso acolhidos por Van Dijk (2005) como exímias manifestações ideológicas –, o estudo dirige também um olhar cuidado à representação dos actores sociais que aqui são as mulheres com VIH/SIDA no discurso jornalístico. Para isso, utiliza-se os pressupostos de Theo Van Leeuwen, que desenvolveu um “inventário socio-semântico dos modos pelos quais os actores sociais podem ser representados no discurso” (Van Leeuwen, 1997:169).

Os actores sociais são incluídos ou excluídos em função dos propósitos, cognições sociais, paradigmas e interesses dos enunciadores (Van Leeuwen, 1997:179). A exclusão pode ocorrer de forma deliberada, decorrente de estratégias de propaganda, mas também pode não ser intencional, mormente quando o enunciador supõe que o/a leitor(a) conhece os pormenores do assunto em questão (Van Leeuwen, 1997:180).

Um dos processos de inclusão dos actores sociais consiste na activação ou passivação. Como explica Van Leeuwen, a activação acontece quando os actores sociais adoptam papéis dinâmicos numa determinada actividade, enquanto a passivação representa-os como sujeitos que se submetem a uma acção ou como sendo seus receptores (Van Leeuwen, 1997:187).

As referências aos actores sociais influem também no modo como são representados. Os indivíduos podem surgir em classes e envoltos em descrições genéricas, ou seja, emergem num processo que é denominado de genericização. Contudo, podem também surgir como singularidades (Van Leeuwen, 1997:190). Para ilustrar as suas premissas, Van Leeuwen mostra que os jornais dirigidos à classe média tendem a referir os “agentes e especialistas governamentais” especificamente e, por outro lado, as “pessoas comuns” de um modo mais genérico. Esta diferenciação

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esclarece que o grupo valorizado pelos leitores tende a ser objecto de especificação porque é com ele que mais se identificam (Van Leeuwen, 1997:191).

Referir os indivíduos encerra ainda outros mecanismos: a individualização e/ou a assimilação. Quando os actores sociais são referidos como indivíduos, é activada a individualização. Parafraseando Van Leeuwen, tendo em conta a importância que a individualidade adquire na contemporaneidade, estas categorias permitirão avaliar a proeminência de determinado actor social e, por isso, revestem-se de um “significado primordial” para a ACD. Por outro lado, quando os actores sociais são representados como grupos, fala-se de assimilação. Esta concretiza-se através da agregação (que quantifica grupos de participantes, ou seja, mostra um quantificador definido ou indefinido) e da colectivização que, como indica a própria designação, remete para um grupo de pessoas como, por exemplo, uma comunidade (Van Leeuwen, 1997:195).

A representação dos actores sociais opera-se também através da associação e dissociação. Na acepção de Van Leeuwen (1997:197), a assimilação designa grupos constituídos por actores sociais, ao passo que a dissociação remete precisamente para a supressão dessa associação.

Há ainda outros dois instrumentos que influem na representação dos actores sociais: indeterminação e a diferenciação. A indeterminação ocorre quando os actores sociais são referidos como indivíduos ou grupos não-especificados e sob anonimato (Van Leeuwen, 1997:198). No que se refere à diferenciação, esta acontece quando a identidade dos actores sociais é objecto de identificação, distinguido com clareza o actor ou o grupo de actores sociais (Van Leeuwen, 1997:199).

Quando um actor social é referido em termos da sua identidade individual, ocorre a nomeação, um outro modo de representação dos actores que acontece com a menção dos nomes próprios, formal ou informalmente (Van Leeuwen, 1997:200). Todavia, os actores sociais podem surgir representados a partir de funções que partilham com outros e, neste caso, ocorre a categorização. Esta última – a categorização – integra a funcionalização (que acontece quando os actores sociais são representados em função, por exemplo, da sua actividade profissional) e a identificação (que é notória quando a representação incide em traços permanentes dos actores sociais, como o sexo e atributos físicos) (Van Leeuwen, 1997:204).

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Para além de as representações personalizantes dos actores sociais, importa também focalizar nas escolhas que apontam para uma impersonalização (Van Leeuwen, 1997:208).

Efectivamente, a representação dos actores sociais passa também pela impersonalização que se caracteriza pela exclusão de características humanas. Os actores sociais podem ser “impersonalizados, representados por outros meios, por exemplo, através de substantivos abstractos ou através de substantivos concretos cujo significado não inclui a característica semântica „humana‟” (Van Leeuwen, 1997:208). A impersonalização realiza-se através da abstracção e da objectivação. A primeira acontece quando os actores sociais são representados a partir de uma qualidade que lhes é atribuída pela própria representação. Por exemplo, a escolha do vocábulo “problemas” para representar os imigrantes é reveladora deste tipo de impersonalização (Van Leeuwen, 1997:208). Por outro lado, a objectivação é detectável quando a representação dos actores sociais tem por base a menção de determinado local ou de algo atinente à pessoa e à sua actividade (Van Leeuwen, 1997:209).

A representação dos actores sociais pode ainda indicar que estão a participar em inúmeras práticas sociais ao mesmo tempo e, nesta circunstância, ocorre a sobredeterminação que abriga a inversão, simbolização, conotação e destilação (Van Leeuwen, 1997:211). A inversão acontece quando os actores sociais se integram em contextos que se opõem mutuamente. Quanto à simbolização, esta ocorre quando um actor social “ficcional” representa actores sociais reais (Van Leeuwen, 1997:212). Relativamente à conotação, esta é verificável quando uma “única determinação (uma nomeação ou identificação física) corresponde a uma classificação ou funcionalização” (Van Leeuwen, 1997:213). A destilação, por último, concebe-se através da combinação da generalização com a abstracção (Van Leeuwen, 1997:213).

Estes pressupostos de Van Leeuwen permitirão compreender o modo como o discurso jornalístico representou as mulheres com VIH/SIDA, investigando se surgem como agentes activos ou passivos, individualizadas, especificadas, assimiladas, indeterminadas, identificadas, nomeadas ou categorizadas. E, paralelamente, dará instrumentos para questionar os mecanismos e as razões dessa mesma representação.

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