• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 O quadro téorico-metodológico do estudo

2.5 Procedimentos analíticos

Ao apresentarmos a análise do material coligido como um tópico em separado, tanto da Teoria das Representações Sociais quanto da sistematização adotada para a coleta dos dados, o fazemos intentando tornar transparente os passos que trilhamos para alcançar o objetivo a que nos propúnhamos: apreender representações sociais do cuidar/cuidado elaboradas por cuidadores familiares de idosos portadores de demência.

Movidas por esse intuito, passamos a trabalhar, considerando que a disposição em “apreender representações sociais, exigia-nos sua descrição e nos conduziria a uma interpretação referencial do contexto e do fenômeno em estudo.

Para tanto, utilizamo-nos da análise de conteúdo, do tipo categorial-temática, cujas bases se assentam na obra de Bardin (1977). Entendemos que a análise de conteúdo, no que se refere a técnicas, princípios e conceitos fundamentais, é dotada de uma plasticidade que lhe confere extremo valor, quando empregada para o desvelamento da complexidade dos fenômenos sociais. E, por sua vez, a Teoria das Representações Sociais possui a singular característica de não se vincular a um método de pesquisa.

Dessa forma, fundamentamos que a perspectiva qualitativa da análise das entrevistas foi associada à quantificação dos indicadores presentes nos discursos, através de tratamento freqüencial.

Esclarecemos que, em nosso desenho metodológico, estes dados possuíram a função precípua de, em associação com as entrevistas, inscrever os sujeitos e seus discursos em um momento específico da história de nossa coletividade e, simultaneamente, indicar condicionantes culturais em jogo. Assim sendo, a presente análise não tem pretensões de revelar processos básicos ou universais do cuidar/cuidado, nem seus resultados são passíveis de replicação.

2.5.1 Análise do material obtido via teste de associação-livre

Ao material em questão foram aplicadas as recomendações de Bardin (1977). Inicialmente foram reunidas palavras, expressões ou frases modais9, recolhidas

9

Frases Modais. Para defini-las usamos os mesmos parâmetros adotados por Oliveira (1996, p. 98): “[...] As frases modais são aquelas frases típicas que contêm um grande número ou porcentagem de palavras que participam do universo dos dados estudados”.

Capítulo 2

Capítulo 2Capítulo 2

Capítulo 2

48

como resposta ao estímulo: Quando você escuta a expressão “cuidar de um velho doente”, o que primeiro lhe vem à cabeça?

Em seguida, as verbalizações foram agrupadas e submetidas à contagem de freqüência, segundo os seguintes critérios: aproximação semântica, respeito ao encadeamento associativo até a 5ª evocação, e em analogias estabelecidas com as dimensões do cuidar/cuidado elencadas nas teorias do cuidar que embasam nosso estudo.

Executado o primeiro nível de fragmentação das verbalizações, estas foram reagrupadas e reorganizadas. Como resultado deste procedimento, definimos quatro grupos temáticos a partir dos indicadores de sentido presentes nas evocações. Tais indicadores, ao mesmo tempo em que definiram os grupos temáticos, configuraram os núcleos.

Salientamos que estes orientaram a análise empreendida sobre o material discursivo proveniente das entrevistas. Entendemos que os mesmos sinalizam pontos de articulação entre a instância psicológica e o território social onde, segundo Moscovici (1978), são gestadas as representações sociais.

Na tabela nº 1 apresentamos os núcleos temáticos do cuidar/cuidado, sua nomeação, e os indicadores recolhidos nas verbalizações obtidas através do Teste de Associação.

Capítulo 2

Capítulo 2Capítulo 2

Capítulo 2

49

TABELA Nº 1

NÚCLEOS TEMÁTICOS DO CUIDAR/CUIDADO

NOMEAÇÃO DOS NÚCLEOS INDICADORES TEMÁTICOS

FREQUÊNCIA E PERCENTAGEM DAS UNIDADES DE ANÁLISE

F %

1. Expressões e estados afetivos associados ao cuidar/cuidado Carinho (09); Amor (06); Sentimentos (02); Atenção (01); Decepção (01); Muita tranqüilidade (01); Não é o que queria pra mim (01)

21 32,3

2. Expressões pragmáticas associadas ao cuidar/cuidado

Cuidados gerais e específicos (10); Papel e função do cuidador (03); Necessidades do idoso (02); Trabalho (02);

Pessoa no leito (01);

Falta de gente para cuidar (01); Não poder dormir nem brincar (01)

20 30,8

3. Expressões de cunho filosófico associadas ao cuidar/cuidado Responsabilidade (05); Preocupação (03); Paciência (03); Compromisso (02); Obrigação (02); Sinceridade (01); Senso de caridade (01); Você tem que ter sentido (01); Zelar (01);

Preconceito (01)

20 30,8

4. Expressões da temporalidade associadas ao cuidar/cuidado

Lembro como ele (idoso) foi pra mim (01); Lembro tanta coisa (01);

Lembro que ele (idoso) nunca foi chegado à família (01);

O cuidador não pode esquecer o que tem prá fazer (01)

04 6,1

TOTAL 65 100,0

Conforme se pode verificar, os núcleos temáticos identificados apresentam freqüências que a uma primeira análise podem ser consideradas estatisticamente não representativas. No entanto, lembramos que a questão da representatividade estatística em investigações de cunho qualitativo é sempre equacionada e está a serviço do desvelamente qualitativo.

De forma particular, consideramos que três fatores são relevantes para a compreensão dos critérios de análise que adotamos. Vejamos:

• O número de sujeitos entrevistados é restrito, em função da técnica adotada, dos objetivos traçados, dos critérios estabelecidos e das condições materiais e concretas, como por exemplo: tempo para realização da investigação,

Capítulo 2

Capítulo 2Capítulo 2

Capítulo 2

50

inexistência de um serviço em nossa cidade que viabilizasse a pronta localização de sujeitos que se enquadrassem na proposta desta pesquisa;

• A polissemia do objeto em estudo - o cuidar/cuidado - logo de início se manifesta através da verbalização de um vasto repertório de palavras ou expressões carregadas de sentidos que expressam a homogeneidade e a diversidade do cuidar;

• Os núcleos temáticos foram identificados a partir da análise das evocações obtidas com o Teste de Associação que, por sua vez, em essência, resultam de um trabalho “econômico” do ponto de vista psíquico e da expressão verbal dos sujeitos pesquisados. Buscamos apoio em Abric (1994 apud Sá, 1996, p. 115-116) para fundamentar nossa visão da representatividade dos núcleos:

[...] O caráter espontâneo - portanto menos controlado - e a dimensão projetiva dessa produção deveriam, portanto permitir o acesso, muito mais facilmente e rapidamente do que uma entrevista, aos elementos que constituem o universo semântico do termo ou objeto estudado. A associação livre permite a atualização dos elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas.

Acreditamos que esclarecida a questão da representatividade numérica, podemos, então, adiantar que os 20 sujeitos pesquisados realizaram a tarefa de evocação sem recusas.

Em prosseguimento, aplicamos aos conteúdos obtidos a técnica de agrupamento por aproximação semântica, procedimento que resultou em 65 palavras ou expressões diferentes, conforme se pode visualizar na Tabela nº 1.

2.5.2 Análise dos questionários para caracterização dos cuidadores e dos idosos.

Para análise dos dados obtidos através destes instrumentos, dois procedimentos foram adotados. O primeiro, extremamente simples, consistiu em abordar os dados passíveis de quantificação, através de tratamento estatístico efetivado por meio da distribuição de freqüência e de cálculo de porcentagem. Esclarecemos, ainda, que para melhor aproveitamento de alguns dos dados coligidos foi calculada a média aritmética simples.

Caso permanecêssemos nesse nível de análise, estaríamos reduzindo informações importantes para o desvelamento de fenômenos psicossociológicos, razão pela qual adotamos um segundo procedimento.

Capítulo 2

Capítulo 2Capítulo 2

Capítulo 2

51

O segundo procedimento consistiu em associar os dados quantificados aos discursos elaborados sobre o cuidar/cuidado do familiar idoso e doente. Para tanto, de posse dos dados quantificados, íamos aos discursos, buscando falas em que tais dados fossem espontaneamente enunciados ou ventilados em associação com outras temáticas.

Da associação entre os dois procedimentos emergiu uma possibilidade de análise quanti-qualitativa que tem por orientação a Teoria das Representações Sociais. Almejamos, desse modo, conseguir traçar uma caracterização dos cuidadores e dos idosos doentes, que nos permitisse melhor contextualizar os sujeitos e as condições de produção dos discursos, para assim, apreender e descrever as representações sociais.

2.5.3 Análise das entrevistas

Após identificação dos núcleos temáticos e em conformidade com a técnica prescrita para análise de conteúdo, procedemos à categorização dos registros presentes nos discursos. Para tanto adotamos uma associação de procedimentos sugeridos tanto por Bardin (1977) quanto por Vala (1986), e que sumarizamos nos seguintes passos:

• recorte das unidades de análise;

• agrupamento das unidades de análise, segundo a temática;

• identificação e nomeação, a posteriori, das categorias, subcategorias e seus componentes.

Mediante estas técnicas, os discursos são desmontados e criadas as condições para que se realizem inferências e, através delas, se torna viável a passagem da descrição a interpretação que, entendemos, visa alcançar o sentido atribuído ou elaborado nas representações sociais.

Almejamos, através da análise que desconstrói discursos, alcançar as condições de elaboração de um outro discurso, nem melhor nem pior que o primeiro, apenas diferente.

Ainda gostaríamos de acrescentar que na análise de uma representação há que se recorrer, primeiro à sua apreensão, instante de sua coleta, e, segundo, à sua compreensão, momento de sua análise propriamente dita. Para o caso, por

Capítulo 2

Capítulo 2Capítulo 2

Capítulo 2

52

exemplo, das palavras, representação grafo-sonora, há que se apreendê-la no dito, primeiramente, para depois, poder-se compreender o sentido daquilo que se diz, subjacente ao que está dito.

No que concerne às representações sociais e ainda no campo das palavras, deslocado o centro da análise do indivíduo para a sociedade, o procedimento, em linhas gerais, é o mesmo, embora não mais interessando os porquês individuais, mas os sociais. Interessa, isto sim, a apreensão do que é individualmente proferido, para se poder compreender os sentidos sociais que imprimem a forma daquele dito.

Um exemplo esclarecedor: tomemos de uma sentença, cuidar é responsabilizar-se. Num primeiro momento, é isto que interessa apreender: “cuidar é responsabilizar-se”, objeto a ser analisado. Em segundo tempo, mediante investigação, é que cabe fazer a compreensão do porquê, para alguém, “cuidar é responsabilizar-se”, apontando no que seja um significado pessoal atribuído ao cuidar, o que é da ordem social do sentido da prestação de cuidados.