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1. CONTORNOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

1.5. Procedimentos

Ao definir que eu me debruçaria sobre um jogo Massive Multiplayer Online por este respeitar características de jogo coletivo, ao definir um jogo específico e imergir em seus ambientes, nos relatos de seus jogadores e nas produções discursivas que o envolve, pareceu- me necessária a tentativa de cartografar a rede que produz os regimes de verdade de tal jogo, ou seja, uma tentativa de fotografar os espaços e arquiteturas de tais ambientes, e as práticas

efetivas a partir de suas políticas contratuais, seus manuais, guias de referências simbólicas auto-referentes e linguagens próprias. Para tanto, como pesquisador, foi necessária a imersão nestes mesmos ambientes de jogo e fazer a conexão com jogadores já integrados a redes de relações diversas, ligadas ao jogo selecionado, registrando ainda as atividades e agrupamentos mais freqüentes nestes espaços e momentos (tempos) do jogo abordado.

A condução da observação, comunicação e registro, aplicados no presente trabalho, seguiram características do método netnográfico, conforme descrito por Kozinets (1998, apud Pereira 2007), apesar de todo o processo ter ocorrido em um curto período de tempo; mais precisamente, aparte o período de aplicação dos primeiros pilotos do questionário, todo o registro dos ambientes virtuais referentes ao jogo selecionado e a aplicação do questionário foram realizados entre os meses de janeiro e maio de 2010. O pesquisador, neste caso, não pode ser considerado um membro atuante na comunidade na qual imergiu para o propósito deste trabalho. Outros quesitos também não foram respeitados integralmente, em relação ao método netnográfico, como a criação de uma página do pesquisador, na internet, para ampliar a visibilidade de seu questionário e também para manter os participantes informados do desenvolvimento do trabalho.

Ainda assim, seguindo alguns dos propósitos postulados por Kozimas, realizei uma escritura resultante do trabalho de campo, estudando uma modalidade de comunidade online (dos sujeitos-jogadores de World of Warcraft, o que não é equivalente a qualquer comunidade constituída em torno de outros jogos eletrônicos). Em acordo com este autor, compreendo que as comunidades online não se esgotem no período que o sujeito passa presente diante do computador, pois constituem agrupamentos organizados de sujeitos reais.

A respeito dos agrupamentos observados, tentei definir suas composições, a maior homogeneidade ou heterogeneidade entre fatores como idade, gênero e nível sócio econômico, a atribuição das responsabilidades, dos papéis desempenhados dentro dos grupos que integram o jogo e as formas de reconhecimento entre seus pares, bem como as relações de maior ou menor correspondência entre as ações que o jogador exerce no ambiente de simulação do jogo e em outros ambientes sociais nos quais vive a sua vida.

Dentre os jogos da categoria MMO, World of Warcraft merece ser reconhecido como foco das atenções de pesquisadores científicos, jogadores e conhecedores do tema em geral. Este jogo, como outros da mesma categoria, ocorre em ambientes de simulação nos quais milhões de pessoas de qualquer ponto do planeta, conectadas à internet, podem jogar juntas, ou simultaneamente, agrupando-se por critérios hierárquicos que variam desde a raça do personagem, ou avatar, que o jogador molda para representá-lo no jogo, até a posição e o grau

de compromisso que cada jogador acaba assumindo em grupos de tamanhos variados, que neste jogo são conhecidos como ―guilds‖ (guildas).

O agrupamento em guilds (ou clans, a depender do jogo) é condição necessária, nesse tipo de jogo, para o cumprimento de missões que levam o jogador a se desenvolver e a dominar com maior propriedade os comandos e ações, no ambiente do jogo. Os jogadores, além de exercerem uma gama ampla de exercícios de governo sobre si mesmos e sobre os demais sujeitos, dentro de suas guilds, ainda contam com ferramentas que permitem a comunicação textual e sonora dentro do jogo; não raras vezes, acabam extrapolando os limites do ambiente de jogo para a conexão e comunicação mediada por e-mail e por outros recursos informáticos.

O jogador é um dentre os elementos fundamentais para a compreensão das dinâmicas de socialização, dos contornos efetivos na cartografia dos ambientes nos quais o jogo se desenrola, e da tomada de decisões no contexto do jogo. Optou-se por fazer entrevistas, com o intuito de analisar relações entre elementos lúdicos e questões referentes a subjetivação, socialização e aprendizagem nestes ambientes; quais distinções os sujeitos destacam (caso destaquem) entre os diversos planos conectivos pelos quais transita e se reconhece discursos que atribuam maior capacidade criativa e de práticas originais, considerando os recursos que o jogo permite explorar, ou se percebe em tais ambientes reforçamentos de práticas, discursos e saberes já consolidados tradicionalmente.

Inicialmente foram realizadas cinco entrevistas piloto com jogadores de MMO, incluindo jogadores de World of Warcraft, mas não exclusivamente. Optou-se então pela exclusividade por jogadores deste jogo, primeiramente pelo reconhecimento de que seja o jogo, deste gênero, com a maior quantidade de jogadores conectados, no planeta (na divulgação mais recente encontrada no website da Blizzard Entertainment, empresa desenvolvedora do jogo em questão, datado de 21 de novembro de 2008, eram cotados 11,5 milhões de jogadores inscritos e pagantes de assinatura mensal)15, o que gera uma rede de comunidades e blogs dedicados unicamente à discussão de tudo o que acontece neste jogo. A estruturação continuada (modular) e os exercícios de reforçamento e de fortalecimento da comunidade constituída em torno deste jogo, em particular, envolvem não apenas a relação entre as raças dos personagens no contexto lúdico, mas também os eventos especiais que ocorrem continuamente, promovidos pela empresa desenvolvedora do jogo e que pedem dos

15 Disponível em: <http://us.bl izzard.com/en-us/company/press/pressreleases.html>. Data de acesso: 23 de fevereiro de 2010.

jogadores novos graus de dedicação e de desenvolvimento de habilidades de jogo, sendo estes reforçados tanto pela dimensão lúdica da curiosidade, como também pela aquisição de novos status ou itens que podem ser utilizados no jogo, como novos poderes ou vestimentas, por exemplo.

O contato inicial com os sujeitos entrevistados neste trabalho foi realizado com jogadores indicados por pessoas conhecidas que jogam ou já jogaram World of Warfcraft, bem como com jogadores selecionados em comunidades de pesquisadores das áreas de Jogos Eletrônicos e Educação.

A aplicação de questionários (APÊNDICE A) foi realizada por correspondência eletrônica (e-mail), pois nas primeiras etapas de exploração, pôde-se verificar que em ambientes de jogos, tanto em ambientes físicos frequentados com esta finalidade (eventos, torneios de games, estabelecimentos comerciais, casa de jogadores no momento em que jogam), quanto em ambientes virtuais onde o jogo ocorre, os participantes não se dispõem a dispensar atenção a atividade tão distante da vivência lúdica, que marca o momento da abordagem. As entrevistas poderiam ser propostas em outros espaços, por exemplo, em comunidades virtuais de fãs do jogo, ou em fóruns de discussão freqüentados por jogadores, mas nestes tipos de ambientes a comunicação ocorreria por troca de mensagens de texto que poderiam eventualmente ficar expostas a pequenas comunidades, sem a mesma garantia de privacidade que se pode oferecer pelo uso do e-mail direto. Buscar sujeitos nestes ambientes (fóruns de discussão, comunidades de grupos de jogadores) é uma alternativa bastante adequada, pois costumam ser jogadores bastante envolvidos com o jogo, mas para a aplicação do questionário, este não seria o ambiente mais favorável ao pesquisador.

Foram computadas respostas de 17 participantes, dentre as quais 7 foram descartadas, por representarem pesquisadores e jogadores que não conhecem o jogo selecionado, mas quiseram colaborar, ou jogadores que jogam casualmente World of Warcraft em servidores não oficiais, gratuitamente, mas sem o mesmo acesso aos conteúdos de jogo disponibilizados no jogo oficial. Cabe a ressalva de que tal prática é bastante freqüente no Brasil, dado o fato de que o jogo oficial demanda o pagamento de uma assinatura mensal de acesso e que outros trabalhos de pesquisa devem começar a abordar as peculiaridades destes jogadores também, possíveis ―wannabees‖16 (Pereira, 2007) da cultura dos jogos eletrônicos ou, quem sabe, os

maiores exemplos de resistência e oposição dentro desta cultura?

16 De acordo com Pereira (2007), a expressão vem sendo empregada nas últimas décadas, em referência a pessoas que tentam imitar o estilo de vida, ou a aparência, de um ídolo. Da mesma forma, é empregado por

Outro motivo que reforça a escolha do jogo World of Warcraft é a série de dispositivos gerados oficialmente pelo licenciamento da marca e a referência a elementos do jogo, como histórias em quadrinhos e livros de ficção de fantasia, por exemplo. Tais produtos serão compreendidos no presente estudo, junto com as informações disponibilizadas nos websites oficiais do jogo e da empresa desenvolvedora deste, como dispositivos, ou seja, conjunto de equipamentos e de discursos que reforçam estratégias subjetivadoras, reforçadoras de um regime de verdades e de exercícios de poder que disseminam determinados hábitos entre os jogadores já engajados e também entre o público alvo potencial (muitos não habituados à cultura de jogos eletrônicos, mas cooptados a partir da afinidade com certos elementos estéticos, personagens, enredos ou ambientes fantasiosos); na medida do possível, também busco analisar em que medida os jogadores possam também exercer influência sobre tais dispositivos, promovendo o rearranjo possível das cartografias de poder exercidas e facilitadas, ligadas ao mundo de World of Warcraft.

A observação e o mapeamento dos websites oficiais promovidos pela empresa que desenvolve o jogo, ocorreram principalmente nas datas de 26 de janeiro e 23 de fevereiro de 2010. Foram analisados de forma mais cuidadosa apenas os endereços eletrônicos oficiais, referentes ao World of Warcraft, promovidos pela empresa, fossem páginas informativas, institucionais, canais de venda, ou o banco de dados sobre os jogadores.

Pretendo analisar tais materiais, citando algumas pesquisas científicas produzidas sobre jogos eletrônicos na última década. De acordo com Aarseth (2001), a primeira publicação acadêmica sobre jogos eletrônicos data de 2001 e há razões para que tenham começado somente nesta década. Os argumentos de Aarseth serão explorados no próximo capítulo. Pretendo abordar trabalhos científicos produzidos no Brasil, como o de Onça (2007), para compreender quais sejam as principais questões levantadas por nossa comunidade científica, a respeito dos jogos MMO e de modo geral, pretendo problematizar certos pontos de vista que vêm sendo reforçados a respeito das supostas vantagens do emprego de jogos eletrônicos para a aprendizagem e para a aquisição de habilidades valorizadas socialmente, como o letramento informático (Gee, 2004), a colaboração cooperativa e a administração de conflitos com muitas variáveis.

Tento, por tanto, produzir uma análise que fale do jogo a partir dos seus apelos, de seus espaços, seus jogadores e dos discursos que os envolvem (discursos do sujeito-jogador, da empresa que comercializa o jogo e da comunidade científica). Mantém-se o foco no jogo pessoas que detêm um saber, dentro de determinados grupos, para se referir àqueles que são iniciantes ou leigos no mesmo assunto.

selecionado, partindo de seu aspecto coletivo, de seus aspectos lúdicos, propiciadores e organizadores de novas narrativas que o sujeito-jogador desenvolve para o avatar, que representa as suas próprias ações nos ambientes de simulação que não se desfazem quando o jogador o deixa.

2. RELAÇÕES ENTRE JOGOS, PRODUÇÃO DE SABERES E CONTROLE