• Nenhum resultado encontrado

Para Berkes (2002) o debate sobre resiliência ajuda pesquisadores vinculados à problemática dos recursos comuns a transcender os limites dos formatos institucionais existentes e a questionar a capacidade adaptativa de grupos sociais específicos e suas instituições para lidar com estresses resultantes de mudanças ambientais, políticas e sociais. Um maneira de abordar esta questão, sugere tal autor, consiste na realização de estudos de caso sobre mudanças nos sistemas socioecológicos e na investigação de como a sociedade lida com as mudanças. Segundo ele, a partir desses estudos, poderíamos nutrir esperanças de gerar novas idéias sobre como promover a capacitação para uma adaptação mais efetiva às mudanças e, na sequência, para forjar as próprias mudanças.

Para investigarmos o estudo do caso das mudanças na Ilha Diana, nos utilizaremos de uma abordagem etnoecológica buscando investigar aspectos cognitivos e práticos do sistema pesqueiro local, ao que Toledo (1991) chama de relacionamento entre corpus e práxis. De acordo com Marques (2001), há duas visões a respeito da Etnoecologia: uma cognitivista e outra adaptativista. A cognitivista prevê que o conhecimento ecológico tradicional refere-se ao conhecimento adquirido por povos indígenas e locais, através de séculos de experiências diretas e de contato com o meio ambiente (TEK-TALK, 1992 apud Marques, 2001). A visão adaptativista afirma que a adaptação dos seres humanos ao seu meio ambiente é assunto do etnoecólogo (Hoebel e Frost, 1990 apud Marques, 2001).

26 Com base na integração de visões cognitivistas e adaptativistas, Marques (2001) definiu Etnoecologia como “o estudo das interações entre a humanidade e o resto da ecosfera, através da busca da compreensão dos sentimentos, comportamentos, conhecimentos e crenças a respeito da natureza, característicos de uma espécie biológica (Homo sapiens) altamente polimórfica, fenotipicamente plástica e ontogeneticamente dinâmica, cujas novas propriedades emergentes geram-lhe múltiplas descontinuidades com o resto da própria natureza. Sua ênfase, pois, deve ser na diversidade biocultural e o seu objetivo principal, a integração entre o conhecimento ecológico tradicional e o conhecimento ecológico científico”. Marques (op.cit.) define, em resumo, que Etnoecologia é o estudo científico do conhecimento ecológico tradicional.

Para a execução deste trabalho foram realizadas por volta de 70 visitas à área de estudo, distribuídas entre os anos de 2006 e 2010. Os anos de 2006 e 2007 foram períodos de reconhecimento da área de estudo e aproximação com a comunidade, o qual incluiu uma palestra para informar aos residentes sobre o propósito da pesquisa e quebrar as fortes desconfianças causadas pelo conflito estabelecido pela obra portuária. Durante o período de coleta de dados, em 2008, as visitações se tornaram mais freqüentes ocorrendo cerca de 40 visitas para aplicação dos questionários, participação em festas como a do Bom Jesus e de Natal, vistorias embarcada percorrendo os canais de mangue do estuário santista até o Canal de Bertioga (Figura 8), dentre outras. Nos anos de 2009 e 2010 as visitações tornaram-se menos freqüentes e direcionadas ao acompanhamento das transformações no território e quando buscou-se um afastamento do sujeito de estudo para que se fosse possível realizar a análise com maior imparcialidade e cumprir a segunda etapa deste trabalho: a das entrevistas com atores sociais.

Durante essas visitas, as características estruturais da comunidade estudada, bem como o modo de vida de seus habitantes, foram observados e fotografados. Para a caracterização da infraestrutura da Ilha Diana, além da observação sistemática, foram realizadas entrevistas com o presidente da Associação de Melhoramentos da Ilha Diana (única associação comunitária existente), com a enfermeira do Posto de Saúde, com professores da escola de ensino básico, além dos bate-papos informais com os moradores em geral (Apêndice I).

27 Figura 8: Vistoria embarcada pelo estuário de Santos - do canto superior esquerdo e em sentido horário: vista da pedreira Engebrita, ocupação humana no Sítio das Neves, aterro da Embraport e ponte da Rodovia Piaçaguera-Guarujá sobre o Canal de Bertioga (imagens da autora).

Questionários semi-estruturados (Viertler, 2002) foram aplicados com residentes jovens e adultos, entre os meses de agosto e outubro de 2008. Questões fechadas foram, de maneira geral, utilizadas para o levantamento quantitativo dos dados socioeconômicos e questões abertas, principalmente, para analisar de forma qualitativa os aspectos socioecológicos da cultura caiçara, práticas tradicionais de manejo dos recursos pesqueiros e as transformações neste território (Apêndice II). Segundo Víctora et. al. (2000), é interessante aprofundar a relação entre as metodologias quantitativas e qualitativas, buscando não simplesmente uma complementaridade, mas uma integração de dados quantitativos e qualitativos dentro de um mesmo projeto.

Para iniciar tal investigação estabelecemos um quadro amostral dividido equitativamente entre gêneros: 10 homens e 10 mulheres distribuídos em três faixas etárias pré-estabelecidas Classe I (entre 16 e 35 anos), Classe II (36 a 55 anos) e Classe III (mais de 56 anos). Optou-se por entrevistar os indivíduos a partir dos 16 anos, pois a partir desta idade já é possível

28 ingressar no mercado de trabalho formal de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, a partir desta idade os entrevistados já poderiam opinar a respeito de seu futuro profissional. No entanto, a idade do entrevistado mais jovem foi de 18 anos.

O desenho amostral desta tese tomou por base um estudo prévio realizado em 2007 por esta autora com a participação de 14 discentes disciplina “Métodos de Pesquisas Socioambientais” ministrada como disciplina optativa e de caráter voluntário na UNESP/São Vicente (Stori et.

al. (2007a) e Stori et. al. (2007b). Esta teve por objetivo macro habilitar os alunos para a

elaboração de pesquisas de cunho socioambiental e que teve como foco a aplicação de um censo socioeconômico à comunidade da Ilha Diana. Este censo contabilizou um total de 49 moradias na Ilha Diana, destas, 6 encontravam-se desocupadas, 7 se recusaram a atender e em 4 casas os moradores não se encontravam. Do total de 32 moradias abordadas (65% do total de residências contabilizadas), contabilizou-se a presença de 107 moradores, destes, 30 eram menores de 16 anos (28% da amostra). Estima-se, no entanto que o número total de residentes possa chegar a 240 (informação obtida em entrevista com o presidente da Associação de Melhoramentos da Ilha Diana), fazendo com que a pesquisa de 2007 representasse 44,5% do total populacional da comunidade.

Obtivemos ao final do período de coleta desta pesquisa um total de 20 entrevistas - aproximadamente 9% da população total, ou 17% da população adulta da Ilha Diana com base na informação de 240 residentes. Só não foi possível majorar este número devido à resistência de muitos residentes em contribuir com esta pesquisa ou à dificuldade de se encontrar alguns moradores durante o horário comercial. Verificamos, entretanto, a constante repetição de opiniões nos resultados obtidos, o que nos leva a crer que o universo amostral foi satisfatório com a intenção desta pesquisa em se realizar uma análise prioritariamente qualitativa.

As entrevistas semi-estruturadas não foram gravadas em áudio a pedido dos entrevistados, portanto, todas estas foram registradas manualmente. As entrevistas duraram entre uma a três horas. Devido ao desejo de alguns entrevistados em se manterem em anonimato, estes receberam apenas a primeira letra do nome e foi citada sua idade na época da coleta no ano 2008, bem como o sexo do entrevistado.

O entrevistado mais idoso foi a primeira moradora da Ilha Diana, Dona Dina com 90 anos, e com ela foi realizada uma entrevista aberta (Viertler, op. cit.) sobre as transformações da Ilha

29 e questões da pesca. Esta entrevista foi registrada em gravador digital e teve a duração de três horas. O roteiro de entrevista (Viertler, op. cit.), além das questões abertas, também continha questões similares à dos demais entrevistados, para que certas informações pudessem ser integradas à análise quantitativa (Apêndice III). Contudo, o método integrado possibilitou uma grande riqueza de informações de cunho etnoecológico.

Com cinco entrevistados (duas mulheres e três homens) que ainda exerciam atividade de pesca (25% do total de entrevistados), foi aplicado um questionário específico que buscou obter informações quali-quantitativas relacionadas à pesca a fim de investigar práticas locais de manejo (Apêndice IV).

As falas citadas ao longo do texto foram selecionadas de modo que pudessem melhor identificar os elementos investigados. Não foi objetivo deste trabalho realizar uma análise estatística das práticas e mecanismos identificados, pois considerando a complexidade do tema, uma análise desta natureza poderia subestimar resultados cuja singular ocorrência já torna-se significativa em termos socioecológicos. Deste modo, os aspectos da cultura caiçara relacionados à ancestralidade, auto-reconhecimento, relações familiares, religião e organização social, foram analisados com base na literatura especializada.

Práticas de manejo pesqueiro baseadas no conhecimento ecológico tradicional (itens enumerados) e os mecanismos sociais atrelados à elas (identificados por letras) foram sistematizados de acordo com Folke et. al. (1998). As transformações na pesca foram identificadas e suas conseqüências foram discutidas com base nos referenciais teóricos sobre adaptatividade e resiliência em sistemas socioecológicos.

Os dados coletados foram disponibilizados de forma cronológica em quadros, com o objetivo de facilitar a visualização dos eventos que foram determinantes na construção do território.

A segunda etapa do trabalho consistiu em entrevistas com dez atores envolvidos no debate em torno do conflito entre desenvolvimento e meio ambiente na Baixada Santista. Estas foram realizadas entre os meses de junho a agosto de 2009. Para realizar a seleção dos entrevistados a pesquisadora freqüentou, no período entre 2006 e 2009, diversos fóruns de discussão sobre desenvolvimento e meio ambiente na Baixada Santista, tais como: reuniões do Grupo Setorial de Gerenciamento Costeiro da Baixada Santista; Agenda Ambiental Portuária; Rede de

30 Educação Ambiental da Baixada Santista, Audiências Públicas e seminários acadêmico- científicos.

Para contactar os atores escolhidos foram enviadas cartas-convite com aviso de recebimento assinadas pelo discente e orientadores. Para o agendamento da entrevista, foram dados telefonemas e trocados e-mails. Os avisos de recebimento encontram-se no Anexo II.

Utilizou-se para a realização das entrevistas um roteiro com questões predefinidas que, além das questões de caracterização socioeconômica, continha sete questões elaboradas para todos entrevistados e demais questões específicas para cada um deles (Apêndice V).

Foram entrevistados atores sociais atuantes nas seguintes instituições ou instâncias políticas: Ator 1 - Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) acompanhado pela Assessoria de Imprensa (AI);

Ator 2 - Terminal Portuário EMBRAPORT/Grupo COIMEX; Ator 3 - Ministério Público Federal (MPF);

Ator 4 - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA);

Ator 5 - Coordenadoria de Planejamento Ambiental/Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (CPLA/SMA-SP);

Ator 6 - Vereador do Município de Santos;

Ator 7 - Secretaria de Planejamento do Município de Santos;

Ator 8 - Instituto de Pesca / Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios / Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo;

Ator 9 - Federação dos Pescadores do Estado de São Paulo e Colônia de Pesca Z1 “José Bonifácio”; e

Ator 10 – Organização Não Governamental com representação no Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA): ONG Cáa-Oby.

Dois atores escolhidos não responderam ao convite enviado: um da Secretaria Especial de Portos vinculada à presidência da República e o outro da Secretaria de Assuntos Portuários da Prefeitura de Santos, também presidente do Conselho de Autoridade Portuária (CAP).

31 Solicitamos aos atores selecionados que representassem a postura de suas instituições e/ou instâncias, contudo é da natureza humana que opiniões pessoais possam, por vezes, se sobressair à postura institucional.

Quinze horas de falas (dos dez atores somadas) foram transcritas e posteriormente, identificadas as que melhor esclarecessem como se deu a emergência da controvérsia estudada e como se decidiu pela instalação empreendimento portuário que irá afetar diretamente a comunidade da Ilha Diana.

Seguimos para análise destes resultados a metodologia estabelecida pela Sociologia da Tradução (Callon 1981,1986; Amblard et al., 1996; Silva, 2005; Beuret, 2006; Beuret et. al., 2006), a qual constitui-se em uma metodologia de estudo de casos que permite a compreensão do desenvolvimento de processos sociotécnicos e o apoio na condução de projetos. Para a aplicação de tal metodologia inicialmente identificam-se as controvérsias que antecederam a formação da rede sociotécnica. O autor define esse primeiro passo como entrada real na análise da situação. A metodologia para elaboração e compreensão de redes de gestão é compreendida por dez etapas (Amblard et al., 1996), são elas: análise do contexto, problematização, identificação do ponto de passagem obrigatório (PPO), dos porta-vozes, identifica-se os intermediários, analisa-se o investimento de forma, a mobilização, a expansão da rede, sua vigilância e transparência.

Com base nesses resultados, aliadas às informações previamente coletadas na comunidade da Ilha Diana, procedeu-se a análise das Lógicas de Ação que regeram a negociação da controvérsia no território estudado. Para fornecer este entendimento, nos utilizamos de referenciais das Economias de Grandeza propostas por Boltanski e Thévenot (1991) e da Sociologia da Tradução. Para Santos (2008) esses referenciais permitiram compreender os processos que colocaram em relação os diferentes atores e entidades para a construção das inovações técnicas e organizacionais determinantes para a gestão do território.

Buscou-se, por final, a integração dos resultados obtidos a respeito dos mecanismos sociais e práticas de manejo da comunidade estudada com os mecanismos das lógicas de ação em torno da controvérsia, de modo a subsidiar a discussão sobre adaptatividade, resiliência e sustentabilidade no sistema socioecológico estudado.

32 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Aspectos Socioecológicos da Comunidade Caiçara da Ilha Diana e suas