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2 COMUNIDADES EPISTÊMICAS, SABERES LOCAIS E POLÍTICAS

2.4 OS CONTEXTOS E O RECORTE DA PESQUISA

2.4.2 Procedimentos metodológicos

Em vista do nosso objeto de estudo, o de analisar a participação/influência das comunidades epistêmicas na institucionalização dos saberes locais e os modos de coexistência dos saberes locais nas políticas curriculares em Moçambique, delimitamos como objetivos específicos os seguintes: identificar o debate teórico subjacente ao conceito de comunidades epistêmica e os saberes locais; caracterizar a educação e a integração dos saberes locais nos planos curriculares em Moçambique; identificar e tipificar as comunidades epistêmicas presentes no processo da institucionalização e analisar os seus modos de participação/influência e os modos de coexistência dos saberes locais nos planos curriculares. Para alcançar esses objetivos, escolhemos, entre as diferentes perspectivas metodológicas, a pesquisa qualitativa. Com o seu enfoque subjetivo, interpretativo, crítico e participativo, a pesquisa qualitativa permitiu, nos seus meandros, analisar e compreender a realidade pesquisada. A partir do inventário bibliográfico, dos documentos oficiais e das entrevistas semiestruturadas, foi possível, com a técnica de análise do conteúdo, descortinar as inquietações da pesquisa. Foi possível analisar o contexto/ a conjuntura social/global, política, econômica e cultural em que foi produzido o documento que institucionaliza os saberes locais. Procuramos, também, com auxílio da análise de conteúdo, desvendar as identidades dos intervenientes nesse processo e buscamos perceber os seus interesses e as suas motivações. Entretanto, é preciso reconhecer a dificuldade de compreender os reais interesses que estão por detrás de um texto, principalmente quando vários intervenientes

participam na sua elaboração. Efetuamos um exercício complexo de ler nas entrelinhas dos documentos para fazer inferências, ou poder compreender o que estaria subjacente ao texto.

Optamos por análise de conteúdo para analisar quer o material obtido por meio de referências bibliográficas, quer com os documentos oficiais produzidos pelo INDE, assim como a partir das entrevistas transcritas. Empregamos técnicas usuais da análise de conteúdo para responder as inquietações da pesquisa, consistindo em interpretação e inferênciais sobre as informações contidas nos documentos, desvelando o seu conteúdo.

Assumir a análise do conteúdo é não aceitar, de início, a transparência dos fatos, é se interrogar sobre o real das coisas/fatos, ou seja, é desconfiar dos fatos apresentados e se questionar sobre eles. É uma postura vigilante e crítica, que não permite a aceitação simples do real apresentado (BARDIN, 1977, p.23). A análise do conteúdo busca sentidos que não são os que são apresentadas. Ou seja, a análise de conteúdo busca “atingir através de significantes ou de significados (manipulados), outros «significados»” (BARDIN, 1977, p.41). Neste sentido, as três fontes foram cruciais para responder as inquietações da pesquisa. Pela escassez de estudos sobre a participação das comunidades epistêmicas na elaboração das políticas curriculares, ou concretamente aquilo que é o nosso objetivo, a institucionalização dos saberes locais nas políticas curriculares se caracteriza como um estudo exploratório. As pesquisas exploratórias

são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis (GIL, 2008, p.27).

Ainda segundo Gil (2008), a pesquisa exploratória

tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores… Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso (GIL, 2008, p.27).

Com vista aos objetivos da pesquisa, a análise do corpus foi norteada pelas seguintes questões: Quais foram as motivações para a inclusão dos saberes locais nas políticas curriculares? Houve algum círculo de influência para a institucionalização dos saberes locais? Quais foram os agentes que participaram ou participam para a institucionalização dos saberes locais? Para quê a institucionalização dos saberes locais? Qual é a forma de coexistência dos

saberes locais nas políticas curriculares? Ou de que forma se estruturam os saberes locais nas políticas curriculares?

A organização e análise dos dados estão presentes em diferentes estágios da pesquisa. Este processo começou com o deslocamento para o trabalho empírico/trabalho de campo até ao término da pesquisa. Como sugere Bardin (1977), a análise opera em três fases: (1) pré- análise, (2) exploração do material e (3) tratamento dos dados, inferência e interpretação (BARDIN, 1977, p.95).

Como veremos, no mapeamento e perfil dos sujeitos entrevistados, foram feitas correlações e formações de subconjuntos que nos levaram a três grupos de comunidades epistêmicas: nacionais, regionais e internacionais. Após a organização dos dados, estabelecemos relações entre as comunidades epistêmicas e a institucionalização dos saberes locais. Para fazer jus à discussão, partimos de estudos teóricos conceituais sobre comunidades epistêmicas e saberes locais; ciclos de influência política, empréstimos; os dilemas em torno da questão curricular etc.

Os resultados encontrados, ao longo da pesquisa, serão objeto das abordagens subsequentes. A seguir buscaremos caracterizar a educação em Moçambique e posteriormente (último capítulo), discutiremos a questão das comunidades epistêmicas e a institucionalização dos saberes locais (os ciclos de influência) e a questão da coexistência dos saberes locais no currículo.

CAPÍTULO II

3 EDUCAÇÃO E SABERES LOCAIS EM MOÇAMBIQUE

O Sistema Nacional de Educação em Moçambique passou por várias metamorfoses. O processo histórico mostra que estas transformações foram impulsionadas ou acompanhadas por escolhas políticas-ideológicas. Neste capítulo vamos nos debruçar sobre os contornos do processo de construção do Estado-nação aliado ao conflito entre o local e o exógeno desde a independência e buscaremos reconstituir a história de educação em Moçambique tentando perceber nas várias transformações que passou o lugar das culturas autóctones.

Deste modo, apresentaremos a estrutura do Sistema Nacional de Educação em vigor em Moçambique, as descontinuidades entre a educação e a cultura autóctone e a constituição dos saberes locais nos planos curriculares.

3.1 MOÇAMBIQUE: A CONSTRUÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO E O DILEMA ENTRE O