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Este trabalho de pesquisa desenvolve-se em duas direções. Na primeira delas, voltamos o olhar para o principal material de apoio às aulas de língua portuguesa em escolas públicas de ensino: a versão do livro didático para uso exclusivo do professor, ou manual do professor. E como já expressamos neste texto, uma vez que intentamos explicitar os avanços desse material, a partir da avaliação do PNLD, iniciada nos anos de 1996, primeiramente analisamos o perfil desse instrumento didático, tomando uma obra que circulou no início dos anos de 1990, “Viver e aprender português 3” (MARTOS, 1993). Em seguida, analisamos um manual utilizado recentemente: “Aprender juntos português” – Editora SM (4º ano), de Adson Vasconcelos (2008).

Observemos que entre essa obra hoje utilizada e a dos anos de 1990 há um lapso de tempo de 15 anos, que nos permitirá entrever mudanças nas suas respectivas configurações, especialmente, na parte destinada ao professor. A partir delas, pretendemos examinar: recursos linguísticos e composicionais que caracterizam a linguagem que constitui o discurso do manual, antes e depois da intervenção do PNLD; apontar esferas discursivas que urdem a enunciação do encarte dirigido ao professor;

59 estabelecer cotejo pertinente entre a parte da obra que se destina ao aluno e o encarte do professor, visto que a correlação entre ambos é fundamental para o alcance dos resultados almejados.

É importante reiterarmos as razões pelas quais decidimos analisar esses dois volumes. O volume representativo do antigo livro do professor foi escolhido mediante o fato de ter sido produzido por uma conceituada editora, a Saraiva que, pela sua posição no mercado, certamente, na época, já buscava oferecer um material dentro dos padrões estabelecidos. No que tange à obra recente, a nossa escolha deve-se ao fato de ela ter sido utilizada, entre os anos de 2010 e 2013, pelas mesmas professoras que participam desta pesquisa. Além disso, a escolha pelo volume 4 leva em consideração a correspondência com a antiga 3ª. série, portanto, acreditamos que os dois volumes trabalham conteúdos similares. E, a partir do exame de uma e de outra, realizamos uma comparação que, entendemos, evidencia os elementos que impulsionaram alguma possível mudança do gênero discursivo manual do professor, conforme consta da última seção deste capítulo.

A segunda etapa da pesquisa se realizará em torno do ponto de vista que as professoras apresentam sobre o manual que chega às suas mãos. Para essa etapa, contamos com o apoio da Escola Municipal Otaviano Ferreira Campos, do município de Feira de Santana, Estado da Bahia. A escola atende a um público de baixa renda, que convive com mazelas sociais, a proposito de prostituição e drogas. Suas instalações constam de oito salas de aula e uma sala de informática onde se realizam as atividades didáticas.

Nessa escola, foram convidadas a participar da pesquisa, as professoras de Língua Portuguesa das turmas de 1º e 5º anos, que trabalharam com a coleção de que faz parte o manual supracitado, além da vice-diretora e coordenadora, constituindo um número de 4 pessoas. Trata-se de professoras com faixa-etária entre 28 e 43 anos. As que participam do diálogo possuem graduação em Pedagogia, duas das quais têm formação também em Psicopedagogia, em nível de especialização.

Para a realização dessa etapa, solicitamos apreciação do projeto de pesquisa ao Comitê de Ética da Universidade Estadual de Feira de Santana, uma vez que pesquisas envolvendo seres humanos devem observar certos princípios bioéticos, conforme a

60 Resolução nº 466/12 (CNS). Tendo recebido aprovação, como consta do parecer 519.708, emitido em 03/02/2014 pela relatoria desse Comitê, demos início aos trabalhos na escola.

A opção por essa escola está relacionada com o fato de termos lá trabalhado como professora, durante dez anos, o que facilitou a nossa inserção no espaço. Com esse grupo de 4 professoras (número de professoras que aceitaram colaborar com a pesquisa) podemos analisar tanto as ações pedagógicas, a partir do diálogo e também com o questionário escrito que elas concordaram em responder e também os resultados da ampliação dos primeiros anos escolares, de quatro para cinco anos.

Analisamos a atitude responsiva das professoras participantes, frente ao manual, a partir de uma conversa informal gravada em áudio, com cerca de 30 minutos de duração e também por meio de questionário escrito, o qual se encontra esboçado no anexo 1 deste trabalho, respondido pelas professoras e entregue em nossas mãos em data previamente agendada.

A conversa informal foi por nós direcionada, no sentido de ouvir das professoras as suas impressões sobre a qualidade das obras didáticas que se produzem na atualidade e ainda a respeito da utilização do manual do professor: se o encarte serve, de fato, ao seu trabalho, se é bem produzido, o que lhe falta, entre outros aspectos que surgiram durante o diálogo. Através dessa interação, objetivamos realizar análise do discurso dessas professoras, considerando não apenas o conteúdo das enunciações, mas também a entonação, os gestos provenientes da relação emotiva que as professoras mantêm com esse objeto e que o diálogo face a face permite tão bem visualizar. Essa análise é feita a partir da transcrição de trechos desse diálogo, abordando-os à luz da teoria que norteia esta tese. A transcrição integral da conversa encontra-se no anexo 4 deste estudo.

Propusemos o questionário escrito por ele possibilitar às professoras participantes uma reflexão mais cuidadosa sobre sete perguntas que foram feitas em torno de questões complexas relativas à consonância do livro do aluno com os pressupostos declarados no encarte do professor, no que diz respeito aos eixos de ensino de Língua Portuguesa: leitura, produção escrita e oral de texto e análise linguística. Esse questionário foi entregue em mãos e devolvido num prazo de quinze dias, também em mãos. Analisaremos as respostas do questionário, buscando demonstrar a valoração

61 dada pelas professoras à forma como o ensino e aprendizado de Língua Portuguesa é proposto na coleção e ainda, se tal proposta contempla a sua concepção de língua e ensino.

Acreditamos que esses instrumentos de pesquisa devem trazer à tona elementos relevantes que poderão ser apreciados, para além desta pesquisa, em outros contextos de reflexão sobre o ensino e aprendizado do português, a exemplo dos cursos de formação de professores.

Essa etapa da pesquisa ocorreu nos meses de abril e maio, do corrente ano, com visitas à escola para conversas individuais com as professoras e aplicação do questionário, mediante agendamento que a escola estipulou.

O trabalho, portanto, desenvolve-se com a análise dos seguintes corpora: obras didáticas de Língua Portuguesa citadas anteriormente; conteúdo do discurso das professoras, construído durante as nossas conversas; e questionário respondido pelas professoras. Sobre esse material, desenvolvemos a análise considerando noções e conceitos oferecidos pela teoria bakhtiniana da linguagem, discutindo estilo, entoação, atitude responsiva, conteúdo temático e a relação entre a ideologia do cotidiano e as ideologias constituídas, presentes na produção discursiva desses corpora.

Antes da análise do primeiro corpus, consideramos pertinente apresentar características presentes no gênero discursivo manual do professor, de modo a focalizar a sua constituição, conforme se nota na seção subsequente.