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Os dados foram coletados na cidade de Rio Claro/SP, a qual conta com treze terreiros de Umbanda e Candomblé. Por meio da observação sistemática e contato com os dirigentes, os terreiros foram caracterizados com o objetivo de identificar e acompanhar os trabalhos voltados para os rituais de purificação ou os banhos em alguns deles, quando ocorridos. Portanto, a coleta de dados não foi realizada em terreiros pré- determinados, mas procurando acompanhar esses rituais sempre que possível, na cidade. Isso foi feito, portanto, por meio da observação sistemática, registrando-se os dados em caderno de campo. Aliado a esse procedimento, foram aplicados questionários e feitas entrevistas gravadas com alguns pais e filhos-de-santo, para obter as descrições dos rituais e recuperar o discurso dos fiéis. A escolha de Rio Claro ocorreu devido ao fato deste estudo ser parte da dissertação de Mestrado do curso de Pós-graduação em Ciências da Motricidade Humana, UNESP, realizado nesta cidade.Outra fonte importante de dados foi a bibliografia umbandista que define, explica e orienta sobre os banhos rituais. Nela estão contidos os procedimentos e prescrições que subsidiam a identificação das noções de corporeidade das tradições afro-brasileiras. Ao lado dessas fontes, buscaram-se informações históricas e sociológicas na bibliografia voltada para as religiões afro-brasileiras.

A obtenção dos endereços dos terreiros de Umbanda e Candomblé de Rio Claro/SP e a trajetória da coleta de dados deu-se através dos procedimentos descritos a seguir.

O levantamento foi feito em cartórios, na Prefeitura Municipal da cidade, bem como se obteve informações orais de pessoas que freqüentam os terreiros, ou simplesmente têm conhecimento da existência dos mesmos. Também se conseguiram informações por meio de uma Federação existente em Rio Claro, a Federação de Umbanda Caminho dos Orixás, a qual possui quatro terreiros filiados na cidade (entre outros na região), e ministra cursos para a formação de pais e mães-de-santo, ogãs e curimbas. A maioria dos endereços foi conseguida no 2º Cartório de Títulos e Documentos de Rio Claro, onde as informações permitiram também o rastreamento das datas de registro dos terreiros, bem como os nomes de seus respectivos presidentes. Os primeiros registros datam da década de 1950, e somam cinco terreiros. Em relação às denominações utilizadas, muitos colocam a palavra "Espírita", certamente em busca de legitimação dentro da sociedade. Foram encontrados vinte e nove endereços de terreiros para posterior confirmação de sua existência.

Após o levantamento dos endereços, telefonou-se para os números conseguidos juntamente com seus endereços e, posteriormente, percorreu-se a cidade de Rio Claro em busca dos demais, a fim de confirmar se eles existiam. Assim, pôde-se constatar que, dentre todos os endereços, alguns haviam se mudado, desaparecido, o número do local não existia, o que resultou em treze terreiros existentes na cidade.

Ao chegar ao local procurado, abordava-se a pessoa que atendia à porta perguntando-se, inicialmente, pelo nome do presidente do terreiro (informação contida nos materiais fornecidos pelo cartório). Se desconhecido tal nome, afirmava-se que o

local estava constando como um Centro Espírita (omitia-se a palavra "terreiro" para evitar o constrangimento por parte do interlocutor).

O contato estabelecido com as pessoas, seja por telefone, seja pessoalmente, visitando os endereços, revelou, em algumas vezes, faces do preconceito contra as religiões afro-brasileiras, por meio da recusa em responder e do estranhamento e descaracterização pejorativa desses cultos. Nesses casos, o que o interlocutor pretendia enfatizar, via de regra, era o seu distanciamento ou desconhecimento relativos às religiões afro-brasileiras (com palavras, gestos, expressões corporais e faciais).

Após a realização do mapeamento dos terreiros existentes na cidade de Rio Claro, assistiu-se a, pelo menos, uma sessão de trabalho em cada um, portando-se de seu caderno de campo, onde realizam-se anotações referentes à observação dirigida, contendo os seguintes itens: 1. Características do bairro; 2. Instalações; 3. Número de freqüentadores; 4. Indumentária; 5. Se é pai ou mãe-de-santo; e 6. Marcar entrevista com pai/mãe-de-santo. O íten 4 refere-se à utilização ou não de roupas de culto específicas a cada trabalho (um cocar de índio, por exemplo). Quando não utilizada a indumentária específica, os religiosos usam roupas brancas e guias, que são colares com as cores dos orixás.

É importante ressaltar que, apesar de registrados treze terreiros, nem todos concordaram em participar da pesquisa, sendo feitas, então, dez observações. Posteriormente, um dos terreiros se recusou a contribuir para o estudo sendo, então, realizadas entrevistas com participantes de nove terreiros na cidade. No momento da observação dos trabalhos, procurou-se entrar em contato com o responsável pelo terreiro para logo marcar-se uma entrevista. Depois de entrevistado o líder do grupo, eram solicitados outros componentes do terreiro para participarem da pesquisa. Neste aspecto,

ficou evidente o respeito pelo pai ou mãe-de-santo por parte de seus filhos-de-santo, os quais não tomavam decisões sem antes pedir a opinião de seu "chefe espiritual" ou mesmo após este ter respondido à entrevista. Assim sendo, foram realizadas um total de dezoito entrevistas entre pais e filhos-de-santo.

Como afirma Concone (1987, p.144): “Se contactados diretamente, os filhos de santo de um terreiro não se comprometem com qualquer entrevista ou conversa mais longa, sem consultar o Pai de Santo”.

E ainda, como afirma Soares (2003, p.13):

De fato, não é o mesmo pedir explicações aos intelectuais da emergente umbanda e depois escutar a palavra de seus adeptos. Existe continuidade e descontinuidade entre os dois níveis - um terceiro nível abrange os clientes ocasionais.

Antes de serem realizadas as entrevistas, os adeptos leram e assinaram uma "Carta de Cessão" (ver APÊNDICE III), a qual continha as informações necessárias para que eles entendessem os propósitos da presente pesquisa, e concordassem em participar da mesma. As entrevistas foram feitas com base em um roteiro previamente definido, que consistiu, primeiramente, de um questionário, e depois de perguntas registradas em um gravador (Ver APÊNDICES IV E V).

Enfim, a experiência da coleta de dados se deu, em parte, dentro dos parâmetros temporais próprios das religiões afro-brasileiras que, como afirma Prandi (2001), organizam seu tempo de acordo com a necessidade de cada atividade, não sendo ele definido pelo relógio. São os deuses quem, normalmente, definem o tempo necessário para cada tarefa. O tempo é também associado ao aprendizado, o qual depende do esforço individual em adquirir sabedoria e competência.

Sendo assim, ocorreram certos "desencontros" entre a pesquisadora, regida pelos imperativos desta investigação, e seus entrevistados que, em algumas vezes, se

ausentaram dos compromissos marcados. Um exemplo claro disso, foi quando, marcado o horário com um dos participantes, para observar o preparo do ritual do amaci, ao chegar ao local no horário combinado, este ritual já havia sido realizado. Também houveram algumas proibições em assistir a certos rituais, pelo fato de não se fazer parte dos grupos estudados.

Para finalizar este capítulo, faz-se necessário um esclarecimento demasiadamente importante para o entendimento da presente pesquisa: sou umbandista há vários anos e possuo uma relação afetiva muito forte com a religião, tendo, minha orientadora, conhecimento sobre o fato desde o início. Contudo, esta situação apresentou duas faces: se, por um lado foi um desafio metodológico, por outro, proporcionou um conhecimento "por dentro", participando do universo, o que também pôde ser visto como uma vantagem. Esta tensão esteve presente durante toda a trajetória da pesquisa. Inclusive, em alguns terreiros fui convidada a tomar "passe", bem como fazer parte dos trabalhos, tocando atabaque, por exemplo.

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