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ARTIGO 2 UMA DOSE DE CACHAÇA E DISCURSO:

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a operacionalização deste estudo, orientamo-nos em termos onto- epistêmicos pela perspectiva teórica da SAP, da LI e da ACD, assumindo que essas vertentes se aproximam, conversam e são comensuráveis em vários aspectos, permitindo uma plataforma teórico-metodológica condensada, principalmente quando o assunto é estratégia, lógica institucional e discurso organizacional. Metodologicamente, o foco na prática aproxima os direcionamentos analíticos dessas correntes, estabelecendo interfaces profícuas, o que justifica nossa escolha por essas perspectivas.

Para fins de definições, trata-se de um estudo qualitativo-interpretativo, pois buscamos compreender, interpretar e discutir as práticas estratégicas e discursivas das organizações produtoras de cachaça artesanal de Minas Gerais, bem como as lógicas institucionais norteadoras das práticas, focalizando aqui uma análise multicasos. Para a compreensão do campo, participamos e mantivemos conversações com donos de alambiques nas feiras da Expocachaça, realizadas em Belo Horizonte, nos anos 2014 a 2017. Pesquisamos um total de dez organizações produtoras de cachaça de alambique, além dos três casos aprofundados, e as duas associações mineiras de produtores de cachaça de alambique, a AMPAQ e a APACS, para compreender as práticas estratégicas, as lógicas e os discursos hegemônicos do campo. Essas organizações foram escolhidas por acessibilidade e conveniência, por serem formalizadas e associadas à AMPAQ ou APACS, ou com certificação, ou marcas reconhecidas no campo.

Adotamos como estratégia de coleta de dados a pesquisa de campo nas cachaçarias e associações e, para tal, realizamos visitas para conhecer o cotidiano organizacional, as instalações e principais práticas e nos aproximar das práticas e dos praticantes, bem como para apreender o discurso acerca da produção e comercialização da cachaça. Nas visitas, realizamos entrevistas

semiestruturadas com os produtores de cachaça e com os diretores das Associações, por meio de um roteiro (ver Apêndice 1). Nosso recorte centrou-se nas práticas de produção e comercialização do produto. A coleta de dados, com visitas aos alambiques, iniciou-se no segundo semestre de 2014 e foi concluída no segundo semestre de 2016. Após este período, dúvidas e confirmações foram equacionadas através de conversações via telefonia e whattsapp. As entrevistas, gravadas em áudio e transcritas na íntegra, foram analisadas juntamente com as anotações construídas nas visitas de campo e demais fontes de pesquisa documental (as edições do jornal da AMPAQ) sobre o setor.

Como forma de operacionalizar os resultados, delimitamos os casos estudados em três organizações, a saber: a cachaçaria Alfa, a Beta e a Gama, escolhidas intencionalmente, com base nos direcionamentos deste estudo. Os elementos principais que levaram à opção de aprofundamento de estudos destes casos são: a Alfa é a marca mais tradicional de cachaça de alambique de Minas Gerais, é reconhecida no campo como referência de valor agregado ao longo do tempo e possui como práticas de destaque a produção orgânica e o envelhecimento de toda produção de cachaça; a Beta indica a incorporação e desenvolvimento de tecnologia e perspectiva mercadológica diferenciada pela implantação, junto ao alambique, de um parque ecológico; a Gama é uma organização nova, premiada internacionalmente e que possui entre suas práticas, a produção de cachaça para outras marcas reconhecidas pela qualidade do produto.

Em cada uma das organizações pesquisamos os praticantes estratégicos e discursivos mais representativos, como apresentado no Quadro 2.

Quadro 2 - Objeto de estudo e sujeitos da pesquisa dos casos analisados em profundidade.

Objeto de Estudo

(empresas produtoras de cachaça selecionadas para apresentação de seus

casos)

Sujeitos da pesquisa

(praticantes estratégicos e discursivos das organizações)

Alfa o administrador, o gestor contábil/financeiro e o sucessor do

fundador na gestão

Beta o proprietário e o gerente de produção

Gama o proprietário Fonte: Dados da pesquisa (2014, 2016).

Em cada caso selecionado foi realizada, primeiramente, uma descrição do contexto histórico da organização, evidenciando os principais elementos (conjunto de experiências, lógicas institucionais e discursos) que direcionam as ações dos praticantes da estratégia. Na sequência, foram analisadas, por meio dos discursos produzidos, as práticas estratégicas de produção e comercialização das cachaçarias e as lógicas institucionais norteadoras dessas práticas. Em cada caso, estudamos um grupo de praticantes. Portanto, nosso corpus de análise, como um todo, envolveu as anotações de campo, as entrevistas com os produtores de cachaça, as entrevistas com os diretores das Associações e as publicações do jornal da AMPAQ “Cachaça com Notícias” (no período de 2013 a 2016). Com base nesse corpus, definimos as principais práticas estratégicas, as principais lógicas institucionais e as práticas discursivas e sociais dos agentes do campo, bem como os discursos ideológicos e hegemônicos.

Tomando como referência principal a tipologia das lógicas institucionais elaborada por Thornton, Ocasio, Lounsbury (2012), e considerando os achados da pesquisa de campo com os produtores e associações e a análise do discurso das publicações do jornal da AMPAQ, delimitamos as lógicas institucionais que observamos no campo das organizações produtoras de cachaça artesanal. Dentre os sete tipos ideais de ordens institucionais definidos por Thornton, Ocasio,

Lounsbury (2012), identificamos, nos nossos estudos, as lógicas de mercado,

profissão, Estado, comunidade e família, que são aqui apresentadas e

discutidas a partir das práticas estratégicas da Beta, da Alfa e da Gama, delineadas por meio dos discursos produzidos por seus praticantes.

Para apreender as práticas estratégicas e os discursos, debruçamo-nos sobre a perspectiva da ACD, assumindo o discurso como uma prática e considerando que esse se estrutura em texto, prática discursiva e prática social como propõe Fairclough (2001). Para tanto, selecionamos os turnos discursivos mais significativos das entrevistas para proceder às análises e apreender os principais efeitos de sentido produzidos. Na dimensão do texto, foram analisados os elementos gramaticais, os estilos de linguagem e a coesão dos argumentos emitidos pelos praticantes. Na dimensão das práticas discursivas, foram percebidas as identidades discursivas dos praticantes da estratégia (quem discursa, o que discursa, para que público, com que estruturas argumentativas, em qual contexto e quais efeitos de sentido pretendido), bem como os repertórios discursivos utilizados. Na dimensão da prática social, foram identificadas as dissonâncias entre a ação e a linguagem, verificando, em cada trecho selecionado, como o discurso formata ideologias e hegemonias no campo, validando as lógicas institucionais que orientam as práticas estratégicas.

Nesse sentido, demarcamos como estratégia, o conjunto de práticas de produção (plantio de cana, colheita, moagem, fermentação, destilação, armazenamento) e comercialização de cachaça (promoção do produto no mercado), considerando que essas são imbuídas de lógicas institucionais e discursos ideológicos e hegemônicos da prática. A partir dessas definições, juntamos as orientações teórico-metodológicas da SAP, da LI e a da ACD para empreender uma análise condensada. Juntas, essas perspectivas permitiram compreender a relação dialética entre ação, estrutura e contexto, bem como o ordenamento das lógicas e amoldamento ideológico e hegemônico das práticas

estratégicas e discursivas que permeiam a realidade organizacional das cachaçarias artesanais de Minas Gerais.

Em nossa análise, consideramos que a prática é um tipo de comportamento, de forma de ação em um contexto situado historicamente e em interconectividade com outros elementos (RECKWITZ, 2002), tais como as lógicas e os discursos do campo. Assim, a prática (estratégica e/ou discursiva) é influenciada pela compreensão e ação dos praticantes individuais ou coletivos, pela estrutura micro e macrossocial que a envolve e pelo contexto político, econômico, social, institucional, ambiental e discursivo. Essa dinâmica interativa entre ação, estrutura e contexto é permeada por um conjunto de lógicas institucionais que orientam as práticas e práxis, compondo discursos e práticas discursivas que denotam ideologias e hegemonias dominantes no campo organizacional da cachaça de alambique. De posse dessa compreensão, apresentamos, na sequência, as lógicas institucionais identificadas no campo da cachaça de alambique e os casos dos alambiques, suas respectivas trajetórias e práticas de produção e comercialização de cachaça.

4 AS LÓGICAS INSTITUCIONAIS DO CAMPO, AS PRÁTICAS E OS

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