Os dados dessa pesquisa foram coletados por meio de três oficinas (três encontros) das quais participaram 67 mulheres, comparecendo na primeira oficina 30 mulheres, na segunda, 28 e na terceira, 41. Apenas sete estiveram presentes nas três e 19 compareceram em duas oficinas.
Apesar dos esforços da equipe em realizar ligações telefônicas e entregar convites em mãos, aproveitando a ocasião das visitas domiciliares, para cada uma das mulheres atendidas na primeira oficina, não foi possível assegurar a participação do mesmo público nos três encontros, em razão das peculiaridades do grupo, que estão detalhadas no item 6.1.
As oficinas são caracterizadas pela sua proposta de aprendizagem compartilhada. A pesquisadora deste estudo desempenhou função de moderadora durante a oficina. Cabe ao moderador (coordenador ou facilitador) de oficina acolher os participantes de forma a construir um ambiente que proporcione a comunicação, a confiabilidade, que seja tranquilo e favorável à exposição de ideias, e dessa forma é possível facilitar a abordagem de temas que são carregados de preconceitos, como a sexualidade (Ferraz, 2011; Villela, 1996).
Não duvidar do que é dito durante as atividades e não desqualificar a fala de nenhuma participante estimula o diálogo e faz com que as mulheres se sintam à vontade para perguntar e falar sobre as suas dificuldades e experiências. Dessa forma a oficina atinge o seu objetivo, a construção coletiva do conhecimento (Villela, 1996).
Segundo Vera Paiva (2000), em seu livro Fazendo Arte com a Camisinha, a discussão em grupo valoriza o “nós”, onde são discutidas as “nossas dificuldades”, o que torna mais leve a discussão sobre temas delicados, menos culpabilizadora, estimula o diálogo e a cooperação, evitando assim a provável postura de defesa e negação dos participantes diante da temática de prevenção das DST/HIV/Aids.
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focado na tentativa de mudar o comportamento dos indivíduos “como massinha de modelar”, mas que se deve fomentar a explicitação do sujeito sexual, que ela define como “a dimensão do sujeito que regula vida sexual, em oposição em ser objeto dos desejos e scripts sexuais de outros” (Paiva, 2000, p.51).
Diante dessa perspectiva, foram traçados alguns objetivos para o desenvolvimento das oficinas de intervenção educativa em saúde:
sensibilização das mulheres para a prevenção das DST/Aids, da promoção da saúde e para o autocuidado;
aumento da autopercepção de vulnerabilidade diante das DST/Aids (capacidade de identificar situações de risco para poder aumentar sua proteção contra essas doenças);
socialização de ideias e troca de experiências durante as atividades;
estímulo da capacidade de desenvolver relações conscientes e negociadas para a atividade sexual;
estímulo à prática de sexo seguro e protegido;
ensino dos caminhos de acesso aos insumos de prevenção das DST/HIV/Aids e estimular que as mulheres acessem os serviços para garantir atendimento de saúde nos serviços especializados, acesso à testagem de HIV, aconselhamento, consultas e informações.
As duas primeiras oficinas foram realizadas na forma de intervenção educativa em saúde e a terceira na forma avaliativa, conforme esquema abaixo (Figura 1).
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Figura 1 – Esquema de encontros e oficinas
No primeiro encontro utilizou-se a Proposta Triangular do Ensino da Arte de Ana Mae Barbosa. Essa proposta busca desenvolver uma educação crítica do conhecimento construído pela própria comunidade, com a mediação do educador acerca de um mundo que é visual. Por ser muito flexível, essa proposta permite explorar ou interpretar qualquer conteúdo (Barbosa, 1998).
A Proposta Triangular de Ensino da Arte desenvolvida por Barbosa (1998) consiste em três etapas interligadas: o fazer artístico, a leitura da imagem (obra de arte) e a história da arte (reflexão crítica). Essa proposta foi utilizada no Museu de Arte Contemporânea (MAC), da Universidade São Paulo e nas escolas da rede municipal de ensino de São Paulo entre 1989 e 1992.
A Proposta Triangular não é uma metodologia de ensino, e sim uma abordagem que propõe um modo de aprender. Não é um modelo engessado e metódico a ser seguido. Essa abordagem pode ser utilizada em todos os campos do conhecimento e suas etapas não seguem uma ordem pré- determinada. O processo pode ser feito em diferentes caminhos, ir e voltar no percurso das etapas, principalmente se considerarmos que a reflexão
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está implícita em cada uma delas (Barbosa, 1998). Na oficina realizada para esta pesquisa, pudemos visualizar as etapas da seguinte forma: ver a imagem / refletir / fazer / refletir / contextualizar / refletir.
Para a etapa da leitura de obra de arte, foi eleita uma obra de Gustav Klimt.
Figura 2 – Gustav Klimt.
Fonte: ww.elpais.cr/frontend/noticia_detalle/7/62940
Gustav Klimt (1862 – 1918) nasceu em Baumgarten, próximo a Viena. Seu pai, Ernst Klimt foi um cinzelador conhecedor de várias técnicas (Rogoyska; Bade, 2011). Klimt foi um artista simbolista austríaco, e ficou conhecido por sua visão sobre os aspectos da vida e da morte, da existência humana, carregada de simbolismo, cujas obras remetem ao sentido de “quebra de tabus”. Suas obras tratam da beleza, da sensualidade e do erotismo. O conteúdo de suas obras praticamente não faz referência aos eventos externos, ele esforçou-se para criar um mundo onde a beleza é dominante acima de todas as coisas (Rogoyska; Bade, 2011).
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Para a oficina foi selecionada a obra Danaë6, de 1907 (Figura 3),
tendo sido escolhida devido à riqueza de detalhes de ornamentação: tecidos, enfeites, figuras femininas, formas embrionárias e gametas. A obra tem como tema principal a mulher, a sensualidade e a fecundidade – aspectos propícios para a discussão que se pretendeu fomentar.
Figura 3 – Danaë, 1907. Gustav Klimt
Fonte: http://classicartblog.blogspot.com.br
O padrão das cores utilizado por Klimt foi profundamente influenciado pela arte japonesa, pela arte do antigo Egito e pela arte bizantina de Ravena. A perspectiva bidimensional de suas pinturas e o padrão frequentemente estilizado de suas imagens dão forma às obras
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Em decorrência do lapso temporal desde o falecimento do artista plástico Gustav Klimt (6 de fevereiro de 1918) a obra intitulada Danaë é considerada de domínio público, nos termos do Acordo Sobre Direitos Autorais (Sistema de Atos Internacionais, 1965) firmado entre Brasil e Áustria em 21 de dezembro de 1965 e da legislação brasileira (Lei n.º 9.610/98). Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, os direitos patrimoniais do artista perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao seu falecimento (art. 41 da Lei 9.610/98). Nos termos da legislação austríaca então vigente e do acordo firmado entre os dois países em 1965, a proteção vigorou por 57 anos, post mortem auctoris.
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impregnadas de sensualidade, onde a figura da mulher, acima de tudo, reina suprema (Rogoyska; Bade, 2011).
A segunda oficina - intervenção de educação em saúde – foi realizada com o apoio de materiais técnicos como vulva e modelo peniano de silicone e álbuns seriados, para discutir as funções e nomes científicos das partes íntimas do corpo do homem e da mulher.
Foram abordados temas em relação ao direito ao acesso aos serviços de saúde, acesso aos insumos de prevenção das DST/Aids e outras demandas de saúde, indicando a procura por serviços de saúde localizados no território.
As oficinas de Arte/Educação em saúde possibilitaram identificar os contextos de vulnerabilidade ao HIV e analisar de que forma estas oficinas possibilitaram esta expressão. A terceira oficina foi realizada no molde das primeiras, com o objetivo de discutir e avaliar o aprendizado durante as duas oficinas anteriores.
As oficinas foram filmadas, gravadas e as falas das mulheres transcritas, bem como produzidos outros materiais como fotos e relatórios. Todo o material produzido (incluindo a produção artística das mulheres) compôs o corpus de pesquisa.