2. O ARCABOUÇO TEÓRICO DA PESQUISA
2.6. Gênese da Gênese da Escola Técnica de Agricultura Familiar ETAF
2.6.1. Procedimentos Pedagógicos Adotados na ETAF
As ementas do curso de agricultura familiar foram montadas por meio de
encontros realizados entre os professores das ETEs – Escolas Técnicas Estaduais, que
implantaram o projeto e parceiros, no caso o corpo técnico do ITESP de Itapeva. As
ementas foram feitas dentro da realidade experienciada pelos profissionais que faziam
parte do grupo ficando muito parecida com o que já vem sendo trabalhada pelo Centro
Paula Souza nos cursos de Técnico em Agricultura, Técnico em Pecuária e Técnico em
Agropecuária, acreditando-se que era a necessidade de nossos futuros alunos. Ou seja,
estávamos impondo uma realidade nossa e não a do nosso público alvo. Estávamos
visualizando nossos alunos, mais uma vez, utilizando a visão “bancária” da educação, em
que o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (FREIRE,
1987)
Quando do início das aulas na ETAF Pedro Pomar, de posse das disciplinas a
serem trabalhadas e das ementas a serem seguidas, foi proposto uma atividade em que os
alunos deveriam desenhar sua propriedade no futuro a partir daquele dia do inicio de uma
formação técnica, em que também foi aplicado um questionário procurando saber o porquê
eles estavam ali, quais suas histórias, suas expectativas, anseios e o que eles gostariam de
aprender na Escola Técnica. A educação é um processo social que se realiza por meio das
próprias relações que o constituem, sendo estas: a relação entre educação e vida produtiva,
entendida especialmente na sua dimensão de produção das condições materiais da
existência humana; a relação entre formação humana e cultura; e a relação entre educação
e História (CALDART, 2004).
Baseados nos resultados das atividades propostas chegou-se a conclusão de que a
metodologia a ser utilizada nas atividades desenvolvidas seria a Teoria Problematizadora
de BORDENAVE (1998), que parte de uma análise da realidade da população, suas
experiências e identifica seus problemas, passando para a reflexão destes no que tange a
suas possíveis soluções e à viabilidade destas, retornando em seguida para esta mesma
realidade e aplicando o conhecimento científico somado às possíveis soluções dos
problemas, a fim de atuar para a promoção de mudanças na realidade dos envolvidos no
processo. A tarefa do educador é a de problematizar aos educandos o conteúdo que os
mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-los, de estendê-lo, entregá-los, como se se
tratasse de algo já feito, elaborado, terminado. (FREIRE, 1985)
BORDENAVE e PEREIRA (1998) afirma que pela sua essência, a educação não
tem uma metodologia única, nem técnicas fixas. É orientada por alguns princípios: a
percepção da realidade, o protagonismo do cliente e o trabalho em grupo. O que temos na
educação problematizadora é uma “trajetória pedagógica”, que pode ser representada
esquematicamente pelo arco proposto por Charles Maguerez:
Fonte: BORDENAVE e PEREIRA(1998)
Figura 25. Arco de Magueres
Pontos Chave
Teorização
Hipóteses
de
Solução
Aplicação da
Realidade
(Prática)
Observação da
realidade
(Problema)
REALIDADE
Nesse esquema constam cinco etapas que se desenvolvem a partir da realidade ou
um recorte da realidade: Observação da Realidade; Pontos-Chave; Teorização; Hipóteses
de Solução e Aplicação à Realidade (prática).
A primeira etapa é a Observação da Realidade social, concreta, pelos alunos,
individualmente ou em grupo, a partir de um tema ou unidade de estudo. Quando o homem
compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e
procurar soluções. (FREIRE, 1997). Os alunos são orientados a olhar atentamente e
registrar sistematizadamente o que perceberem sobre a parcela da realidade em que aquele
tema está sendo vivido ou acontecendo, podendo para isso serem dirigidos por questões
gerais que ajudem a focalizar e não fugir do tema. Tal observação permitirá aos alunos
identificar dificuldades, carências, discrepâncias, de várias ordens, que serão transformadas
em problemas, ou seja, serão problematizadas. Poderá ser eleito um desses problemas para
todo o grupo estudar ou então vários deles, distribuídos um para cada pequeno grupo. As
discussões entre os componentes do grupo e com o professor ajudarão na redação do
problema, como uma síntese desta etapa e que passará a ser a referência para todas as
outras etapas do estudo.
Para realizar as atividades da segunda etapa que é a dos Pontos-Chaves, os alunos
são levados a refletir primeiramente sobre as possíveis causas da existência do problema
em estudo. Neste momento os alunos, com as informações que dispõem, passam a perceber
que os problemas de ordem social são complexos e geralmente multideterminados.
Continuando as reflexões, deverão se perguntar sobre os possíveis determinantes maiores
do problema, que abrangem as próprias causas já identificadas. Ensinar, aprender e
pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se
aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento
ainda não existente. (FREIRE, 1996)
Tal complexidade sugere um estudo mais atento, mais criterioso, mais crítico e
mais abrangente do problema, em busca de sua solução. A partir dessa análise reflexiva, os
alunos são estimulados a uma nova síntese: a da elaboração dos pontos essenciais que
deverão ser estudados sobre o problema, para compreendê-lo mais profundamente e
encontrar formas de interferir na realidade para solucioná-lo ou desencadear passos nessa
direção. Podem ser listados alguns tópicos a estudar, perguntas a responder ou outras
formas. Esses pontos-chave são entendidos como as variáveis mais determinantes da
situação; aqueles que, se modificados, modificariam a realidade observada, podendo então
resultar na solução do problema apontado. (BORDENAVE e PEREIRA, 1998).
A terceira etapa é a da teorização. É a etapa do estudo, da investigação
propriamente dita. Os alunos se organizam coletivamente para buscar as informações que
necessitam sobre o problema. Organização remete ao ato ou ao processo de organizar-se
em vista de realizar coletivamente uma determinada ação; mas também pode se referir à
coletividade produzida através das ações organizadas. (CALDART, 2004) Recorrem a
leituras (livros, revistas, jornais), pesquisas e estudos, consulta a especialistas, assistir a
palestras, ou seja, o que a ciência pode dar para o esclarecimento do assunto.
As informações obtidas são tratadas, analisadas e avaliadas quanto a suas
contribuições para resolver o problema. Tudo isto é registrado, possibilitando algumas
conclusões, que permitirão o desenvolvimento da etapa seguinte.
Na teorização, o público alvo obtém o entendimento do problema, tanto em suas
manifestações empíricas ou situacionais, como também em seus princípios teóricos
explicativos (BORDENAVE e PEREIRA, 1998).
A quarta etapa é a das hipóteses de solução. Todo o estudo realizado deverá
fornecer elementos para os alunos, crítica e criativamente, elaborarem as possíveis
soluções. O que precisa acontecer para que o problema seja solucionado? O que precisa ser
providenciado? O que pode realmente ser feito?
Nesta metodologia, as hipóteses são construídas após o estudo, como fruto da
compreensão profunda que se obteve sobre o problema, investigando-o de todos os ângulos
possíveis.
Após analisar a viabilidade das hipóteses, os alunos vão construindo novos
conhecimentos aplicados à realidade, fazendo exercícios, aprendendo a generalizar para a
utilização em diferentes situações, bem como a discriminar as circunstâncias possíveis ou
convenientes para aplicação da solução escolhida. A quinta e última etapa é a da Aplicação
à Realidade. Esta etapa da Metodologia da Problematização ultrapassa o exercício
intelectual, pois as decisões tomadas deverão ser executadas ou encaminhadas. Nesse
momento, o componente social e político está mais presente. A prática que corresponde a
esta etapa implica num compromisso dos alunos com o seu meio.
Completa-se assim o Arco de Maguerez, com o sentido especial de levar os alunos
a exercitarem a cadeia dialética de ação - reflexão - ação, ou dito de outra maneira, a
relação prática - teoria - prática, tendo como ponto de partida e de chegada do processo de
ensino e aprendizagem, a realidade social. A reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando “blábláblá” e a
prática, ativismo. (FREIRE, 1996)
Outro método utilizado na Escola e o Ciclo de Aprendizagem Experiencial que é
um instrumento para análise reflexiva partindo de uma experiência vivenciada pelo jovem
ou pelo grupo. Sua principal característica é constextualizar os conceitos desenvolvidos
pelos alunos com a sua realidade. O Ciclo de Aprendizado Experiencial é apresentado
abaixo:
Fonte: Adaptado de Chaves (2000).
Figura 26 – Esquematização do Ciclo de Aprendizagem Experiêncial
Cada etapa pode ser entendida da seguinte maneira:
Experienciar: Esta é a primeira etapa do ciclo. É o momento onde ocorre a geração de
informações e a coleta de dados individuais através de atividades que possam evidenciar
pensamentos, sentimentos, sensações, vontades ou ações para observação e posterior
análise reflexiva.
Colocar em comum: nesse momento a pessoa passa para o grupo os dados cognitivos,
comportamentais e afetivos, que a experiência lhe proporciona.
Processar: as informações produzidas são analisadas e apreciadas os modelos, lições e
interações compartilhadas no processo anterior.
Generalizar: nesse momento extrapola-se a atividade fazendo a relação entre a experiência
vivenciada na atividade e a realidade, levantando-se hipóteses e abstrações da vida
cotidiana.
Aplicar à realidade: é o momento de criar mecanismos de mudanças, ligando o
presente e o futuro, planejando de como podem ser aplicadas. Esse é o momento de
transferir o conhecimento produzido na atividade para a realidade, sem o qual não ocorrem
mudanças nesta.
Para efetivação do método de ensino e significativa aprendizagem é preciso que
os jovens tomem os conteúdos como problemas. O problema no âmbito prático ou teórico
caracteriza uma situação que envolve múltiplas possibilidades ou alternativas para a sua
solução. Este pede uma solução que envolva espírito crítico, reflexão, planejamento e
informação para que se possa solucioná-lo, ou seja, desenvolver as competências expressas
nos objetivos educacionais. Essa consciência da necessidade de aprender leva, então, à
disposição de estudar, no sentido de buscar conhecimento, mas também buscar
transformar-se enquanto pessoa, enquanto jeito de ser. (CALDART, 2004).
O jovem desde o primeiro dia de aula tem participação ativa nas decisões e
andamento da ETAF, opinando no componente curricular, sugerindo locais para atividades
práticas, montando grupos de apoio para a manutenção e limpeza do prédio da Escola, na
organização de eventos para arrecadação fundos para compra de material didático
(sementes, ferramentas, computadores, entre outros) para o melhor aproveitamento das
atividades práticas. O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática
docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão.
(FREIRE, 1996).
Figura 27. Alunos analisando experimento de produção vegetal
Figura 29. Coleta de solo para análise em propriedade de aluno – atividade prática
Figura 31. Curso sobre tratamento de madeira
Figura 33. Plantio de leguminosa para adubação verde em propriedade de aluno – atividade
prática
Figura 35. Curso de enxertia – atividade prática
Figura 37. Construção de estufa para produção de mudas – atividade prática
Figura 39. Semeadura de olerícolas em bandejas – atividade prática
Figura 41. Produção de banana orgânica - Visita técnica
Figura 43. Seminário de Agroecologia na COAPRI
Figura 45. Vacinação de bovinos em propriedade de aluno – atividade prática
Figura 47. Manejo de caprinos em propriedade de aluno – atividade prática
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Agricultura familiar e capacitação tecnica = perspectiva para uma nova geração
(páginas 130-147)