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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2. LINHA DE ALIMENTAÇÃO DO COMBUSTÍVEL

2.2.3. Processamento químico do combustível

Em comparação com outras tipologias de PaC, as de óxido sólido são caracterizadas por uma notável flexibilidade na escolha do combustível a utilizar [36]. Isso é devido ao fato que nas PaCOS pode reagir eletroquimicamente também o monóxido de carbono, gás produzido na maior parte das reações comumente utilizadas para converter hidrocarbonetos complexos em misturas gasosas de compostos que podem participar nas reações eletroquímicas. Outros tipos comuns de PaC, como a PaC de membrana polimérica, não toleram a presença do CO no combustível alimentado [1], sendo esse gás um veneno para o catalisador empregado. Ademais, em condições adequadas as PaCOS apresentam a possibilidade de funcionar reformando o combustível diretamente no interior do empilhamento, como já mencionado na seção 2.1.

Apesar da possibilidade de alimentar alguns hidrocarbonetos diretamente no empilhamento, na maior parte das aplicações práticas de sistemas PaCOS é aplicada alguma forma de processamento químico prévio do combustível. Isso é feito para introduzir nas pilhas compostos que possam reagir diretamente com os íons oxigênio, fato que garante o melhor desempenho das mesmas. De fato, quando todo o combustível é reformado internamente, podem surgir inconvenientes como a queda da tensão de circuito aberto e tensões térmicas ocasionadas pela absorção de calor pela reação endotérmica de reforma a vapor. As considerações expostas até agora levaram à idealização e à realização de sistemas PaCOS caracterizados para diferentes estratégias de processamento do combustível. As principais soluções objeto de pesquisa são listadas abaixo:

 Processamento externo

O combustível empregado, antes de entrar no empilhamento, é completamente convertido em uma mistura gasosa que contém principalmente H2, CO, H2O e CO2 (em alguns casos também O2 e N2). Como já mencionado, nesse caso os compostos combustíveis (CO e H2) podem participar diretamente das reações eletroquímicas [21]. Para essa solução é habitualmente empregado um reator de leito fixo, carregado com um catalisador apropriado e localizado a montante do empilhamento. Essa opção apresenta a vantagem de fornecer ao empilhamento um combustível de composição ótima, melhorando a eficiência das pilhas. Todavia, a presença de um reator adicional aumenta a complexidade e o custo do sistema, apesar do processamento requerido para as PaCOS ser bem mais simples do que aquele empregado em sistemas baseados em

pilhas a combustível de membrana polimérica (onde o envenenamento do catalisador causado pelo CO é um problema sério) [1]. Algumas das principais dificuldades na implementação eficiente dessa solução são a necessidade de acoplar termicamente o reator de processamento (que requer calor) com o empilhamento (que fornece calor) e o atraso no tempo de resposta do sistema introduzido pelas reações de conversão do combustível. O processamento externo pode ser aplicado utilizando várias reações (equações (4) - (7)), mas o reator deve ser projetado de acordo com a reação aplicada.

 Processamento externo parcial

A maioria dos protótipos existentes utiliza essa estratégia de processamento do combustível. As reações aplicadas podem ser as mesmas que no caso anterior, mas o reator externo é projetado fazendo com que apenas parte do fluxo reaja, enquanto o restante entra inalterado no empilhamento, onde a conversão é completada. Dessa forma, o reator externo pode ser menor e mais barato. Além disso, os problemas listados para o processamento externo são mitigados. Ao mesmo tempo, todavia, surgem alguns dos inconvenientes relacionados com o processo de reforma interna. O processamento externo parcial deriva então de um compromisso entre essas duas vias de processamento do combustível.

 Processamento interno

Nesse caso, cuja viabilidade é demonstrada na literatura [37], o combustível é alimentado diretamente ao empilhamento junto com uma corrente de vapor d’água e a conversão acontece completamente ao interior do empilhamento. Não existe um reator dedicado para reforma: as reações (3) e (4) acontecem nos compartimentos anódicos das pilhas. Como já mencionado, essa solução é viável desde que os materiais empregados para o anodo sejam eficazes catalizadores para a reação de reforma a vapor. Além disso, a temperatura de operação das PaCOS é suficientemente alta para a reação acontecer. Essa estratégia de operação apresenta vantagens importantes com respeito ao processamento externo: o sistema é mais simples e mais barato, enquanto a reação eletroquímica, exotérmica, é perfeitamente acoplada termicamente com a reação de reforma a vapor, endotérmica. Todavia, em alguns casos essa última característica pode provocar o resfriamento excessivo de algumas partes das PaCOS, particularmente na vizinhança da admissão do combustível, onde a maior parte do combustível é convertido através da reação de reforma a vapor e a baixa concentração de H2 e CO

inibe a oxidação eletroquímica. É possível que a diferença de temperatura entre as diferentes partes possa causar estresses mecânicos que danifiquem as PaC. Além disso, nessa condição parte da área útil das pilhas é dedicada à conversão do combustível, sendo indisponível pela produção elétrica. Nesse caso, é ainda necessário incluir no sistema uma fonte de vapor d’água.

 Utilização direta

Essa solução prevê que o combustível seja alimentado ao empilhamento sem nenhum processamento prévio nem adição de vapor d’água. Antes de chegar ao interior da matriz porosa do anodo, os hidrocarbonetos que chegam aos compartimentos anódicos podem ser quebrados por reações de pirólise em compostos mais simples, ou convertidos em hidrogênio e monóxido de carbono através das reações (4) ou (6), aproveitando do vapor d’água e do dióxido de carbono produzidos na oxidação eletroquímica, sem adição de vapor d’água do exterior do empilhamento (como verificado na literatura [38, 39]). O H2 e o CO produzidos podem reagir nos sítios ativos onde ocorre a reação eletroquímica. O processo global é ainda mais simples que o de reforma interna, não sendo necessária a alimentação de vapor. Todavia, a baixa concentração de água nos anodos pode não ser suficiente para evitar problemas de deposição de carbono sólido, com consequente desativação do material anódico. Os componentes do sistema que podem ser afetados pela formação de fuligem são as partes da linha de alimentação do combustível onde a temperatura é suficientemente alta para favorecer reações de pirólise do combustível, a tubulação de entrada de combustível no empilhamento e os compartimentos anódicos das pilhas. A pirólise pode ser favorecida também pelo contato entre o combustível e algumas substâncias, que agem como catalisadores, abaixando a temperatura na qual a formação de carbono sólido começa a ser relevante. Para evitar esse inconveniente, é preciso então empregar na produção do anodo materiais especiais, atualmente em fase de desenvolvimento [19, 20], que não favoreçam ou que impeçam o depósito de carbono.

Como mencionado anteriormente, na maior parte dos sistemas PaCOS é utilizada alguma forma de processamento do combustível previamente à alimentação do mesmo ao empilhamento. Geralmente, o processamento tem como objetivo converter os hidrocarbonetos, que compõem o combustível, em uma mistura gasosa formada principalmente por hidrogênio, monóxido de carbono, água e dióxido de carbono,

através de uma reação que envolve um fluxo de vapor, ar ou CO2. Na literatura [23 - 25, 40 - 46] são propostas várias reações, dentre as quais as mais importantes são:

 Reforma a vapor

A reação envolve o combustível e vapor, gerando uma mistura rica em hidrogênio e CO e pode ser escrita na forma genérica da reação (4). A reforma a vapor é a reação de conversão mais eficiente, mas tem um inconveniente relevante, ou seja, o fato que tal reação é fortemente endotérmica, requerendo consequentemente uma fonte de calor para manter o equilíbrio térmico do reator. Outro aspecto negativo é a necessidade de um gerador de vapor. Essas características complicam o projeto e a operação de sistemas de reforma a vapor. Os catalisadores utilizados para promover essa reação são variados, dependendo do hidrocarboneto processado [46]. Em muitos casos, concomitantemente à reação de reforma a vapor tenta-se promover também a reação (3) de deslocamento do vapor de água, com o objetivo de incrementar a porcentagem de hidrogênio no gás produzido. De fato, tal reação leva à conversão adicional de CO para H2. A reação de deslocamento do vapor d’água pode acontecer em um reator dedicado ou no mesmo onde procede a reforma a vapor. Nesse segundo caso, a composição do catalisador é escolhida de maneira a promover as duas reações ao mesmo tempo. Um benefício adicional da reação de deslocamento do vapor d’água é que ela é levemente exotérmica e pode assim fornecer parte do calor requerido pela reforma a vapor.

 Oxidação parcial

Nesse processo, um agente oxidante (usualmente ar) é misturado com o hidrocarboneto, para oxidar a CO o carbono contido no combustível. A reação genérica pode ser idealizada como na reação (5):

𝐶𝑖𝐻𝑗𝑂𝑘+ [0,5 ∙ (𝑖 − 𝑘)] 𝑂2+ [(3,76 2⁄ ) ∙ (𝑖 − 𝑘)] 𝑁2 → 𝑖 𝐶𝑂 + (𝑗 2⁄ ) 𝐻2+

+[(3,76 2⁄ ) ∙ (𝑖 − 𝑘)] 𝑁2 (5)

A reação é exotérmica no caso do metano (∆𝐻0 = −36 𝑘𝐽/𝑚𝑜𝑙) e levemente endotérmica no caso do etanol (∆𝐻0= 14 𝑘𝐽/𝑚𝑜𝑙). Claramente, a oxidação do hidrogênio para formar água está em competição com essa reação. Para obter uma elevada produção de hidrogênio é então necessário garantir alta seletividade da oxidação do carbono com respeito àquela do hidrogênio. Esse resultado pode ser obtido utilizando um catalisador adequado no reator de oxidação (oxidação parcial catalítica)

[41] ou confinando a reação em um meio poroso inerte (oxidação parcial térmica) [42]. O conteúdo em hidrogênio no gás produzido é notavelmente menor que no caso da reforma a vapor. Além disso, nesse processo podem surgir problemas de produção de carbono sólido no reator. Todavia, a oxidação parcial apresenta a vantagem de não necessitar fornecimento de grandes quantidades de energia e nem produção de vapor d’água. Isso garante maior simplicidade de construção e operação do reator [40]. Também nesse caso, a reação de deslocamento do vapor d’água é geralmente aplicada após a reação inicial.

 Reforma autotérmica

Esse processo resulta de uma combinação de reforma a vapor e oxidação parcial [25]. No mesmo reator, alimentado com hidrocarboneto, ar e vapor d’água em proporções adequadas, acontecem ao mesmo tempo as reações (4) e (5). Assim sendo, evita-se a necessidade de um complexo sistema de troca térmica entre a reação endotérmica de reforma e aquela exotérmica de oxidação, reduzindo ao mesmo tempo o risco de produção de fuligem próprio dos reatores de oxidação parcial. A eficiência do processo e a porcentagem de hidrogênio no gás produzido situam-se em níveis intermediários entre aqueles que caracterizam reforma a vapor e oxidação parcial.

 Reforma com dióxido de carbono

A reação aplicada (fortemente endotérmica e operada entre 700 e 1000 °C) prevê a combinação do hidrocarboneto com dióxido de carbono, com produção de CO e H2, de acordo com a reação (6):

𝐶𝑖𝐻𝑗𝑂𝑘+ (𝑖 − 𝑘) 𝐶𝑂2 → (2 𝑖 − 𝑘) 𝐶𝑂 + (𝑗 2⁄ ) 𝐻2

(6) O valor de ∆𝐻0 associado à reação (6) é 247 kJ/mol e 296,8 kJ/mol para metano e etanol respectivamente. Um problema na aplicação prática desse processo é que existem várias reações em competição com a reação (6), algumas das quais termodinamicamente favorecidas, que levam à recombinação do hidrogênio produzido, reformando hidrocarbonetos. Além disso, esse processo é dificultado pela tendência à formação de carbono sólido, que desativa rapidamente o catalisador [43].

 Decomposição do metano

Essa solução é objeto de pesquisa devido à possibilidade de produzir hidrogênio puro, tendo como único coproduto carbono em forma sólida, facilmente separável [44]. Essa característica é muito interessante na ótica da redução das emissões de gases de efeito estufa; de fato, as outras estratégias de processamento de combustível não permitem a separação de CO e CO2, ao menos de não utilizar complexos sistemas de sequestro e captura após o uso do combustível. Nesse caso, é aplicada a reação (7):

𝐶𝐻4 → 𝐶 + 2 𝐻2 ∆𝐻0 = 75,6 𝑘𝐽 𝑚𝑜𝑙⁄ (7) O gás produzido com a decomposição do metano (reação endotérmica) é formado quase unicamente de hidrogênio, apesar da quantidade total desse gás produzido no processo ser menor do que no caso da reforma a vapor combinada com a reação de deslocamento do vapor d’água. Outra característica positiva desse processo é que a energia requerida pela reação é inferior àquela absorvida pela reforma a vapor.

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