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Embora constatemos que grande parte das modificações caminham para a concisão, há também, na reescrita desses contos, várias adições. Uma das mais significativas se dá no conto “O relógio de ouro”, no qual, du-

rante a cena do jantar, o narrador traz um histórico (que não aparecia na versão do Jornal) sobre a vida de Luís Negreiros e faz um alerta sobre o passado maculado dele e a desconfiança com que o sogro o tratara (p.119). Nesse momento, somos informados de que Negreiros possuía um caráter duvidoso e fora um “leão impetuoso” noutros tempos.

Essa passagem é muito interessante, porque, apesar de parecer ir de encontro com o que afirmamos anteriormente (omissão do julgamento do narrador), a prosa é elaborada de tal maneira que essa informação comprometedora sobre Negreiros passa despercebida por nós leitores, e só durante a releitura percebemos o quanto fomos coniventes com a situação e confiamos cegamente em Luís Negreiros, mesmo tendo evidências de seu caráter infiel.

Acreditamos que esse trecho, apesar de trazer uma informação nova, não resolve os problemas de interpretação para o leitor nem deixa de exigir dele uma reflexão; ao contrário, serve para evidenciar ainda mais a nossa aderência ao discurso do narrador sem ao menos considerarmos as informações dadas por ele que possam ser contrárias às nossas expectativas.

Em “Aurora sem dia” há várias adições interessantes que ironizam ainda mais o caráter romanesco de Luís Tinoco. Como exemplo, podemos lembrar do trecho adicionado à segunda versão que nos informa sobre a limitação intelectual do poeta que, ao escrever um exemplar de cada gênero (ode, elegia, necrológio etc.), ia criando novos textos apenas modificando os primeiros (p.102).

Há também a adição do trecho em que o poeta apaixonado por sua Laura (que se chamava Inocência), ao ser vencido por um rival mais “conjugal”, publica no seu Caramanchão Literário uma “extensa e chorosa elegia” e, relendo os seus versos sem cessar, acaba até por esquecer a “perfídia que os inspirou”(p.106).

Na versão em livro ficamos sabendo também que Luís Tinoco não costumava fazer uma leitura cuidadosa; ele gostava é de frases feitas, sonoras. Tudo o que fosse “reflexão, observação, análise parecia-lhe árido, e ele corria depressa por elas” (p.108).

Há ainda a adição de um longo trecho repleto de clichês e ironia sobre a candidatura política de Tinoco (p.111-2) onde vemos o poeta delirante sobre o futuro grandioso que o esperava.

No processo de adição durante a reescrita do conto “Aurora sem dia”, podemos perceber, enfim, que o narrador torna-se menos complacente com Luís Tinoco e trata-o com mais dureza e severidade, além de procurar acentuar o caráter fútil e superficial de Tinoco.

Na carta XII do conto “Ponto de vista”, temos a adição de um trecho que explicita ainda mais o caráter romântico e sonhador de Raquel que

vive mais “em cinco minutos de solidão do que em vinte horas de bulí- cio”(p.131).

Há também a adição de uma nova informação e ficamos sabendo da conversa que Raquel teve com Alberto sobre a felicidade dos recém-casados (Mariquinhas e o pai de Alberto, ela demonstrando mais felicidade do que ele), e a completa inversão das “leis naturais” que se configurava nesse caso (p.131).

Na carta seguinte, Luísa acrescenta, na segunda versão, a observação de que a amiga está mais romanesca, com a cabeça cheia de caraminholas e faz a seguinte advertência: “não confunda o romance com a vida, ou viverá desgraçada” (p.132).

Por que será que a advertência de Luísa não aparece na primeira versão do conto publicada no Jornal? Podemos pensar na hipótese de que esse “sermão” não combinava com o perfil das leitoras acostumadas com roman-

ces românticos ou que seria uma “lição” dispensável, algo que não fazia parte do que as leitoras gostariam de reconhecer nos seus momentos de lazer.

Em “Ernesto de tal”, no capítulo V, quando os dois rivais estão conver- sando, há a adição de um trecho em que o moço de nariz comprido reflete mais se deveria acreditar tão cegamente em Ernesto e julgar a moça tão precipitadamente. Várias provas são necessárias (como a carta, a descrição dos gestos etc.) para ele, finalmente, acreditar que havia sido enganado (p.89-90).

Na primeira versão, a relação de ambos se torna mais amistosa, já que o próprio guarda-livros dá o braço a Ernesto para ir ao Passeio Público. O desfecho da situação é muito mais rápido e imediato, não há muitas reflexões nem dúvidas, como acontece na versão em livro, na qual o rapaz de nariz comprido demora mais a acreditar em Ernesto.

Do mesmo modo, no desfecho do conto (p.94-95), quando Ernesto volta à casa de Rosina e ela pede-lhe perdão, confessando ter escrito a carta ao rival (mas por culpa de Ernesto), há uma adição interessante. Na primeira versão, Ernesto logo acredita na moça e considera-se culpado. Na versão em livro, Ernesto ainda desconfia um pouco de Rosina e a faz sofrer por um instante antes de aceitá-la novamente.

O narrador também descreve o raciocínio tolo de Ernesto ao explicar o porquê de ele acreditar na moça e perdoá-la. Assim ficamos sabendo que Ernesto conclui que, como não houve negação sobre as cartas por parte da moça, ela só poderia estar sendo sincera. Há ainda a adição de detalhes sobre o casamento dos dois, como a igreja em que foi celebrado e o estado de espírito dos noivos.

sos quanto os excluídos, mas alguns são tão significativos quanto aqueles e também ilustram o trabalho de reescrita empreendido pelo autor.

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