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Processo, avaliação qualitativa e recomendações

Todas as intervenções gregas foram planificadas e conduzidas com base numa estrutura comum que foi especialmente desenvolvida pela EAVN: 14 atividades autobiográficas foram desenhadas com objetivos específicos por atividade e com o objetivo geral de empoderar as mulheres abusadas que participaram nas sessões de aconselhamento; foi desenvolvido um Guia detalhado para as conselheiras onde se descrevia, para cada uma das atividades autobiográficas propostas, o objetivo, a duração estimada, materiais (quando necessários) e o processo passo a passo; também foram incluídas instruções integrais para facilitar a implementação a conselheiros/as mais inexperientes, dicas importantes (onde necessárias) assim como as respetivas instruções (fornecidas pelas especialistas da LUA e desenvolvidqs na base daquelas); também foram incluídos os questionários e o processo de avaliação foi descrito em detalhe, juntamente com instruções específicas. Com a contribuição dos operadores gregos, o 1º esboço do Guia de

Como Usar as Atividades Autobiográficas em Aconselhamento para Mulheres Abusadas foi revisto na base da experiência e resultados obtidos durante a

fase de “Aprendizagem em Contexto de Trabalho” e finalizado depois do fim da fase de implementação.

Apesar de o processo das atividades ter sido estruturado, cada conselheira teve a flexibilidade de selecionar as atividades que considerou mais úteis e/ou apropriadas para uma determinada mulher ou grupo, assim como desenhar

horários individualizados para as sessões e modificá-los quando necessário, de acordo com as necessidades das mulheres.

A implementação foi supervisionada de perto, diariamente, pela EAVN, através dos diários das conselheiras que eram completados depois de cada sessão; as conselheiras estavam também ligadas às supervisoras da autobiografia sempre que uma situação imprevista surgia.

No que diz respeito à avaliação subjetiva das mulheres abusadas, a opinião das conselheiras e a nossa própria impressão (formulada tendo por base os comentários das mulheres abusadas durante as intervenções e respostas às perguntas abertas dos questionários finais, e dos comentários das operadoras nos seus diários), a intervenção autobiográfica parece ser bastante útil como meio de apoio e fortalecimento das mulheres abusadas; mais especificamente, as atividades autobiográficas podem conduzir a mulher abusada a desconstruir a imagem do agressor que ela tinha interiorizado e, ao mesmo tempo, voltar a ter uma imagem realista de si mesma e das suas forças, assim como do seu sistema de apoio (interno e social); isto, por sua vez, pode ter um impacto positivo na sua autoimagem e autoestima e empoderá-la. Por outras palavras, o objetivo principal da intervenção autobiográfica, tal como foi desenhado e implementado na Grécia, foi alcançado.

Para o descrever brevemente, o principal objetivo foi criar as sugestões de memória apropriadas que pudessem levar as mulheres a recordar as suas características pessoais que foram incluídas no seu esquema próprio3, nos períodos antes e durante o tempo da violência; isto foi feito com base no pressuposto de que a comparação dos dois esquemas expectáveis tornaria óbvio para ela a reconstrução distorcida que o seu esquema próprio tinha

3 Esquemas Cognitivos (Bartlett, 1923; Neisser, 1967) são representações cognitivas que são criadas e modificadas pela experiência da pessoa, que influencia a forma como percebe, interpreta, organiza, processa e lembra a informação. Tal como temos esquemas para objetos, eventos e outras pessoas, também temos esquemas sobre nós próprios/as (Libby & Eibach, 2007). O nosso esquema próprio, nomeadamente a forma como nos percebemos, pode influenciar o conteúdos da nossa memória autobiográfica, definindo qual a informação que codificamos e qual a que recordamos a nós próprios e a nossa própria história. Noutras palavras, as nossas recordações podem ser distorcidas mas a distorção é sempre no sentido que torna os factos consistentes com o nosso auto-esquema.

sofrido devido ao efeito do abusador sobre ela; mais ainda, esta conclusão juntamente com as atividades autobiográficas adicionais pretenderam guiá-la em direção à reconstrução do seu esquema próprio outra vez, mas desta vez a favor dela. Foi, de facto, impressionante o número e variedade de coisas muito importantes que as mulheres “tinham esquecido” e de que “de repente” se lembraram durante – ou imediatamente depois – das atividades autobiográficas: traços pessoais importantes, capacidades e experiência profissional passada, acontecimentos importantes e pessoas que as apoiavam. Esta observação combinada com as decisões importantes da vida que muitas delas tomaram durante ou depois da intervenção são indicadores claros de que o principal objetivo foi alcançado: através das atividades autobiográficas, cada mulher conseguiu reconstruir o seu esquema próprio a favor dela mesma, não contra.

A principal recomendação que pode ser dada, tendo como base a experiência grega, é que quando se desenharem intervenções similares para mulheres abusadas é de grande importância ter em conta a sua situação específica de modo a que a intervenção desenhada seja capaz de ir ao encontro das suas necessidades. Flexibilidade deverá estar presente em cada aspeto devido a muitas razões, algumas das quais são mencionadas em baixo.

Para a maioria das mulheres abusadas é muito difícil – se não impossível – seguir um horário semanal ou quinzenal de sessões, por razões descritas em cima; a intervenção deverá ser flexível em termos de moldura temporal de frequência das sessões, se não as mulheres não serão capazes de completar a intervenção.

Para algumas mulheres, é importante poderem escolher se irão participar em intervenção de grupo ou individual, devido à sua preferência pessoal ou a outras razões; por exemplo, em pequenas cidades (sociedades fechadas) há uma grande resistência das mulheres em participarem em intervenção de grupo com medo que que a confidencialidade não seja preservada; as mulheres que continuam a viver com o abusador podem ter medo pela sua

segurança, no caso de ele ser informado das visitas delas ao Centro de Aconselhamento.

A maioria das mulheres abusadas enfrentam a grande dificuldade de falar por elas próprias e/ou recordar a informação exigida pelas atividades, especialmente no começo da intervenção autobiográfica. Deste modo, a conselheira precisa de estar alerta e pronta a inventar diferentes maneiras de motivar cada uma das mulheres a continuar a tarefa, enquanto outras vezes ela pode precisar de mudar a tarefa para ir ao encontro das necessidades correntes das mulheres.

Bibliography

Bartlett, F. C. (1932). Remembering: A study in experimental and social

psychology. Cambridge,UK: Cambridge University Press.

Libby, L.K., & Eibach, R.P. (2007). How the self affects and reflects the content

and subjective experience of autobiographical memory. In C.

Sedikides & S.J. Spencer (Eds.), The self (pp. 75 – 91). New York: Psychology Press.

Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century- Crofts.

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