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2. ENTRELAÇAMENTO: DANÇA E TEATRO, ARTE E

2.3 O Que Permanece no Corpo?

2.3.1 Processo Criativo: Impressões

Nesta parte do trabalho, destaco a participação na Residência Artística em dança, a qual se caracteriza como sendo a segunda parte da pesquisa. A residência apresentava como propósito a formação de professores, bailarinos e coreógrafos. Seu desenvolvimento se deu a partir de um processo metodológico, o qual relacionou técnicas de dança com exercícios de teatro.

As marcas deixadas no mundo e as marcas que o mundo deixa no corpo. A proposta do curso estava em trabalhar com as memórias e as marcas que o corpo traz em si. Assim, o corpo67 é o núcleo do trabalho em dança, o que envolve um processo de estar consciente em relação a todas as ações e as atividades, isso vai desde a respiração, o alongamento, o caminhar até os movimentos e as composições em dança.

Compreende-se, nesse processo, que tudo passa pelo corpo em um estado vivo. Ele está posto como um volume68 em constante transformação, para isso ancorar-se em bases orgânicas para se conhecer, as quais são suas impressões, que traz da existência suas experiências sensoriais. O volume envolve a percepção do esquema corporal, o qual revela a forma, a amplitude da expressividade de um ator-dançarino.

Ao realizar um giro e uma queda há uma qualidade de apoio interno69 que gerencia esta ação. Isso significa dizer que existe uma escuta70 no corpo, que decide a ação e a forma de realizá-la. Inicialmente, observa-se o volume interno em relação a seu próprio centro, dessa forma, a qualidade do apoio corporal, passa a ser compreendido como uma potência interna, a qual permitirá propor uma giro ou um movimento, que pode ser coordenado; contudo, primeiramente é preciso se conhecer e estar vivo.

Nesse processo de formação, o corpo se compreende como um volume, um campo de vibração, e desta forma está em relação a uma musicalidade. Esta musicalidade envolve os elementos sonoros e o próprio

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Residência Artística: “Processos de Criação da Companhie L’Estampe”. Ministrado pela bailarina e coreógrafa Nathalie Pubellier (Paris/França) - Seminário Internacional de Dança Contemporânea, 25/05/2009 a 30/05/2009. Múltipla Dança, Tubo de Ensaio e UDESC/CEART.

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“A descrição do corpo em situação prevalece sobre qualquer outra consideração de sentido ou de função” (GIL, 2004, p. 55).

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No plano do movimento, o corpo é um volume homogêneo, autônomo. Não é formado por vários elementos justapostos – músculos, ossos, articulação, aponeuroses, inervação – mas por um único elemento que se diferencia. [...] O corpo forma, assim, um volume dinâmico que encontra seu equilíbrio em sua própria organização (BÉZIERS; PIRET, 1992, p. 1992).

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“Quando trabalhamos o corpo é que percebemos melhor esses pequenos espaços internos, que passam a se manifestar por meio da dilatação. Só então esses espaços respiram [...] O primeiro passo em direção a uma maior harmonia interna é deixar o ar penetrar fundo em nosso corpo” (KLAUSS, 2008, p.70).

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ritmo que flui do corpo. Sendo assim, o dançarino descobre a importância do ritmo para o espectador, aspecto enfatizado por Laban (1978), ao destacar que cada ser tem seu ritmo e este é pessoal, o qual irá auxiliar e caracterizar a dança; no entanto, é necessário conhecê-lo enquanto suas variações.

Ao escutar sua musicalidade, o corpo escuta a duração de seus movimentos. Assim, quando o dançarino realiza uma frase de movimentos, que pode ser definida por uma sequência de movimentos71, na qual o corpo realiza as pontuações, as pausas, o silêncio, torna sua informação dançada clara, cria variações em relação à música, age contra, a favor. Desta maneira, ele encontra sua independência e não depende mais da música, dança em si mesmo.

Nesse contexto de ensino-aprendizagem, as bases de trabalho do corpo não buscam a virtuose, nem o desenvolvimento puramente técnico. Mas estava voltado para um processo criativo, o qual enfatiza o valor e a qualidade corporal de forma pessoal. A técnica não é tão importante no trabalho criativo, mas leva em consideração o respeito pela disponibilidade corporal.

A proposta foi esquecer um pouco a técnica e brincar, soltar, deixar o corpo trabalhar em coisas que ele se inspirava. Encarnar o espaço por meio do volume interno e encontrar diversas formas de orientação no espaço. Desta forma, busca-se encontrar um espaço junto ao outro, observar os níveis de proximidade e de distanciamento e nesse processo desenvolver a capacidade de vibra no espaço em coletivo e, então, localizar nessa relação uma freqüência, pela qual se estabelece uma comunicação, onde um pequeno gesto do olhar envolve todo um esquema corporal e revela uma situação por inteiro.

Na dança tem-se a possibilidade de buscar o prazer, a liberdade72 em um processo criativo para, assim, se desprender das limitações físicas e mentais. A imposição e as limitações são tomadas como elementos a serem trabalhados, no processo de formação corporal, o qual não está centrado no desenvolvimento físico, mas em realizar uma dança das sensações. Ao retomar as ações cotidianas e atribuir um verbo, identifica-se a sensação que flui desse ato e, então, localiza-se no corpo uma consciência intencional.

Cada ação remete a uma sensação corporal, no entanto não se foca a atenção nas ações, mas na consciência intencional e na fluência das sensações que transitam por ele gerando uma qualidade de movimento em todo do corpo. O corpo suprime as ações permanecendo somente um fluxo interno. Na sequência do processo imagina-se dentro de um aquário, com

71 LABAN, 1978.

72 “Só há escolha se a liberdade se compromete em sua decisão e põe a situação que ela escolhe

paredes onde se pode tocar, e a água tem uma qualidade substancial, uma temperatura e um volume, esses elementos invocam a memória sensorial.

Dentro dessa situação o corpo manifesta as sensações, gera outro material de qualidade diferente. Trabalha com qualidades mais interiores e menos a forma exterior e reencontra por meio de suas experiências as impressões que ele traz em si, enquanto possibilidade de dançar.

O corpo, ao desenvolver a dança das sensações, reencontra em si as impressões de um mundo vivido. Ele se disponibiliza para passar por caminhos desconhecidos e se reconhecer, retoma em si aberturas pelas quais as sensações transitam, compreende que as articulações são janelas e há a necessidade de abri-las para ampliar o fluxo das sensações e dos sentidos.

A dança das sensações está no gesto que traz a liberdade e o prazer vem da consciência dessas sensações que atravessam o corpo. À medida que o trabalho em torno das sensações vai se ampliando e tornando-se mais claro, um estado interior vai se constituindo. O estado interior das sensações dá sustentação e vida à dança, ele pode estar relacionado às emoções, aos sentimentos, ao clima.

É importante ter clareza do estado de sensação interior para si; para o outro não é importante saber com quais elementos se está trabalhando a criação, mas sentir a intensidade da dança. Cada dançarino cria sua dança por meio de suas vivências e das suas impressões do mundo, assim, o material dramatúrgico está no corpo, no seu processo de aprimoramento e de trabalho a partir da dança.

Desse modo, a dança das sensações, que pode ser definida por estados interiores, remete a uma reflexão sobre a síntese do corpo. No sentido em que ela apreende a estrutura de uma ação cotidiana, a qual é trazida para o espaço de criação, essa passa por um processo de redução as sensações e a consciência intencional, a qual irá se manifestar por meio dos microgestos corporais. Dentro desse contexto o gesto torna-se a manifestação da dança das sensações.

A experiência de realizar e observar a residência em dança trouxe outros elementos para pensar o entrelaçamento entre dança e teatro e aprofundamento em relação ao material teórico. Assim, identificaram-se outras possibilidades e ampliou-se a consciência em relação à estrutura artística e educativa com base no teatro e na dança.