• Nenhum resultado encontrado

Se alguém aplica a mente ao estudo da sabedoria, nunca encontra o fim, pois, quanto mais uma pessoa sabe, tanto melhor compreende que lhe restam mais para saber.

(JOÃO AMÓS COMÉNIUS) O presente referencial traduz a contribuição de Coménius sobre a necessidade da formação continuada que, a partir de temas de estudo, levam à reflexão profissional e pessoal e, em consequência, ao processo de autoformação.

A necessidade de autoformação constante na docência impede que o professor se acomode em seu projeto de formação e chama à atenção para a nossa incompletude, enquanto profissionais da educação. A formação obtida nos espaços formais representa a possibilidade de iniciarmos a caminhada pelo mundo educacional, necessitando completá-la, à medida em que os desafios escolares se inserem nas práticas diárias. Essas, relacionadas a todos os componentes curriculares, podem promover a autoreflexão docente, indicando segundo Gerber (2007, p. 117), que “sempre é possível aprender algo novo à medida em que

ensinamos. É o reconhecimento de uma atitude ética na medida em que se trata das relações com o outro”.

Zorzan (2009), em sua tese de doutorado, realizou estudos sobre autoformação nos sujeitos aprendentes (alunos), os quais, por meio da integração pessoal e social durante a busca pelo conhecimento, possibilitam ao sujeito aprendente ampliar sua consciência espiritual e social. Relacionamos esse processo de autoformação do sujeito aprendente ao professor.

O professor emerge em sua prática, sustentado em aspectos que, de acordo com Mendonça (2008), são teórico-práticos (originários dos cursos de formação); decorrem das exigências do projeto pedagógico da escola (currículo); e das singularidades pertinentes ao sujeito que está sempre em formação (professor e aluno). A “superação, a esperança de investimento na melhoria das aulas” (MENDONÇA, 2008, p. 108), dão características positivas ao surgimento de um bom professor em sua prática. Sendo assim, evidencia-se a possibilidade de que novas posturas docentes podem vir a se constituir, sendo que as mesmas revelam as competências pessoais e profissionais resultantes da reflexão sobre esses aspectos da prática (FERREIRA, 2009). É o que denominamos de “estar em formação constante” ou “autoformação”, de tal forma que os professores jamais se acomodem frente ao contexto, mas mediante suas competências reajam frente às possíveis adversidades, retomando seu lugar de dignidade na sociedade. Conforme Ferreira (2009, p. 73), “É vital que os professores comecem o processo de modificação, resgatando o seu papel frente à sociedade, sendo atuantes e competentes”.

Mosquera (2006) afirma que o processo de “estar em formação” deve se sustentar em discussões promotoras de um sentido pessoal para a construção do conhecimento, contribuindo com o rompimento de práticas que promovam a degradação da auto-estima dos envolvidos no processo. Conforme o autor:

Se perguntássemos a qualquer pessoa razoavelmente reflexiva que tipos de experiências poriam em risco sua auto-estima, provavelmente descreveria alguma combinação de fracasso em suas próprias ações e diminuição da estima que outras pessoas lhe dedicam (MOSQUERA, 2006, p. 105).

Impedir que o erro do aluno seja interpretado por ele como um fracasso pessoal, depende, em muito, da forma como o professor e sua experência docente

estabelecem o confronto entre o erro em questão e o próprio aluno. Para isso, a experiência do professor se torna um fator decisório.

Essa experiência, se estiver vinculada ao processo de autoformação, conforme as diretrizes desse referencial, e assentada em valores pessoais, trabalhará a referida relação erro/aluno de forma construtiva, e assim, poderá fortalecer sua auto-estima. É uma prática que, de acordo com Tardif (2007), revela saberes diferenciados do professor, pois articula os saberes adquiridos com as experiências de vida pessoal e profissional. Segundo ele, “uma parte importante da competência profissional dos professores tem raízes em sua história de vida” (TARDIF, 2009, p. 69) e isso proporciona um diferencial em sua carreira profissional, oportunizando através da autoformação, que ele se humanize e humanize suas intervenções.

Considerando que a carreira profissional exige uma discussão constante entre as normas e diretrizes institucionais e a subjetividade profissional, entendemos que a necessidade de autoformação se torna essencial. Diante disso, é importante que se tenha claro que o bom professor pode não “surgir” como bom professor, mas vir a se constituir como tal, o que exige novamente que valorizemos a intenção do profissional.

Cunha (2008) destaca a influência do cotidiano como fator mediador entre as raízes de sua história de vida, inseridas em sua atividade profissional e a construção dos seus saberes, sendo que esse cotidiano se torna uma “possibilidade potencial” (2005) e caracterizada pelas contradições típicas dos espaços sociais.

Ainda que seja comum identificar-se a presença dos processos regulatórios oriundos das políticas e práticas tradicionais, o professor, consciente ou não, junto com seus alunos resiste a se tornar objeto da ação que desenvolve. Nessa perspectiva dialética é que vale a pena apostar (CUNHA, 2005, p. 83).

Para isso o tempo é um aliado importante e, de acordo com Tardiff (2007, p. 109), as bases dos saberes docentes se constróem entre os três a cinco primeiros anos de trabalho, nos quais seus conhecimentos não repousam “sobre um repertório de conhecimentos unificado e coerente, mas sobre vários conhecimentos e sobre um saber-fazer que são mobilizados e utilizados em função dos contextos variáveis e contingentes da prática profissional”.

Frente a isso entendemos que os primeiros anos da docência são anos de desafios e conflitos, onde ações didáticas ineficazes podem estar presentes, mas, ao serem utilizadas como reflexões para a busca de novas alternativas por esses jovens professores, contribuem com a ampliação espiritual e social dos mesmos. Conforme Gerber (2007, p. 120) essa busca por novas alternativas deve ser conduzida pelo “cuidado que reconheça no outro, em suas diferenças e alteridade, a formação de uma nova ética, assumida como atitude, como maneira de ser”.

Yus (2002, p. 91) afirma que os seres humanos, através de seu “poder de refletir, de observar e de modificar seus encontros com o mundo”, podem fazer da experiência diária um caminho para a ampliação da sua consciência, bem como daqueles que o cercam. O professor que reflete sobre sua prática, ao buscar novos conhecimentos, legitima o processo de auto formação, uma vez que se depara com suas questões interiores e estabelece o encontro com sua intenção frente à responsabilidade de ensinar.

Defendemos, nesse ponto, as contribuições da educação holística que, através das convicções sobre a importância de experiências prático-reflexivas dos professores, sua criatividade e sua afetividade são estimuladas, o que possibilita a ampliação da consciência espiritual e social dos mesmos.

A dimensão espiritual do professor, diretamente relacionada aos objetivos da educação holística, contribui com uma abordagem educacional que objetiva a experiência interior do próprio professor, como também dos seus alunos, dando sentido ao currículo, uma vez que “os currículos baseados nessa abordagem incluirão em qualquer disciplina questões e interesses permanentemente humanos e significativos” (YUS, 2002, p. 122).

Necessário se faz relacionarmos os processos aqui discutidos com a aprendizagem efetiva. A humanidade e o significado do currículo como ponto alto da aprendizagem permitem que o padrão de qualidade do ensino sejam uma realidade na escola. Um padrão de qualidade, no entanto, sustentado no cumprimento do currículo adaptado ao aluno, diferentemente de padrões vinculados a práticas padronizadas, características pertinentes às negatividades da sociedade do conhecimento que, conforme Hargreaves (2004, p. 102), “afetaram em muito os professores e sua capacidade de preparar as crianças para a sociedade do conhecimento e também para além dela”.

Sendo assim, a autoformação que amplia a consciência espiritual dos sujeitos aprendentes, no nosso caso, do aprendiz professor, se destaca como uma característica forte no perfil do bom professor, porque se aproxima das questões intrínsecas que mobilizam este professor a rever sua prática no conjunto de alternativas para a solução dos problemas de sala de aula, trazendo contribuições muito importantes ao aluno e promovendo sua emancipação humana.

A ampliação da consciência espiritual e social do professor, por meio de sua autoformação, lhe dá condições de optar por metodologias sustentadas em concepções educativas que objetivem um ensino que transcenda o contexto escolar. Costa (2009), afirma que essas práticas são reveladoras de posturas docentes humanísticas e solidárias. A autora diz que, ao educarmos para a solidariedade, contribuímos para a transformação social, possibilitando a assunção da cidadania.

Diante de sua afirmativa, deduzimos que é necessário valorizar toda e qualquer prática docente que revele a solidariedade, uma vez que o professor, ao educar de acordo com essa perspectiva, possibilita aos discentes a descoberta da importância disso para sua própria vida e, consequentemente, para seu grupo social. Cria-se, dessa forma, uma consciência emancipatória e articulada com as propostas da sustentabilidade.

De acordo com Costa (2009) a educação que visa a solidariedade necessita de medidas estratégicas dos docentes, para melhor realizar seus objetivos educacionais, o que ocorre por meio da melhoria contínua de suas práticas, decorrentes do diálogo. De acordo com a autora, “Todo e qualquer trabalho pedagógico que se fundamente na luta em favor da vida e da solidariedade, não pode prescindir do diálogo” (COSTA, 2009, p. 137). Criam-se, portanto, mediante essas ações docentes, condições para o desenvolvimento da humanidade, promovendo uma emancipação humana comprometida com sua responsabilidade social.

Sendo assim, esse referencial de bom professor, que indica o reconhecimento de sua incompletude, compreendendo que “quanto mais se sabe, mais precisamos buscar”, e, diante disso, o leva a vivenciar processos de autoformação que tornam o professor mais humano, solidário e flexível em suas ações didáticas o que muito contribui com a função social da escola. É através dessa função que a sociedade sustentável poderá realmente se tornar uma realidade.

2.3 OS REFERENCIAIS DE BOM PROFESSOR E SUA INTERLOCUÇÃO COM

Documentos relacionados