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Processo de Re-socialização

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1. A discussão teórica sobre a conversão

1.2. Processo de Re-socialização

Um outro sentido para que se possa pensar a conversão é a re-socialização do indivíduo ao grupo alternativo de plausibilidade. Uma vez feito o processo de transição ou desconversão, onde o indivíduo abandona o seu antigo sistema de significados, ele passa agora por um processo inverso, o que implica na reorganização da sua estrutura individual dentro de outrem significante.

Este novo ambiente procurará re-socializar o converso dentro de outra estrutura normativa, para que não haja por parte dele uma tendência de deserção, convencendo-o a abandonar sua prática anterior. Neste sentido, a nova estrutura de plausibilidade ajuda no processo de desconversão do indivíduo.

(...) O que tem de ser legitimado não é somente a nova realidade, mas as etapas pelas quais é apropriada e mantida, e o abandono ou repúdio de todas as outras realidades

(BERGER e LUCKMANN, 1998:211).

Segundo Berger, o novo ambiente formador ou re-socializador do converso pode lhe causar estranheza justamente por ser desconhecido. Isto pode acarretar um possível entrave do converso, impossibilitando que outrem significante seja convincente, despertando naquele o apego a determinadas crenças ou valores que

supostamente abandonou. Ao assumir um outro grupo de referência, o converso não somente faz uma avaliação do seu passado, reinterpretando-o:

(...) A velha realidade, assim como as coletividades e os outros significativos que a mediatizavam para o indivíduo, deve ser reinterpretada dentro do aparelho legitimador da nova realidade. (BERGER e LUCKMANN, 1998:211).

Também o possibilita uma interpretação da estrutura alternativa de plausibilidade, questionando-a, levantando outros significados do ethos religioso (normas, valores, crenças) apresentado para ele como referência norteadora e que deverá ser seguida a partir daquele momento. Esse processo de interatividade entre convertido e novo grupo religioso é influenciado de diversas maneiras e por uma variedade de condições e circunstâncias. O processo de internalização da nova realidade vai depender muito dos diversos tipos de contato que os indivíduos estabelecerem com esse outrem significante.

A sistematização ou a re-socialização do converso é uma fase posterior incentivada pela organização religiosa. Podemos dizer que na ilusão das lideranças religiosas ou para quem é muçulmano nascido dentro da religião, o converso é aquele que elimina as tradições que carrega:

(...) O indivíduo que sofre a alternação estaria sem dúvida melhor se pudesse esquecer completamente alguns destes [acontecimentos e pessoas do passado]. Mas esquecer completamente é coisa sabidamente difícil. Por conseguinte, o que é necessário é uma radical reinterpretação do significado desses acontecimentos e pessoas passadas na biografia do individuo. (BERGER e LUCKMANN, 1998:212).

A re-socialização decorre da própria complexidade existente entre as relações travadas entre o convertido e o novo ambiente. Este outrem significante leva o converso a internalizar as funções que são específicas da nova estrutura, de forma a incorporar uma visão de mundo que o mantenha ajustado às normas do ambiente alternativo e ter um comportamento adequado e permitido nas outras determinações concretas que definem suas relações sociais, como o trabalho, a família, a vida social. Outro aspecto a ser salientado é que a interação converso - novo ambiente é dinâmica, permitindo que não haja apenas uma dimensão única de re-socialização, numa dimensão unilateral.

Em nosso estudo sobre a conversão ao Islã percebemos que, a Jumma, ou oração coletiva da sexta-feira, pode provocar no neófito uma possibilidade de socialização, oferecendo condições para que tenha experiências compartilhadas por outros membros da comunidade. A participação em algum evento, aula, culto, grupo de amigos da mesma religião, são importantes forças socializadoras e que reforçam aspectos da tradição religiosa, mas podem fazer com que o converso interprete de forma convincente para si esses espaços socializadores, procurando regular, ajustar sua nova vida religiosa com a social. Se ele procura ajustar-se aos padrões que lhe são transmitidos socialmente, através da adoção de novos modos de comportamento, possivelmente esses padrões religiosos serão adaptados ou não à maneira do indivíduo, possivelmente interpretando, manobrando aqueles aspectos da tradição que mais lhe convêm.

A discussão sobre conversão religiosa tem sido também trabalhada por Carozzi e Frigério (1997) em um estudo sobre a conversão às religiões afro- brasileiras. Verificamos que a análise feita por esses autores remete sempre a relação estabelecida entre os convertidos e o grupo a que pertencem, atentando para os diversos momentos dessa relação. Para os autores, conversão:

(...) É entendida como uma mudança na visão que o indivíduo tem de si mesmo, do mundo e de Deus, que passam a ser interpretadas, na maior parte das situações, segundo conceitos proporcionados por uma nova religião. (CAROZZI E

FRIGERIO, 1997:73).

Isto implica dizer em que medida uma mudança de crença pode ser considerada conversão e se é possível estabelecer etapas para que esta mudança se efetive definitivamente. A cosmovisão, os comportamentos e a identidade subjetiva serão somente modificados a partir do grau de inserção do indivíduo dentro de outro sistema de plausibilidade:

(...) A conversão religiosa constituiria um processo de redefinição da identidade subjetiva mediante o qual o indivíduo paulatinamente passa a considerar-se “outro”, diferente daquele que acreditava ser anteriormente. (CAROZZI E

FRIGERIO, 1997:73).

Os indivíduos que estabelecem contatos com as religiões afro-brasileiras passam por um processo gradual através de etapas estabelecidas, dentro de um outro

sistema simbólico. As pessoas que se vinculam a tal sistema, a Umbanda, indicada pelos autores como templos de religião, buscam14 soluções que sejam práticas para a resolução de algum problema cotidiano. Os indivíduos que assumem tal prática são designados como consulentes ou aqueles que buscam uma consulta. Se os resultados criarem uma possibilidade de satisfação no consulente, a probabilidade dele dar crédito a este sistema é grande o que o trará mais vezes ao templo, estabelecendo-se assim uma identidade social de consulente (CAROZZI e FRIGERIO, 1997:80). Segundo os autores, esta é uma condição importante para uma possível conversão como também pode ocasionar uma busca transitória sem que o consulente se fixe nesse grupo de referência. O fato desse converso em potencial ter solucionado momentaneamente uma adversidade em sua vida, não garante a sua continuidade dentro do grupo. Possivelmente sua cosmovisão passe por uma reorganização simbólica acrescentando-se a ela, a partir da experiência realizada, novas crenças.

A participação do indivíduo em atividades mais formalizadas do grupo alternativo possibilita uma mudança de cosmovisão, da identidade subjetiva e biográfica. O ritmo dessas mudanças dependerá dos resultados e da empatia que o indivíduo estabeleça com o grupo. Se considerarmos que na vida cotidiana o indivíduo possui um leque de possibilidades de escolha, isso pressupõe que nos deparamos com um sujeito ativo e não um agente passivo que interioriza, por exemplo, uma doutrina religiosa sofrendo uma lavagem cerebral (SARGANT, 1968). Neste sentido, se identificarmos a conversão religiosa como uma simples filiação a outro significante não implica necessariamente uma mudança de autopercepção da cosmovisão do sujeito. A conversão envolve uma substituição de crenças, convicções ou alegações de uma pessoa, e a adoção de outras, mas a participação do indivíduo numa religião não se traduz necessariamente em compromisso intelectual e afetivo com ela:

(...) Nem toda pessoa recrutada a um grupo religioso converte- se às crenças desse grupo, e nem todos os convertidos assumem o mesmo tipo de comprometimento com o grupo que lhes ofereceu uma nova cosmovisão e uma nova visão de si próprios

(CAROZZI, 1994:63).

14 É preciso assinalar que a busca religiosa pode ser um passo significativo antes da conversão, mas

nem sempre o converso em potencial precisaria apresentar esta característica para se filiar a um outro grupo alternativo (CAROZZI e FRIGERIO, 1994:34).

A modificação das crenças de um converso e a visão que tem de si mesmo vêm de forma gradativa e o comprometimento com o novo sistema decorre da participação freqüente das atividades propostas pelo novo grupo ou um culto religioso (CAROZZI e FRIGERIO, 1994:23). É possível que a conversão de um indivíduo para um sistema alternativo de plausibilidade envolva mudanças gradativas. Esse processo se desenvolve diferentemente dependendo de cada contexto em que se estabelece o contato. Neste sentido, o desenvolvimento da conversão não é igual em todos os casos, podemos encontrar semelhanças. Talvez por esse motivo não seja apropriado adotar um modelo universal aplicável ao fenômeno da conversão (CAROZZI e FRIGERIO, 1994:49).

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