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O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO PARA O CONSUMO E OS VALORES MATERIALISTAS NO CONSUMO

No documento O marketing relacional no consumo infantil (páginas 40-43)

2.1. O CONSUMO E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR NO CONTEXTO INFANTIL

2.1.4 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO PARA O CONSUMO E OS VALORES MATERIALISTAS NO CONSUMO

A sociedade de consumo, do ponto de vista da crítica social, pode limitar a perceção da sociedade restringindo-a apenas à importância da posse, do ter, em vez do ser. O valor dos bens ganha protagonismo e pode estimular a competição e o egocentrismo, em vez de qualidades e valores mais humanos. Na sociedade contemporânea o consumo tem um espaço adquirido e a criança, de hoje, desenvolve-se convivendo desde cedo com as experiências no mercado de consumo, podendo desta forma influenciar o seu comportamento e atitudes futuras enquanto consumidor.

O novo perfil da família, com uma maior presença da mulher no mercado de trabalho, um maior número de divórcios e estruturas familiares menos convencionais, fazem com que a criança cresça em ambientes mais isolados, obrigando-a muitas vezes a um desenvolvimento mais rápido, com maior senso de responsabilidade e autonomia. Os momentos de lazer em família estão na maioria das vezes ocupados por artefactos comerciais para preencher vazios e com carácter compensatório (McNeal,1992).

A criança ao longo do seu desenvolvimento esforça-se para compreender o ambiente físico e social que a rodeia, determinando gostos e preferências que influenciam o seu comportamento de consumo. Assume-se, por isso, que as crianças em diferentes níveis de desenvolvimento são também suscetíveis a diferentes fatores ambientais que podem moldar as suas atitudes e valores (Valkenburg e Cantor, 2001), sendo o consumo encarado pela criança como uma forma de superar questões emocionais, estimulando a consolidação de uma sociedade mais consumista.

Segundo McNeal (1992) a influência que as crianças têm sobre a decisão de compra dos seus pais é muito grande e variada. Segundo o mesmo autor, essa influência tem vindo a crescer. Os pais querem que os seus filhos tenham tudo o que as outras crianças têm e consideram de bom ou útil. Logo, os pais têm tendência para lhes dar mais dinheiro, mais coisas e mais poder na decisão de compra na família (McNeal,1999).

A socialização para o consumo envolve muito mais do que a aquisição de conhecimento e capacidade para agir como um consumidor, há que aprender também os motivos e o valor das

atividades de consumo. Consumo consciente, materialismo e compras por impulso são orientações que a criança deve também aprender e ter noção da sua existência, até porque outros agentes de influência presentes no processo de socialização para o consumo podem exercer pressão para determinado caminho (John, 1999).

A comunicação existente na família, a relação com os pares e a exposição aos media são fatores ambientais muito importantes no contexto do consumo infantil e influenciam os níveis de materialismo (Churchill e Moschis, 1979). De acordo com Buijzen e Valkenburg (2003) a publicidade, por exemplo, aumenta o desejo de posse e torna importantes, qualidades como a beleza, o sucesso e a felicidade, que parecem ser acessíveis através do materialismo.

Na área do comportamento do consumidor, as primeiras pesquisas sobre materialismo, realizadas por Ward e Wackman (1972:54), definiram-no como “uma orientação que considera os bens materiais e o dinheiro como sendo importantes para a felicidade e para o desenvolvimento social de uma pessoa”. Richins e Dawson (1992) têm dedicado alguns estudos também a este tema e definiram materialismo como sendo um valor pessoal que revela importância à posse de materiais e dividiram-no em três dimensões: centralidade (posses que representam um papel central na vida), felicidade (posses que estão ligadas ao bem-estar) e sucesso (sucesso julgado pela posse). Ainda numa abordagem mais psicológica, Micken e Roberts (1999) sugerem que comportamentos materialistas refletem comportamentos em que se atribui aos objetos a função de não apenas revelar um traço de personalidade, mas de estabelecer uma marca de identidade. Finalmente, Burroughs e Rindfleisch (2002) definem materialismo como a crença do indivíduo de que o seu bem-estar depende da posse de certos objetos. O que todas estas definições têm em comum é a perceção do consumo como um meio para se adquirir mais do que o valor instrumental ou funcional de um bem.

Diz-se que o materialismo vai além do mero consumo e implica um excesso, talvez obsessivo ultrapassando o mero desejo. Estes adjetivos tornam o materialismo em algo que geralmente é considerado como negativo (Wuthnow 1994; Schor 1998, in Belk 2001). Esta é apenas uma visão mais comum. Outros estudos tentam medir o quão diferentes são as pessoas materialistas e têm mostrado que as pessoas mais materialistas não são tão felizes e satisfeitas com as suas vidas como as pessoas menos materialistas (eg., Belk 1984, 1985; Richins 1987; Richins e Dawson, 1992, in Belk 2001). Belk (2001) refere que não está provado se a

infelicidade é uma consequência do materialismo ou se as pessoas infelizes procuram um refúgio no materialismo como fonte de esperança.

Schor (2004) propôs um conceito de materialismo composto de três componentes no que se refere ao envolvimento das crianças e imersão destas na cultura de consumo (denominado por CI, Consumer Involvement). Por causa de problemas inerentes à medição de crenças e atitudes, durante o rápido desenvolvimento que caracteriza a infância, Schor centrou-se menos sobre os valores pessoais e traços de personalidade herdados, que são usados para interpretar o ambiente e estrutura de vida da criança, como refere Richins (2004), e mais no seu comportamento de consumo. Assim, surge uma proposta do conceito de materialismo nas crianças relacionado com o envolvimento do consumidor, como uma estrutura composta de três fatores compreendendo a insatisfação, a orientação para o consumo e a consciência da marca.

Muitos estudos existem sobre os antecedentes na formação de comportamentos materialistas entre os mais jovens, que incidem mais sobre a influência dos pais, media e pares (Churchill e Moschis 1979; Moschis e Churchill 1978; Moore e Moschis 1981), sobre a idade e maturidade cognitiva (Moschis e Bello 1987; Churchill e Moschis 1979), sobre a classe social e género (Ward 1974; Moschis e Churchill 1978; Moore e Moschis 1978) e até sobre a composição da família (Rindfleisch e Burroughs 1997; Belk 1985; Richins 1994; Belk 1991) como referem Santos e Fernandes (2011) fazendo por isso sentido tentar perceber o que mais influencia a construção dos valores materialistas e qual a sua relação com o comportamento de consumo da criança e sua ligação às marcas.

Por exemplo, hoje é comum associar os produtos destinados às crianças, nomeadamente produtos alimentares e brinquedos, a características descartáveis, o que pode provocar desejos compulsivos e vulnerabilidade nos laços afetivos.

Esta questão da volatilidade dos objetos destinados a este segmento, leva a que muitas vezes sejam substituídos rapidamente por outros mais desenvolvidos o que pode provocar desilusão e insatisfação, levando a criança a pedir sempre mais. É importante que a intervenção dos profissionais de marketing não caia na criação de relações caracterizadas pela superficialidade, consumismo e descartabilidade (Santos e Grossi, 2007), para proteger a própria relação com os produtos e com as marcas.

2.2 Influência dos fatores de socialização e sociodemográficos

No documento O marketing relacional no consumo infantil (páginas 40-43)