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O processo de decisão e atendimento às ações judiciais que solicitam medicamentos

CAPÍTULO II – DESAFIOS DO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE BRASILEIRO E

2.4 A INTENSIFICAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA VIA JUDICIAL COMO

2.4.2 O processo de decisão e atendimento às ações judiciais que solicitam medicamentos

Tendo como principal fundamento a elevação da procura pelo Poder Judiciário brasileiro para o equacionamento de problemas na assistência à saúde, e o consequente aumento dos gastos públicos para cumprir as decisões judiciais, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou entre abril e maio de 2009 a Audiência Pública nº 4 (convocada pelo Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes) para debater o aumento do número de ações judiciais no setor saúde com especialistas de diversas áreas, como por exemplo, advogados, promotores, médicos, técnicos e gestores de saúde, assim como usuários do SUS.

Após a realização da Audiência pelo STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em março de 2010 a Recomendação nº 3137, a qual expõe uma série de medidas a serem adotadas pelos Tribunais de Justiça durante a análise dos casos, para garantir a maximização do desempenho na tomada de decisão frente às ações judiciais desse tipo, dentre as quais se destacam:

x Recomendação aos Tribunais de Justiça que realizem acordos com equipe técnica (composta por médicos e farmacêuticos) para prestação de auxílio aos magistrados quanto às indicações clínicas presentes na demanda;

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Conselho Nacional de Justiça - Recomendação nº 31 de 30 de março de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/recomendacoes/reccnj_31.pdf> Acesso em: 31 out. 2011.

x Recomendação aos Magistrados que evitem autorizar as demandas por medicamentos sem registro na ANVISA, assim como tratamentos em fase experimental;

x Recomendação à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), assim como à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) e Escolas de Magistratura Federais e Estaduais, que insiram em seus cursos o direito sanitário, para favorecer um maior conhecimento sobre o assunto.

Adicionalmente à aprovação da referida Recomendação, o CNJ instituiu em agosto de 2010 o Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde38, constituído por Comitês em cada Estado39. A criação do Fórum possui como objetivo precípuo elaborar estudos acerca da tendência apresentada nos últimos anos de crescimento e diversificação das ações judiciais em saúde, a fim de buscar soluções que aprimorem cada vez mais o processo de tomada de decisão pelos juízes, assim como identificar algumas medidas que previnam o aparecimento de novos pedidos, o que consequentemente evitaria dispêndios impactantes ao orçamento público.

Diante da complexidade que envolve a tomada de decisão frente às demandas judiciais por medicamentos, é possível apresentar resumidamente as etapas que podem compor esse processo, a fim de propiciar um melhor entendimento do assunto40.

38 Fórum instituído pela Resolução nº 107/2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-

administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12225-resolucao-no-107-de-06-de-abril-de-2010>. Acesso em: 23 nov. 2011.

39 Os comitês estaduais reúnem-se regularmente para discutir e identificar as principais demandas em saúde e

apresentar sugestões para a crescente judicialização do setor.

40

As considerações realizadas a respeito da proposta de fluxo de análise para as ações judiciais de medicamentos baseiam-se no trabalho realizado por FIGUEIREDO (2010, p. 44 - 46).

Figura 2: Estágios do processo de análise das ações judiciais que solicitam o fornecimento de medicamentos

Fonte: FIGUEIREDO (2010, p. 44).

A primeira medida a ser tomada diante de uma solicitação judicial por medicamento é verificar se a substância prescrita é registrada pela ANVISA. Em caso negativo, deve ser discutida a segurança do referido medicamento, diante da possibilidade de gerar danos à saúde do paciente. Mas, se ficar constatado que o medicamento em questão possui registro no país, deve ser analisado para qual indicação terapêutica foi registrado, pois no caso de solicitação para tratamento diferente do registrado, o uso do medicamento poderá ser considerado off label41, e dessa forma a sua segurança e eficácia também devem ser

discutidas.

Diante da solicitação por um medicamento que possui registro na ANVISA e a sua indicação terapêutica não caracterizar uso off label, deve ser analisado se consta na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS. Em caso positivo, havendo compatibilidade da prescrição com a indicação terapêutica do SUS, a disponibilização do referido medicamento não será questionada. Porém, não havendo compatibilidade nas prescrições, novamente deverá ser discutida a utilização do medicamento em termos de segurança ao usuário.

41 O uso off label de um medicamento ocorre quando a indicação terapêutica prescrita pelo médico difere da

indicação registrada para uso no país, caracterizando um possível risco ao paciente diante da falta de evidências que confirmem sua eficácia para outro uso (FIGUEIREDO, 2010).

No caso em que a ação sob análise solicite medicamento não fornecido pelo SUS, é importante que haja a indicação e oferta de uma alternativa terapêutica financiada pelo sistema público. Mas, na ausência da referida alternativa, deve ser examinada a necessidade do referido medicamento, sobretudo no caso de haver evidências científicas que atestem sua eficácia.

2.5 Judiciário e políticas públicas de saúde: duas visões distintas

No Brasil, o crescimento da atuação do Judiciário nas políticas de saúde é habitualmente atribuído à incapacidade da assistência farmacêutica prestada pelo SUS suprir a demanda existente, além do crescente reconhecimento do direito à saúde por segmentos cada vez maiores da população. E, em decorrência do grande aumento no número de ações judiciais e o crescimento do orçamento despendido para o seu cumprimento, o debate em torno do tema judicialização da saúde tem se tornado cada vez mais expressivo, sendo habitualmente apresentado sob duas óticas: dos profissionais da área do direito, e dos profissionais da área da saúde pública.

A abordagem em torno do tema judicialização da saúde é portanto dicotômica, pois ao analisar a postura adotada pelo Judiciário pode-se considerar de uma maneira geral que, sua atuação ao priorizar a saúde baseando-se no cumprimento do princípio constitucional da integralidade, relega na maioria dos casos o tema recursos para segundo plano, representando dessa forma, “um avanço em relação ao exercício efetivo da cidadania por parte da população brasileira.” (MARQUES, 2008, p. 1).

Por outro lado, o atendimento de um número cada vez maior de ações judiciais realizado pelos executores de políticas (ações que muitas vezes solicitam medicamentos sem a devida comprovação de eficácia e registro na ANVISA), inviabiliza o funcionamento adequado das demais políticas públicas planejadas para o setor, gerando consequentemente desigualdade na atenção à saúde.

Diante do debate que envolve um tema tão controverso, realiza-se a seguir a exposição dos principais argumentos apresentados tanto pela ótica dos profissionais da área do Direito, quanto pelos formuladores de políticas públicas.

2.5.1 Judicialização do acesso à saúde sob a perspectiva dos profissionais da área do