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O Processo da Harmonização Legislativa

CAPÍTULO IV. O INSTITUTO DA HARMONIZAÇÃO E AS LEGISLAÇÕES DO

4.3. O Processo da Harmonização Legislativa

O desenvolvimento do processo de integração precisa superar barreiras de natureza legislativa. Daí se falar em harmonizar as legislações dos Estados-Partes, que nada mais é do que pôr em harmonia preceitos que

aparentemente estão em desacordo. A maneira de se atingir tal desiderato deve obedecer os princípios que norteiam e caracterizam o MERCOSUL, nem sempre se podendo buscar apoio no que se faz na União Européia, processo distinto e sui generis que é.

4.3.1. Conceito e Características

Harmonizar é o vocábulo adotado pelo Tratado de Assunção já no artigo 1°, quando se dispôs acerca dos propósitos, princípios e instrumentos necessários ao alcance da plena constituição do Mercado Comum do Sul. Então, ao lado dos propósitos e princípios estabelecidos, ficou registrado que o fortalecimento do processo de integração seria obtido por intermédio da harmonização das legislações de cada um dos Estados-Partes. O seu significado não é outro senão o de “pôr em harmonia, tornar harmônico, conciliar, congraçar”307as normas internas que estejam relacionadas com o processo de integração. Ou, como se expressa Véra M. Jacob de Fradera, a harmonização pode ser definida “como o instrumento apto para a realização da integração no mercado”308 A harmonização legislativa tem o significado de “adaptação das legislações nacionais a uma diretriz comum tomada externamente, podendo-se, manter certas diferenças, eliminar outras e atenuar algumas. Como indica a expressão, o que se busca através deste processo é reduzir as diferenças mais agudas.”309. A finalidade da harmonização legislativa, diz Ricardo Soares Stersi dos Santos, “é estabelecer, nos Estados-Membros, um conjunto de regras harmônicas, fundamentadas no Direito de Integração”310.

Ainda que se busquem subsídios no processo que culminou na União Européia, verifica-se ali a existência de características próprias e inconfundíveis, que não se aplicam ao processo de integração do MERCOSUL.

307

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua

portuguesa, verbete “harmonizar”.

08 FRADERA, Véra M. Jacob de. In: op. cit., p. 248.

309 '

PAZ, Vânia Beatriz Rey. Mercosul: a (im)possibílidade de harmonizar as legislações sindicais,

p. 44.

310

Uma delas - importantíssima - diz respeito com a supranacionalidade, existente naquele e ausente neste. E, como conseqüência da supranacionalidade, o surgimento do Direito Comunitário311, “cujas raízes se encontram no Direito Internacional Público, mas que, para os comunitaristas, com ele não se confunde, visando a regular o funcionamento de entidades supranacionais, distintas dos Estados nacionais e dos organismos internacionais.”312. Somente se pode falar de direito comunitário quando houver transferência de competências atribuídas a órgãos internos do Estado-Parte para um órgão comunitário, além de se estabelecer a criação de um tribunal capaz de dirimir as controvérsias surgidas entre os vários Estados-Partes, de tal sorte que ele - o direito comunitário - tenha primazia sobre o direito interno313.

O processo de integração do MERCOSUL se rege pela tomada de decisões por consenso, a partir do que cada um dos Estados-Partes deverá adotar providências com o objetivo de internalizá-las. Frederico Augusto Monte Simionato faz uma análise comparativa entre os métodos de harmonização legislativa na União Européia e no MERCOSUL. Após salientar que eles são antagônicos e conflitantes, anota:

“A metodologia das decisões dentro do MERCOSUL atende apenas ao trato de uma estratégia da política externa que, portanto, não pretende outorgar poderes aos órgãos supra-estatais. Isto, por sua vez, reflete sobre o processo de harmonização de normas, haja vista que a sua configuração possui a natureza de Direito Internacional Público Clássico. A estrutura da União Européia é muito mais avançada e, no tocante à harmonização de normas, procura equacionar o balanço de poderes entre Comissão, Conselho e Estados-Membros.”314

311 “Sem dúvida, o ponto caracterizador que facilita a identificação do Direito Comunitário como ramo autônomo e 'sui generis’ do direito, é a supranacionalidade. É um elemento caracterizador porque é ela que dá as principais prerrogativas, para o ordenamento comunitário.” MENEZES, Wagner. O direito comunitário e o Mercosul: uma visão crítica. In: PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.).Op. cit., v. II, p. 148.

12 D’ANGELIS, Wagner Rocha. Op. cit., p. 109.

313 GROS ESPIELL, Héctor. Naturaleza jurídica del Tratado de Asunción y de sus protocolos. In:

GROS ESPIELL, Héctor et al. El derecho de la integración del MERCOSUR, p. 52.

314 SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Métodos de harmonização legislativa na União Européia e no MERCOSUL: uma análise comparativa. In: BASSO, Maristela. Op. cit., p. 139-140.

4.3.2. Diferenças entre Harmonização, Aproximação e Unificação

Harmonização é o vocábulo adotado pelo Tratado-marco que instituiu o Mercado Comum do Sul - MERCOSUL. Os instrumentos legislativos surgidos a posterior, voltaram a repetir o termo, que é o que melhor sintetiza o método adotado em tal processo de integração. Harmonização tem aí o sentido de se buscar o afastamento das divergências existentes acerca de um determinado tema, o que é feito pela iniciativa de cada um dos Estados-Partes, no âmbito de sua competência, tudo com o propósito de permitir o avanço do processo de integração.

Já o Tratado de Roma, no Capítulo III, do Título I, da Parte III (artigos 100 a 102), denominado de “a aproximação das legislações”315, faz uso indistinto dos vocábulos aproximação e harmonização, como se fossem sinônimos e estivessem a disciplinar o mesmo fenômeno jurídico, merecendo de Frederico Augusto Monte Simionato a seguinte observação: “Mesmo que sejam utilizados como sinônimos, a latitude do termo ‘aproximação’ apresenta-se como mais ampla, ou seja, seria o gênero, e os termos ‘harmonização’ e ‘coordenação’, as espécies e tipos de aproximação legislativa.”316.

Werter R. Faria anota o uso indistinto que se faz dos termos harmonização e aproximação, muito embora se refiram a operações distintas. Esclarece referido autor que a

“harmonização tem por objeto suprimir ou atenuar as disparidades entre as disposições de direito interno, na medida em que o exija o funcionamento do mercado comum. Desse modo, a harmonização importa a alteração dos respectivos conteúdos. No Tratado que institui a Comunidade Européia, a aproximação das legislações correlaciona-se com o procedimento especial para garantir o bom funcionamento do mercado comum, regulado pelos artigos 100 a

PABST, Haroldo. Op. cit., p. 180.

316 SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Métodos de harmonização legislativa na União Européia e no MERCOSUL: uma análise comparativa. In: op. cit., p. 123.

A unificação legislativa é um procedimento muito mais profundo do que a harmonização antes vista. Na unificação a mesma norma jurídica é criada para vigorar em Estados diferentes, podendo ser imposta por uma autoridade supranacional ou, ainda, ser acolhida espontaneamente pelo outro Estado, que a introduz na sua ordem jurídica interna318. Foi o que ocorreu em relação ao cheque, quando o Brasil aderiu a Convenções Internacionais que dispunham acerca de uma Lei Uniforme319. Assim se faz no interesse da busca de uniformidade de tratamento a um tema que tem relevância e repercussão em mais de um Estado.

A unificação das legislações pressupõe a “absoluta igualdade de cargas sociais nos diferentes países”320, o que não se faria presente entre os

Estados-Partes do MERCOSUL321.

Em se falando de Direito de Integração322 do MERCOSUL, há que se falar em harmonização das legislações. É esta a expressão que melhor reproduz o sentido do método eleito pelo Tratado de Assunção, e que vem sendo aceito e utilizado pela doutrina323.

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