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O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E OS REFLEXOS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

século XXI: restrições legais e violações diretas às liberdades individuais na atual fase de acumulação capitalista Universidade Federal do Rio de Janeiro, dezembro de 2006 Disponível

O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E OS REFLEXOS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

3.1 O ESTADO BRASILEIRO E O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Para que se possa compreender os reflexos do processo de internacionalização dos Direitos Humanos no sistema jurídico brasileiro, relativos à soberania do Estado brasileiro, se faz necessária uma breve reflexão sobre o “contrato social” (pacto anti-democrático) vigente no período que precedeu a promulgação da Constituição de 1988.

O período, marcado pela Ditadura Militar, instaurada no Brasil a partir de 1964, caracterizou-se pelo autoritarismo que atingiu duramente os direitos civis e políticos dos brasileiros, afastando com violência as massas populares do cenário político nacional.

Sob o lema “Segurança e Desenvolvimento”, os militares impuseram o restabelecimento da “ordem social”, tendo nos atos institucionais os “instrumentos legais” para a repressão. Por meio deles, foram cassados, pelo período de 10 anos, os direitos políticos de grande número de líderes políticos, sindicais e intelectuais.164

Além das cassações, outros mecanismos foram utilizados, como a aposentadoria forçada de funcionários públicos civis e militares. Vários sindicatos

sofreram intervenções, sendo fechados os órgãos de cúpula do movimento operário, além da União Nacional dos Estudantes − UNE ter sido militarmente invadida e fechada.

Neste sentido, ensina-nos Vieira:

O percurso do Movimento de 1964 foi pontilhado por Atos Institucionais, por Atos Complementares, por Leis de Segurança Nacional e por Decretos secretos, satisfazendo as exigências dos influentes do momento. Tudo sugeriu que o processo sócio-histórico do Brasil já estava traçado por alguns, exigindo para tanto correções de ocasião, através de providências autoritárias, impingidas à população.165

Nesse período, foram também criadas várias comissões de inquérito para apurar supostos crimes de corrupção e subversão, sendo o argumento do “perigo do comunismo”, a desculpa utilizada para justificar tais atos. Qualquer suspeita de atividade subversiva podia resultar na perda do emprego, na cassação dos direitos políticos e na própria perda da liberdade do suspeito.

Em 1967, outorgou-se uma nova constituição, sendo que em 1969, no governo do Presidente Médici, foi editada a Emenda Constitucional de nº 1, de 17 de outubro do ano de 1969, que, segundo Tomazi:

Era uma nova Constituição, pois incluía os preceitos presentes em todos os Atos Institucionais anteriores, tornando os cidadãos brasileiros reféns do poder militar incluindo os preceitos presentes em todos os Atos Institucionais anteriores.166

O ano de 1970 marca a introdução da censura prévia em jornais, livros e outros meios de comunicação, sendo que, constantemente, o governo enviava instruções sobre pessoas e assuntos que não deveriam ser mencionados.

165 VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1987, p.191. 166 TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia da Educação. São Paulo: Atual, 1997, p. 30.

Além disso, não havia liberdade para reuniões, os partidos eram regulados pelo governo, o direito de defesa cerceado pelas prisões arbitrárias, a justiça militar julgava crimes civis, sendo a integridade física das pessoas e o direito à vida constantemente violadas pelas torturas nos cárceres do governo.

Da mesma forma, as manifestações artísticas e universitárias eram cerceadas, ocorrendo a cassação de professores e a proibição de movimentos estudantis.

Segundo Schafranski167, no âmbito das relações de trabalho, os dois primeiros governos da ditadura militar apoiaram-se essencialmente numa política de repressão às greves, bem como na proibição da negociação coletiva e na suspensão da estabilidade no emprego como estratégias de “combate à inflação”. Deste modo, segundo a autora, o peso do aparato repressivo do Estado volta-se essencialmente contra a classe operária e o campesinato, com a intervenção nos sindicatos urbanos e rurais e a destruição das Ligas Camponesas.

Carvalho168 afirma que, ao mesmo tempo em que os governos militares cerceavam os direitos políticos e civis, investiam na expansão dos direitos sociais, conseguindo a unificação e a universalização da Previdência.

O processo de restabelecimento da democracia no país ocorreu de modo muito lento, seguindo os passos determinados pelas Forças Armadas. A partir de 1975, diminuiu-se a censura à imprensa, e a luta pela anistia ganhou espaço cada vez maior nos órgãos de divulgação.

Em 1978, o Congresso votou a revogação do AI-5169, o fim da censura prévia no rádio e na televisão, e o restabelecimento do hábeas corpus para crimes

167 SCHAFRANSKI. Márcia et al.. Sociologia: Consensos e Conflitos. Ponta Grossa: Editora UEPG,

2001, p. 163.

168 CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

políticos. O governo ainda atenuou a Lei de Segurança Nacional e permitiu o regresso de 120 exilados políticos.

No governo do General João Batista Figueiredo, o Congresso votou uma Lei de Anistia, que contemplava os acusados de crime contra a segurança nacional, como também os agentes que haviam prendido, torturado e matado muitos dos acusados.

Os últimos anos do regime militar foram marcados por agitações políticas, descontrole inflacionário, além de escândalos financeiros, e como legado dos governos militares, restou ao país um pesado ônus econômico e social. Segundo Meksenas170, entre os ano de 1964 a 1984, a dívida externa cresceu de 3 para 105 bilhões de dólares, a inflação subiu de 70% para mais de 200% ao ano, e os recursos destinados à educação caíram de 12% a 4%.

O pleito de novembro de 1984, realizado por eleições indiretas através do Colégio Eleitoral, confirma em 15 de janeiro de 1985 o nome de Tancredo Neves para exercer a Presidência da República e, assim, o regime militar começa a sair do cenário político brasileiro e inicia-se assim a Nova República. Assim, depois de 21 anos sob a égide do regime militar, o Brasil instituiu novamente a democracia diante deste contexto.

Houve a necessidade de mudanças substanciais na legislação pátria para compor o respeito aos direitos humanos e suas liberdades fundamentais, somando-se a isso, ainda, consolidar o Estado Democrático brasileiro, cujo marco ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988.