• Nenhum resultado encontrado

5. DISCUSSÃO

5.2 Processo de Mudança SAPE-SClínico

Em relação á perspetiva dos participantes sobre o processo de mudança do SAPE para o SClínico no seu ambiente clínico, um elevado número de enfermeiros caracteriza o processo de mudança como difícil, apontando fatores relacionados com o deficiente planeamento do processo, pelas características específicas do SClínico, aspetos pessoais relacionados com os enfermeiros e a CIPE enquanto linguagem classificada de suporte ao SIE.

O défice de liderança a nível institucional e a falta de suporte por um grupo de acompanhamento de “peritos” levou a que cada serviço tivesse que criar as suas próprias estratégias para dar resposta às mudanças, gerando problemas de sistematização e uniformização neste processo. Vários autores relevama importância da liderança no desenvolvimento de processo de mudança positivo. Jonh Paul Kotter, citado por Carvalho et al. (2015), refere que é essencial formar um grupo coeso com capacidade e poder suficiente para liderar e conduzir o processo de mudança, transmitindo uma visão clara do que é pretendido, ajudando os colaboradores a direcionar e coordenar os seus esforços para alcançar a mudança pretendida.

Cunha et al. (2010), no seu estudo sobre as atitudes dos enfermeiros face ao sistema informatizado de informação em enfermagem, corrobora com esta constatação, tendo concluído que a perceção do processo de mudança é determinante na atitude dos enfermeiros face à

implementação de novos SIE, realçando a importância da preparação dos líderes para a mudança e da sua capacidade em partilhar a visão estratégica, potenciando uma relação de confiança, de respeito e credibilidade entre os líderes e os colaboradores, essencial para a obtenção de uma perceção mais favorável aos processos de mudança.

Possivelmente, devido a esta discrepância a nível estratégico, verificou-se através da análise das entrevistas, que a perceção dos participantes relativamente ao processo de mudança é diferente, dependendo muito do contexto clínico onde ocorreu.Os relatos obtidos junto dos enfermeiros de Medicina Interna, Cirurgia, Obstetrícia e Pediatria demonstram um processo confuso, difícil, com défice de formação e um período de transição conturbado, em contraste com a experiência referida pelos enfermeiros da UCIP, que transmitem a vivência de um processo de mudança positivo, com uma formação e período de transição adequados.

A formação inadequada foi um dos fatores condicionantes da mudança mais frequentemente referido pelos participantes. A formação foi considerada como de baixa qualidade, de curta duração, centrada num modelo expositivo e sem possibilidade de treino em contexto de formação. Foi ainda referido pelos participantes que o posterior acompanhamento do processo ao nível dos serviços foi insuficiente, tendo sido assegurado por enfermeiros do próprio serviço, que conciliavam com as suas funções habituais o cargo de dinamizador (ou elo-de-ligação) para a implementação do SIE, tentando dar resposta às dúvidas que surgiam no decorrer da utilização deste.

O processo formativo emerge como uma etapa de grande relevo para o processo de mudança. Como refere Carvalho (2015) e Maçães (2017), a formação e capacitação dos colaboradores constituem estratégias importantes para reduzir a resistência à mudança, uma vez que os comportamentos do passado, profundamente enraizados e sedimentados, constituem, muitas vezes, fortes barreiras a este processo. Assim, a formação ajuda os colaboradores a perceber a necessidade de mudar e contribui para o desenvolvimento de competências indispensáveis para lidar com todo o processo de mudança.

Sousa (2006) refere que a transmissão de informação e conhecimento, por si só, dificilmente produzem alteração nas atitudes e comportamentos, sendo considerado essencial o envolvimento dos enfermeiros, devendo o processo formativo promover uma discussão e reflexão alargada sobre as mudanças necessárias. Sousa (2006), no seu trabalho de investigação centrado nos SIE, com a finalidade de dar resposta aos objetivos gerais do processo formativo, desenvolveu uma intervenção formativa estruturada em três módulos, divididos em componente teórica,

Utilização e Evolução dos Sistemas de Informação em Enfermagem: Influência na Tomada de Decisão e na Qualidade dos Cuidados de Enfermagem

90 Mestrado em Enfermagem – Susana Vieira

teórico/prática e prática, sendo que a componente prática, integrou as sessões de acompanhamento dos enfermeiros no seu dia-a-dia, por parte de peritos na implementação do SIE. Este autor, salienta que

“ a opção por metodologias ativas, com uma posição de abertura face

aos formandos, o respeito pela experiência profissional adquirida e pelas realidades individuais,

foram fatores motivacionais e facilitadores do processo ensino/aprendizagem, permitindo com o

decurso da própria ação a vinculação dos enfermeiros às mudanças propostas”

(Sousa, 2006,

p.139)

.

Este défice de formação não se prende apenas com a utilização do SIE. Estende-se, também, à evolução da própria linguagem classificada (CIPE). De uma forma geral, os participantes percebem a utilização da CIPE como de grande relevância, uma vez que constitui uma nomenclatura de enfermagem comum, permitindo a uniformização da linguagem utilizada pelos enfermeiros. No entanto, existe um grande número de enfermeiros que refere um défice de formação e atualização ao nível desta linguagem, afirmando que os conhecimentos adquiridos foram obtidos a título particular ou de forma autodidata.

Este facto vai de encontro ao resultado obtido por Lobo (2015) no seu estudo de investigação, tendo verificado que 20,5% dos inquiridos utilizavam o SIE sem nunca terem tido formação sobre CIPE, 59% dos inquiridos referiram ter frequentado uma formação prévia sobre CIPE com duração inferior a 30 horas, 17,8% dos inquiridos referiram ter tido formação sobre CIPE superior ou igual a 30 horas, e apenas 2,7% tiveram formação e envolvimento ativo na elaboração do padrão de documentação de enfermagem.

Existe a perceção por parte dos participantes que a formação/atualização insuficiente sobre a CIPE, ao longo das suas diferentes versões, constitui um obstáculo, dificultando a utilização e interpretação dos conteúdos incluídos no SClínico e a conceção do raciocínio em si acerca da operacionalização da tomada de decisão.

Cunha et al. (2010) salientam a importância do nível de formação sobre a CIPE, nomeadamente, na diferença de atitude dos enfermeiros face aos SIE. No seu estudo verificaram que os enfermeiros com formação específica e que se envolveram ativamente na elaboração do padrão de documentação de enfermagem apresentam uma diferença significativa na atitude perante o novo SIE, comparativamente aos enfermeiros que não tiveram formação ou formação inferior a 30 horas. Estes autores sugerem que a formação e o envolvimento ativo na elaboração do padrão documentação contribui para a atitude mais favorável dos enfermeiros, aumentando o reconhecimento do impacto dos SIE nos processos de trabalho, melhorando o seu

comprometimento com este, permitindo uma maior facilidade em ultrapassar obstáculos e gerando maiores expectativas em relação à sua utilização (Cunha et al., 2010).

Emerge, então, que o desadequado planeamento ao nível do processo formativo, recorrendo a estratégias ineficazes, cronologicamente muito limitadas, sem a possibilidade de treino em contexto de formação e a falta de acompanhamento por um grupo de “peritos”, cujo foco se centrasse, exclusivamente, na implementação do SClínico, podem ter condicionado o processo de mudança.

Outro dos fatores condicionantes da mudança, referido com maior frequência pelos participantes, é a falta de recursos adequados, nomeadamente os recursos humanos insuficientes. Existe a perceção que a redução do número de elementos na equipa de enfermagem, por turno, com rácio enfermeiro/doente inadequado, e inerente aumento da carga de trabalho, limita substancialmente o tempo disponível para que os enfermeiros, em contexto prático, se envolvam de forma aprofundada sobre as questões da informação e documentação dos cuidados, colocando frequentemente os enfermeiros perante o dilema da documentação dos cuidados prestados

versus

prestação de cuidados diretos ao utente (Braga, 2015). Este facto, diminui a oportunidade de maior reflecção sobre a utilidade da mudança no SIE, o que constituiu um aspeto dificultador ao envolvimento na mudança pretendida.

Contudo, os fatores apresentados pelos enfermeiros, não se prendem apenas à gestão do processo

per si

. Aspetos relacionados com o SClínico, tais como, a introdução de um raciocínio clínico com maior complexidade, a estrutura de navegação pouco “amigável”, a parametrização de conteúdos muito rígida, não dando resposta às especificidades dos serviços, foram apontados como condicionantes do processo de mudança.

Assim, tendo por base o modelo do campo de forças de Lewin (1951, citado por Maçães, 2017), podemos perceber que o facto de ter existido um período de “descongelamento” inadequado, com défice a nível da liderança e orientação do processo de mudança, existindo uma formação inadequada e um diminuto envolvimento dos enfermeiros nas alterações do padrão de documentação, limitou a capacidade de estes lidarem com as alterações apresentadas pelo novo SIE, condicionando a fase de mudança. A conjugação destes diferentes vetores, levou a que o SClínico fosse compreendido como um elemento perturbador em comparação com o SAPE, com o qual os enfermeiros já tinham uma ampla experiência de utilização e, deste modo, já se sentiam “seguros”.

Utilização e Evolução dos Sistemas de Informação em Enfermagem: Influência na Tomada de Decisão e na Qualidade dos Cuidados de Enfermagem

92 Mestrado em Enfermagem – Susana Vieira

Ora, esta situação foi, ainda, agravada pelo facto de nos primeiros meses da sua implementação o SClínico ter sofrido várias alterações, com o intuito de colmatar alguns défices apontados no decorrer da sua utilização. Estas alterações foram efetuadas sem aviso prévio ou formação dos enfermeiros. Desta forma, e voltando a recorrer ao modelo concebido por Lewin (1951, citado por Maçães),é possível perceber que o período de “recongelamento”, de adaptação e sedimentação da mudança, foi sendo protelado, criando um período maior de instabilidade e desconforto para com a utilização do novo SIE.

Neste sentido, as questões motivacionais, referidas pelos participantes constituem, também, um facto importante a ter em conta no processo de mudança, pois como salienta Tappen (2005, p. 231),

“o processo de “descongelamento” deixa as pessoas a sentirem-se inseguras. A reação

natural aos esforços de mudança é um estado de muita energia, chamado de hiperenergia. Esta

energia precisa de ser orientada para ações produtivas. Se o não for, pode provocar uma séria

resistência à mudança proposta”

. A mudança exige ao colaborador força de volição, que lhe

permite romper com a prática instituída, quebrando a inércia e aceitando a mudança como um novo desafio (Carvalho, 2015).

Seguindo esta lógica, colaboradores cansados, desmotivados, com uma expectativa baixa relativa ao resultado da mudança desenvolvida ou percecionada como pouco satisfatória, quando comparada com o esforço necessário para levar a cabo a mudança, apresentam uma menor adesão e um aumento da resistência ao processo de mudança.

Assim, é possível constatar que foram várias as forças que se conjugaram e condicionaram o processo de mudança: a) SIE que apresenta um novo raciocínio clínico, com uma estrutura e conteúdos distintos ao anteriormente utilizado; b) défice de liderança institucional e orientação por um grupo de acompanhamento; c) formação desadequada sobre o SIE, causando um défice de conhecimento e habilidade (prevalecendo referência a iliteracia informática); d) formação insuficiente sobre a taxonomia da CIPE; e) reduzido envolvimento dos enfermeiros no processo de mudança e na alteração do padrão de documentação; f) recursos humanos insuficientes; g) desmotivação. Sendo possível, concluir que a combinação destas várias forças impeditivas provocou resistência à mudança e uma má adesão inicial ao SClínico.

Contudo, existe a perceção por parte dos participantes que este processo de mudança potenciou a reflexão e discussão sobre as práticas e a definição do resumo mínimo de dados de enfermagem, porque ao criar rutura com o

statu quo

, com o modelo de práticas em uso, gerou espaço para a discussão,reflexão e até contestação,o que potenciou um novo olhar para a documentação do

processo de enfermagem. As discussões geradas em torno do novo SIE, bem como, a necessidade de adaptação a este, estimularam momentos de reflexão sobre a(s) prática(s) de enfermagem, constituindo uma oportunidade para a melhoria das mesmas.