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F IM DO PROCESSO COMO “TÉCNICA” E ESTRATÉGIA A INTEGRAÇÃO DO PROCESSO CIVIL AO PLANO DO DIREITO MATERIAL

CAPÍTULO 3 – O FUTURO: OUTROS FATORES DE RELEVÂNCIA PARA O

3.4 F IM DO PROCESSO COMO “TÉCNICA” E ESTRATÉGIA A INTEGRAÇÃO DO PROCESSO CIVIL AO PLANO DO DIREITO MATERIAL

O nosso Código de Processo Civil de 1973 foi desenvolvido com o escopo de conceber melhores condições técnicas, justo para facilitar o acesso à justiça por todos os cidadãos. Por tal razão, desenvolveu-se, no âmbito da nossa legislação processual, uma série de ferramentas que serviriam, em tese, para otimizar o sistema e, dessa forma, potencializar os resultados referentes à atuação do Poder Judiciário.

Inobstante a nobre intenção do legislador, podemos perceber que, na prática, o nosso código processual civil, até mesmo pelo seu alto grau de tecnicismo, não acompanhou as mudanças da sociedade brasileira. Por tal razão, deixou de ser um bom aliado para o fim de fomentar o acesso à justiça e, dessa forma, auxiliar o Estado na obtenção da tão almejada paz social.

Não podemos deixar de mencionar, também, que à época da promulgação do nosso CPC, vivíamos uma realidade constitucional totalmente diferente da que vivemos hoje, sendo certo que a nossa Constituição Federal, quase quinze anos mais madura que o CPC, não teve o condão de influenciar <http://www.nupej.uff.br/sites/default/files/Substitutivo_-_Exposicao_de_Motivos.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2012.

positivamente o legislador processual. Como se vê, o CPC de 1973 não foi concebido em um cenário democrático e com as premissas constitucionais que hoje norteiam a nossa sociedade.

Os tempos são outros. Hoje vivemos em um Estado Democrático de Direito e não estamos satisfeitos apenas com a disponibilização de meios de acesso à justiça. Esse pleito já fora feito e parcialmente atendido. A luta hoje é outra: o que se espera, e isso não há como negar, é o desenvolvimento de iniciativas legislativas que possam trazer uma maior eficiência à prestação jurisdicional.

A tutela jurisdicional, de acordo com a nossa atual diretriz constitucional, tem que ser rápida, adequada e eficiente. Tanto é assim, que a Emenda Constitucional nº 45, publicada ao final do ano de 2004, inseriu o inciso LXXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal. No referido dispositivo está estampado que todos têm, como direito fundamental, tanto no âmbito administrativo como no judicial, direito à razoável duração do processo276.

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier277 pontua:

Os anseios universais por sistemas processuais que garantam efetivo acesso à justiça são hoje as grandes diretrizes da conduta legislativa e dos esforços da doutrina e da jurisprudência. Está superada e completamente afastada a noção de que a antiga tutela formal dos direitos seria resultado satisfatório da atividade da jurisdição. Para que essa atividade estatal se realize em plenitude (vale dizer, para que o Estado-juiz cumpra seu papel na sociedade), é necessário que ao seu resultado formal se acrescente a aptidão para produzirem-se efeitos práticos, em tempo hábil. Ao contrário, isto é, sem que possa promover um processo efetivo, haverá o rompimento da garantia constitucional do acesso à justiça, pois o direito ao processo quer dizer, nada mais, nada menos, que direito a

276 “Essa situação ocorre não apenas em nosso país, mas também no mundo todo de uma forma

geral, sendo sempre uma preocupação constante de todos aqueles que se dedicam ao estudo e desenvolvimento do direito processual. A demonstrar tal constatação, de que o processo não poderia alongar em excesso, pois que poderia implicar prejuízos às partes pela angústia na espera pela solução do litígio, podemos trazer como referência o que era decidido pela Corte Européia de Direitos Humanos, que condenava por danos morais inúmeros países, em conseqüência da demora no julgamento de algumas questões. Tal decisão era tomada com base no que estabelecia o art. 6º da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma, no dia 04.11.1950, que estabelecia: „Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre os direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação de matéria penal dirigida contra ela‟”. ZARIF, Cláudio Cintra. Da necessidade de repensar o processo para que ele seja realmente efetivo. In: FUX, luz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo e Constituição. Estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.139-140.

277 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. Revista dos

um processo cujo resultado seja útil em relação à realidade dos fatos.

A duração razoável do processo é apenas um dos comandos determinados pela nossa Constituição Federal e, por esta razão, deve compor a esfera de atuação da ciência processual. O processo deve ser constituído e precisa desenvolver-se dentro a partir das premissas que nos permitam preservar as garantias fundamentais, em especial, as que possuem raízes constitucionais, tais como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a isonomia.

Sendo certo que a influência constitucional no processo se opera de forma subjetiva, concluirmos que, mesmo assim, trata-se de importante qualidade acerca da função que tem o processo civil dentro da nossa sociedade. Mas, afinal, qual seria a natureza jurídica do processo, qual o seu verdadeiro escopo e qual o real motivo da preocupação social atual em torná-lo mais eficiente, rápido e adequado à sociedade moderna?

Várias são as correntes doutrinárias que tratam da natureza do processo. Para uns, o processo nada mais é do que um contrato278. Para outros, o processo representa uma relação jurídica279 entre as partes. Inobstante as várias concepções que tratam sobre o tema, concebemos que o estudo do direito processual civil na modernidade somente tem sentido se for avaliado conjuntamente com os preceitos constitucionais que regem o nosso Estado Democrático de Direito, a nossa Constituição Federal e o direito material em si.

Olavo de Oliveira Neto280, discorrendo sobre a natureza jurídica do

processo na atualidade, bem como a metodologia que deve ser utilizada para a sua utilização, esclarece que:

278 A concepção de processo como contrato foi desenvolvida pela doutrina francesa dos séculos XVIII

e XIX, mas perdeu força rapidamente na medida em que, devido à sua característica potestativa, não poderia se conceber que uma relação contratual tivesse origem sem que ambas as partes concedessem anuência para tanto.

279 A ideia de processo como relação jurídica foi desenvolvida por Oscar Von Bulow. Para o

renomado autor, o processo nada mais é do que uma relação de direito público que envolve o tribunal e as partes. Dessa forma, encara-se o processo como uma ciência autônoma e independente da relação jurídica de direito material que é discutida entre as partes.

280 OLIVEIRA NETO, Olavo de. O processo como instituição constitucional. In: MOREIRA, Alberto

Campinas; ALVAREZ, Anselmo Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coords.). Panorama atual das

tutelas individual e coletiva. Estudos em homenagem ao professor Sergio Shimura. São Paulo:

Realmente, parece ter chegado o momento de pensar na natureza do processo em consonância com o modelo imposto pela Constituição Federal, em especial pelos princípios que regem o processo civil. Não há mais como falar no processo como uma simples relação jurídica, que estabelece direitos e deveres entre as partes, na medida em que há um modelo preestabelecido, moldado pelas normas constitucionais, do qual o processo não pode se afastar. Cada vez mais se robustece o caráter público do processo. Aumentam os poderes instrutórios do juiz brasileiro, aproximando-o da figura do juiz gerenciador do processo do direito inglês (case

management powers), tendo as partes como contrapartida a

participação no gerenciamento do feito (v.g. audiência preliminar). Destarte, portanto, nosso processo cada vez mais prescinde da disponibilidade das partes, situação que em nosso crer o descaracteriza como uma típica relação jurídica, aproximando-o mais da idéia de instituição.

Cassio Scarpinella Bueno281, em crítica ao que os “autonomistas”

pregaram para justificar o caráter científico do estudo do direito processual civil como “ramo do direito autônomo”, não vinculado ou dependente de qualquer outro, observa o seguinte:

Todas as características do direito processual civil, de forma mais ou menos intensa, de forma mais ou menos direta, são informadas pelo direito material. Há uma necessária comunicação, uma necessária interpenetração de um campo no outro, embora, isto é importante que fique claro, o direito material não se confunda com o direito processual nem vice-versa. Mesmo naqueles casos em que as categorias processuais parecem existir independentemente do direito material, não se pode perder de vista que o direito processual civil volta-se a realização do direito material. Mesmo que alguma categoria do direito processual civil, destarte, não receba influências diretas do que está fora dele, nem por isto a perspectiva de análise aqui acentuada pode ser perdida de vista.

Para que tenhamos um processo civil alinhado com os escopos constitucionais e democráticos, não há sentido algum em desenvolvermos inúmeras teorias processuais sobre conceitos técnicos se, junto com estes aspectos técnicos que, não fizermos avaliações pontuais do direito material que se pretende preservar ou garantir. Afinal, o direito material e a ciência processual devem caminhar juntos em busca de um só objetivo, que é a outorga da prestação jurisdicional.

Atento a este ponto, José Roberto dos Santos Bedaque282 lembra que a

garantia de ingresso em juízo – também denominada de garantia da inafastabilidade da tutela jurisdicional – não se limita a assegurar tão somente o acesso. Para que se tenha o devido respeito ao plano constitucional, o princípio da inafastabilidade precisa ser compreendido a partir do texto constitucional, de forma mais abrangente possível, de modo que se possa “[...] considerar ali estampada a garantia de acesso a uma tutela jurisdicional adequada às diversas espécies de direitos previstos no plano substancial, hábil a protegê-los de maneira efetiva [...]”.

José Carlos Barbosa Moreira283, sobre o escopo instrumental do processo,

diz que:

Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e assim por dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material.

Há uma nítida relação de interdependência nesse sentido, uma vez que o processo puro, sem a contextualização do direito material, é mera ciência vazia, sem alma. Enquanto isso, o estudo do direito material, sem o conhecimento profundo sobre como fazer valer o direito, também de nada serve. O processo, como instrumento efetivo284, é o meio pelo qual o Estado poderá (deverá) intervir para que

282 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. Influência do Direito Material Sobre o

Processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 100-101.

283 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo.

São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 27, n. 105, jan./mar. 2002, p. 181.

284

“É reconhecida por todos a natureza instrumental do processo diante dos direitos que visa a assegurar em juízo. A instrumentalidade, como „marca‟ do processo, leva a que dele se espere resultado absolutamente compatível com o objetivo perseguido pela parte que vai a juízo. Resultado diverso, isto é, que não respeite a máxima de que o processo deve proporcionar à parte exata e precisamente aquilo que ela obteria se do processo não necessitasse ( i.e., se a obrigação fosse pela outra parte cumprida espontaneamente), determina a „frustração‟ do sistema. No caso brasileiro, é imperioso destacar o constante (ao menos nos últimos anos) esforço do legislador, voltado a inserir no sistema processual civil, mecanismos voltados ao alcance da efetividade do processo, assim como a aperfeiçoar outros, preexistentes.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a

os jurisdicionados possam fruir os benefícios advindos dos direitos que integram a nossa sociedade.285

Se há uma relação de interdependência entre a ciência processual e as demais ciências do direito que integram a esfera do direito material, não há que se permitir, ainda mais nos dias de hoje, que o Poder Judiciário possa se ocupar com tantas questões técnicas que são trazidas pelas partes, no que tange à má utilização do processo. Nesse sentido, o grande erro do CPC de 1973 pode ser assim entendido: a ciência processual, que à época, por tratar-se de uma grande inovação e suscitar muita expectativa no meio jurídico, passou a ser estudada e desenvolvida por importantes doutrinadores. Foi o momento em que se fomentou a discussão sobre várias controvérsias acerca dos conceitos e aplicações dos novos institutos processuais trazidos ao meio jurídico.

Os debates técnicos, que nunca deveriam ter saído da academia, invadiram os nossos tribunais e, assim, tiraram totalmente o foco do Poder Judiciário, que deveria estar preocupado em facilitar a outorga da prestação jurisdicional e, pela via indireta, defender os nossos valores constitucionais.

Os problemas ocorreram e ainda ocorrem em todas as fases do processo. Na fase de conhecimento, vemos uma série de práticas abusivas adotadas por ambas as partes: o autor, quando manipula a verdade dos fatos e o réu quando abusa das suas prerrogativas e do seu direito de defesa. Na fase recursal, inúmeros recursos são interpostos de forma indiscriminada e protelatória. Na execução286,

práticas processuais retardam a outorga da prestação jurisdicional e demonstram a ocorrência de fraudes à execução, em total desrespeito ao Poder Judiciário.

É lógico que o processo de hoje não é o mesmo processo civil de 1973 e que várias modificações legislativas já foram feitas, especialmente, com o objetivo

285 Segundo a tradicional lição de Chiovenda,

“II processo deve dare perquanto è possible praticamente a qui ha um dirrito tutto quello e próprio quello ch‟egli ha dirrito di conseguire.” CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processuale civile. Volume primo. Milano: Giufrè, 1993. p. 110.

286

A propósito, escreve Rodrigo Baroni: “O procedimento executório, previsto no Código de Processo Civil, mostra-se estruturado de forma inadequada, desprovida de mecanismos apropriados para assegurar, amplamente, o êxito da execução, em período razoável de tempo. No campo da execução de sentença condenatória, o problema ganha contornos especiais: o litigante vencedor não raras vezes tem de submeter-se a longos anos de discussão para ver reconhecido seu direito. Quando finalmente obtém a condenação do adversário, é obrigado a iniciar um novo processo – muitas vezes mais penoso que o primeiro – para alcançar a satisfação de seu direito”. (Cumprimento de sentença: primeiras impressões sobre a alteração da execução de títulos judiciais. In: ARRUDA ALVIM, Teresa (Coord.). Aspectos polêmicos da nova execução, 3: de títulos judiciais – Lei 11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 531).

de tornar o processo um instrumento mais sincrético e mais sintonizado com o direito material tutelado.

Como exemplo de importantes modificações operadas no atual CPC, podemos citar o fim do “processo de execução”, que deu ensejo à criação de um só processo – sincrético – com a fase de cumprimento de sentença.

Arlete Inês Aurelli287 corrobora:

[...] com certeza, a principal e mais marcante alteração trazida pela Lei 11.232, de 22.12.2005, com relação à execução de título judicial, foi transformar o que antes eram dois processos autônomos, distintos e independentes em um único processo, com duas fases: uma de conhecimento, outra de execução. O legislador determinou o cumprimento de sentença sem a necessidade de instauração formal do processo executivo (sine intervallo).

Estamos caminhando cada vez mais para a construção de um modelo de processo civil instrumental e dinâmico, a ser utilizado de acordo com a urgência e a especificidade do direito material. Não há mais espaço para a manutenção de vaidades doutrinárias sobre a ciência processual, especialmente no âmbito dos tribunais. Nesse sentido, torna-se imprescindível uma maior conscientização dos magistrados, para que possam reavaliar o real escopo que o processo deve ter e, desta forma, atuar com foco na plena integração dos institutos processuais com o direito material em si.

Essa é a colaboração que os magistrados podem dar à sociedade288. Na condução do processo, deverão coibir qualquer prática que não seja a da utilização da técnica para o bem, de acordo com os nossos preceitos constitucionais. O espírito participativo dos magistrados precisa influenciar as partes e seus advogados

287 AURELLI, Arlete Inês. As principais alterações no regime da execução por quantia certa contra

devedor solvente referente a título judicial, trazidas pela Lei 11.232, de 22.12.2005. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord). Aspectos polêmicos da nova execução, 3: de títulos judiciais – Lei 11.232/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 23-43.

288

“[...] a ampliação das competências do Poder Judiciário, com reconhecimento de seu papel político, é um fato já reconhecido ao final do século vinte. Muitos Juízes temem a responsabilidade que decorre desse novo papel, preferindo apegar-se a concepções formalistas e comportar-se como aplicadores automáticos da lei escrita, em seu sentido literal. É inegável que a nova exigência posta perante os juízes implica uma nova concepção do próprio Judiciário, mas, de fato, as origens históricas e a fundamentação sociológica e filosófica da magistratura não justificam e nunca justificaram o apego ao estrito formalismo. Agora, mais do que nunca, é indispensável que os juízes participem ativamente das discussões a respeito do seu papel social e procurem, com serenidade e coragem, indicar de que modo poderão ser mais úteis à realização da justiça.” DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes, p.166.