• Nenhum resultado encontrado

1.3 Objetivos

2.2.4 Processos culturais

Pensar no processo de mundialização na metrópole também implica considerar os usos que se fazem dos espaços urbanos e seus artefatos culturais. Assim, podemos tratar dos “usos culturais” da cultura, termo cunhado pelo geógrafo Ulpiano T. B. de Meneses (1996), e pensá-los como determinantes na caracterização do espaço e da paisagem urbana. O termo “usos da cultura” não implica uma ideia objetiva e reiicada de cultura, pois a cultura não é externa ao sujeito, mas onipresente, incorpora-se à vida social.

A Sociedade formulou conceitos restritivos e deformantes de cultura, de valores culturais, de bens culturais, que se projetam também num certo tipo especíico de “uso”, restritivo e deformador, ainda que apresentado como nobilitante, mas, na realidade, desqualiicador de outros usos e funções (ME- NESES, 1996, p. 88).

Este enfoque prioriza a ação do homem, entendendo-a também como pensamento, ideia propulsora de outras ideias e ações que implicam os usos e transformações no espaço, considerando nele a natureza, a paisagem e a própria evolução da sociedade.

A cultura está no universo da escolha, do sentido. Ou seja, a problemática da cultura está inserida na produção, no armazenamento, na circulação, no consumo, na reciclagem, na mobilização e descarte de sentidos e signiicações aos valores. Dessa maneira, a cultura engloba aspectos materiais e não-materiais e é condição de produção e reprodução da sociedade. Neste sentido, a paisagem, na sua condição material e imaterial, fará parte de um complexo jogo sobreposto da construção e destruição de valores. Como dissemos, o universo da cultura não é espontâneo, não se cria por si só, mas pressupõe a ação social e consecutivamente uma mediação política. Isto porque os diferentes mecanismos de identiicação de objetos culturais podem acarretar valores conlituosos,

necessitando, portanto, de uma instância de poder.

O espaço público, nesta discussão, também é, material e imaterialmente, um objeto cultural e sofrerá as deformações necessárias que vierem de sua valoração especíica, seguindo a lógica do período “técnico-cientíico informacional” (SANTOS, 2006). Assim, a discussão da preservação do espaço público também engloba o debate dos valores e usos culturais que se coniguram na metrópole. A pergunta permanece: se atingirmos valores homo- gêneos de preservação do espaço, mesmo assim o caráter coletivo e democrático permanecerá?

Não obstante, o valor cultural não está nas coisas, mas é produzido no jogo concreto das relações so- ciais. A história demonstra a oscilação de gosto e de critérios de valorização e de consumo – os sistemas estéticos, também perceptivos, são historicamente construídos. Dessa forma, para que os valores e sentidos culturais tenham existência social, eles precisam se manifestar, sensorialmente, e daí a relevância do chamado patrimônio cultural, para ser identiicado e entendido. Cuidado, porém, deve ser tomado para não dar valor à coisa, ao objeto somente. A relevância está nas relações da sociedade com as coisas e dos homens entre si, senão se cai na fetichização dos objetos. Esse processo aliena os indivíduos da relação sociedade-natureza, ou simplesmente do homem com o espaço. Por essa razão, as políticas culturais devem dizer respeito à totalidade da experiência social e não apenas à segmentos privilegiados. A fruição do espaço e da paisagem urbana deve ser, portanto, de todos de forma que suas categorias culturais não passem perto da escala do supérluo, do efêmero, mas daquela da necessidade, quase da necessidade orgânica.

O adjetivo cultural poderia ser empregado como sendo “o que responde a uma necessidade conforme um sentido e um valor” (MENESES, 1996). No entanto, tomamos a cultura como um segmento compartimentado, privile- giando, por exemplo, os centros culturais, implicando de cara nos espaços públicos periféricos desprivilegiados e não numa totalidade da vida social. Neste embate, o espaço público também perde relevância, pois seus usos são relegados quase a pó, perdendo referencial cultural e ganhando cenas ilícitas. As políticas culturais poderiam, ao invés de adotar sempre políticas museológicas e institucionais (como o teatro, a música, o cinema, etc.), aplicar uma dimensão cultural nas políticas de habitação, de saúde, de transporte, nas políticas econômicas, previdenciárias, etc. Nessa medida, a utilização do espaço e da paisagem ganharia pluralidade e contribuiria para uma produção

cultural crítica e não segmentária. O aprimoramento cultural dos indivíduos se daria nos diferentes momentos da vida, nos diferentes lugares da metrópole, dando ênfase aos espaços públicos e na noção de coletividade. Estaria nossa pesquisa alinhada neste caminho?

Obviamente, a sociedade de massas e a indústria cultural segregam e fragmentam seus raios de ação, for- mando verdadeiros guetos culturais com seus respectivos consumidores culturais. Por onde viria o fomento desse uso cultural de que estamos falando?

Acredito que a melhor forma de neutralizar esta redutora conceituação de uso cultural e abrir espaço para irrigar todo o tecido vivo da existência é fazer com que a ação cultural passe, precisamente, pelos terrenos mais importantes dessa mesma existência. Dois eixos assim me parecem prioritários: o cotidiano e o trabalho. Políticas culturais, programações culturais, equipamentos culturais, criação cultural e seja mais o que for, que passe à margem desses dois eixos, passará também a margem daquilo que, em nossa vidas, importa mais que tudo qualiicar culturalmente. (MENESES, 1996, p. 97)

A partir deste enfoque, o espaço público urbano e suas paisagens ganham destaque, pois compreendem o lugar do cotidiano e, direta ou indiretamente, o do trabalho. Como poderia o espaço público alavancar a ação cultural para uma existência menos redutora? Estaria a qualiicação do espaço público, sendo este palco de um cotidiano e de um trabalho que não coisiicam a natureza e são responsáveis por usos culturais da cultura menos massiicantes, somente no âmbito da política? Seria possível pensar nos usos culturais desejados a partir de pro- jetos pedagógicos e participativos no espaço público, fomentando as transformações e preservações que seus fruidores almejam?

Documentos relacionados