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3 CORRUPÇÃO, PROBIDADE E CONTROLE PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS

3.3 A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO CONTROLE DA

3.3.2 Processos de fiscalização

Os Tribunais de Contas, como visto, têm competência amplíssima para o deslinde de certas questões, dentre as quais se destaca, sem sombra de dúvida, as prestações de contas. Contudo, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, por imposição constitucional, os procedimentos destes órgãos não devem se restringir a estes procedimentos, nem somente a uma análise acerca das peças contábeis e orçamentárias da gestão de certo ente público. Neste ponto, ganham destaque os instrumentos de fiscalização.

Em alguma medida, as Cortes de Contas possuem uma atividade preventiva e segundo consta no “Mapa Estratégico do TCU”35, estão entre suas prioridades o combate à corrupção, o

desvio e a fraude, com o fim de punir os responsáveis efetiva e tempestivamente, coibindo,

34 Esta é uma tentativa de compilar em categorias as diversas atribuições outorgadas pela Constituição. Lucas

Furtado (2013, p. 897-899) fala em seis funções somente: (i) opinativa; (ii) fiscalizadora; (iii) de julgamento de contas; (iv) de registro; (v) sancionadora; e (vi) corretiva.

assim a ocorrência de novas fraudes e desvios. Deste modo, as funções repressiva e preventiva combinam-se, na medida em que os Tribunais de Contas buscam detectar e estancar as irregularidades na gestão da coisa pública - circunstância em que se tornam imprescindíveis os procedimentos de fiscalização.

Dentre eles, Lucas Furtado (2013, p. 916-922) destaca alguns que são utilizados pelo TCU e que optamos por agrupar da seguinte forma: (i) auditorias e inspeções; (ii) denúncias e representações; (iii) levantamentos, acompanhamentos e monitoramentos.

As auditorias36, previstas no art. 239 do Regimento do TCU, podem ser lidas sob um

sentido amplo (e neste caso se refeririam a instrução de qualquer processo no TCU) ou num sentido estrito, como “o mais completo instrumento de fiscalização do Tribunal, em que se buscam as causas da ilegalidade ou da deficiência de desempenho e são apontadas as possíveis soluções para a correção dos problemas identificados” (FURTADO, 2013, p. 917). Assim, elas, sempre provocadas pelo TCU ou pelo Congresso, podem ser auditorias de conformidade (em que se verifica a adequação dos atos administrativos diante do ordenamento jurídico) ou operacionais (em que se verificam a efetividade ou a eficácia de programas e ações governamentais). De outro lado, as inspeções, previstas no art. 240 são meios de instrução utilizados pelo TCU, com o fim de suprir omissões, esclarecer dúvidas ou apurar denúncias.

De que maneira haveria utilidade das auditorias para a fiscalização de atos de corrupção e/ou improbidade? Parece claro haver a necessidade de que estas situem-se além da mera verificação documental, que guarda importância, mas não é suficiente.

Neste sentido, o grande desafio dos Tribunais de Contas é avançar para além das “auditorias de conformidade”, em que há a desqualificação do ato por considerações a respeito de sua correspondência e legitimidade/legalidade diante do ordenamento, para que se verifique efetivamente, por meio de corpos técnicos especializados (e neste sentido, hão de participar economistas, contadores, arquitetos, engenheiros), com o intuito de detectar situações de fato (p.ex.: se uma obra está sendo efetivamente executada ou não) e ainda acompanhar detidamente ações e programas de governo.

Com este intuito, o TCU demonstrou grandes avanços nas últimas décadas, de como

36 O sentido mais amplo do termo abrangeria as duas espécies, cf. Ana Maria Botelho (2013, p. 145), ao citar a

definição da International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI): “A auditoria é o exame das operações, atividades e sistemas de determinada entidade com vistas a verificar se estes são executados ou funcionam em conformidade a determinados objetivos, orçamentos, regras e normas”.

traz exemplos Zymler (2013, p. 199-203), dentre os quais se pode mencionar as auditorias realizadas em agências reguladoras (Aneel, Anatel e ANP), no início da década passada. Estes procedimentos inicialmente tiveram o fim de “conhecer a organização e a forma de atuação de cada uma das agências reguladoras” e, posteriormente, enfocando o desempenho das atividades de fiscalização dos órgãos sobre os concessionários. Nestes casos, o TCU agiu de vigilante do vigilante, com o fim de incrementar a prestação de serviços públicos prestados por terceiros – uma atividade que certamente não é a primeira que se vem à mente quando se pensa numa “Corte de Contas”.

As auditorias e inspeções também são úteis na detecção de sobrepreços (estes não necessariamente indicam corrupção, mas podem indicar má gestão e atos de improbidade), além de verificar o cumprimento de contratos, execução de obras, entre outros. Um exemplo é trazido por Ana Maria Botelho (2010, p. 149), quando informa que, a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 1997 “[...] vem sendo determinado ao TCU que realize fiscalizações nas principais obras contempladas no Orçamento Geral da União”. Segundo Botelho (2010, p. 149- 153) estas ações tiveram por consequência a eliminação de sobrepreço constante nos orçamentos de diversas obras (BOTELHO, 2010, p. 149-153).

Uma outra figura de fiscalização é a da denúncia. O art. 53 da Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8443/92), concretizando o comando constitucional já mencionado do art. 74, §2º, dá vazão a que qualquer cidadão acesse o Tribunal de Contas, apresentando denúncia que deve ser processada no âmbito da Corte, e só depois publicizada. O STF, no julgamento do MS nº 24405- DF (Rel. Min. Carlos Velloso), entendeu que a manutenção do sigilo em relação ao autor da denúncia era incompatível37, após a devida tramitação na Corte.

Note-se que o processo guarda um caráter inicialmente interno, por expressa previsão do art. 75 da LOTCU e somente após a apuração (como num inquérito), é que é aberto ao público seu conteúdo. De toda forma, o TCU criou uma ouvidoria, evitando que esta compreensão da Suprema Corte quanto à vedação ao anonimato prejudique seu trabalho investigatório.

Esta modalidade de provocação é útil, na medida em que pode trazer informações que a fiscalização ordinária do TCU não alcança. Um modo típico de desbaratar os chamados

37 A decisão é criticada por Lucas Furtado (2013, p. 919), pois entende que a publicidade vincula a

Administração, não quem a provoca. Além disso, entende que o bem jurídico da preservação da coisa público mereceria melhor tutela nessa decisão. Uma outra decisão mais próxima a este sentido é a do MS nº 24369-DF, relatado pelo Min. Celso de Mello

“esquemas de corrupção” são as informações internas, vindas de pessoas que ou participavam do conluio delitivo ou dele tinham conhecimento, por guardarem proximidade nas relações (um funcionário público ou um empregado de pessoas jurídicas ou físicas envolvidas nas manobras ilícitas).

As representações nada mais são do que as denúncias feitas por autoridades previstas no Regimento Interno do TCU (Ministério Público, órgãos de controle interno, parlamentares, juízes, servidores públicos e outros). Existe uma previsão de representação também na Lei de Licitações, no art. 113, §1º, voltada a apontar irregularidades em licitações e contratos públicos.

Por fim, o levantamento é um meio de identificação da estrutura e dos bens do órgão fiscalizado, o acompanhamento é um exame ou avaliação contínua de certos setores da Administração, enquanto o monitoramento verifica o cumprimento das deliberações do próprio TCU. Estas três figuras estão previstas nos arts. 238 a 241 do Regimento Interno do TCU e podem ser identificadas como preparatórias a uma fiscalização mais precisa. Na verdade, a própria complexidade da Administração Pública (inclusive com as pessoas jurídicas privadas que desempenham papéis públicos) impele às Cortes de Contas para que se inteirem de como funciona a organização da máquina, passo essencial para que se percebe a ocorrência ou não de desvios.

Acerca do caminho processual no TCU, ele encontra-se demarcado entre os artigos 144 e 187 do seu Regimento Interno: ali há a caracterização de partes, terceiros interessados, o modo como são distribuídos os processos, a produção de provas, apresentação de defesa, manifestação do Ministério Público de Contas e a decisão, além de uma série de dispositivos que normatizam a nulidade, o arquivamento, notificação, prazos, dentre outras minúcias processuais.

Os instrumentos e meios utilizados pelos Tribunais de Contas no Brasil variam muito, embora todos tomem o TCU como referência. No caso do TCM/BA, a Lei Orgânica é genérica a respeito da fiscalização exercida pelo Tribunal, prevendo somente a figura da Denúncia, nos arts. 80 a 87 do respectivo diploma. A diferença desta para a prevista no Tribunal da União é a vedação ao anonimato do art. 82, parágrafo único. Contudo, há previsão em Resolução (nos arts. 22 e 23 da Resolução nº 1225/06) de uma figura diferente, o “Termo de Ocorrência”, que é uma espécie de denúncia feita pela área técnica do Tribunal, especialmente aqueles lotados nas Inspetorias Regionais, que acompanham com maior proximidade as gestões municipais.

Além disso, no TCM baiano, com base no art. 91, VII, da Constituição Estadual e no art. 1º, VII, da Lei Orgânica, que dá competência à Corte para “realizar inspeções e auditorias

de natureza contábil, orçamentária, operacional e patrimonial, inclusive quando requeridas pelo Poder Legislativo Municipal e por iniciativa da comissão técnica ou de inquérito”, existem procedimentos com este intuito. Assim, tomadas em sentido amplo, como se refere Lucas Furtado (2013, p. 916), ora as auditorias são realizadas em processos de contas, denúncias ou em termos de ocorrência, ora são realizados em autos apartados, com o intuito de verificar alguma situação, obra ou ato administrativo, com um regramento pela Resolução nº 1259/07. Neste ponto, a despeito de haver previsão regimental no intuito de disseminar as auditorias, com as mais diversas finalidades, em um planejamento anual prévio, ainda parecem carecer de maturidade os procedimentos na Corte de Contas local, na medida em que a falta de uma periodicidade na atividade resulta por não criar um histórico de procedimentos e, pode-se dizer, uma cultura de constante fiscalização, para além da auditoria de conformidade. Visto os processos de fiscalização, passamos à verificar como funcionam os processos que carregam nome similar aos das instituições: os de contas.