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4 PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DA INFORMAÇÃO ELEITORAL NO

4.4 DURANTE O GOVERNO MILITAR

4.4.1 A produção e circulação da informação durante o regime militar e a utilização das

Durante essa fase, segundo Prado; Ortiz; Weiss (2014, p. 79), a informação era manipulada por meios oficiais e a resistência ao regime que implantara formas legais de restrição à liberdade de expressão seria enfrentada com a produção e circulação da informação pelos meios culturais. Acentuam que assim a resistência pela cultura deu lugar ao surgimento de obras que traduziam o inconformismo da nação. Usada como meio de circulação da informação nesse auge da evolução política brasileira a literatura e as artes híbridas representadas pelo teatro, o cinema e a música eram os maiores alvos da ferramenta política utilizada contra essas manifestações culturais durante o regime militar, a censura. Petillo (2013, p.186) acentua que “Juca Chaves foi um dos primeiros subversivos a enfrentar a censura com suas sátiras”. Vale aqui, a observação de Castro (2014, p. 1), ao explicar que “eram chamados de subversivos todos os que se contrapunham ao regime por entenderem os militares que, pela via revolucionária, estes se manifestavam através da subversão da ordem existente”. Outro relato nos confirma que

[...] após o regime militar baixar o AI-5, os „subversivos‟ Gil e Caetano foram presos em SP e levados para o Rio, em dezembro de 1968. Pela via Dutra, no camburão, os dois ouviam no rádio notícias sobre a viagem da Apollo 8, primeira missão tripulada a orbitar a Lua. Na prisão, um „cortês, refinado‟ sargento Juarez, ofereceu a Gil um violão. Com o instrumento, o músico compôs na cela, em 15 dias, quatro canções: "Cérebro Eletrônico", "Vitrines", "Futurível" e outra que ficou apenas no esboço, pois ele esqueceu. (REVOLUÇÃO, 2014, p.1).

Sobre Caetano Veloso, preso com Gil, é dito que antes de ir para o exílio em Londres sofreu pressão para compor uma música sobre a Transamazônica. Por sua vez, Clara Nunes, que havia gravado Apesar de Você, de Chico Buarque, foi obrigada a cantar o Hino das Olimpíadas do Exército para provar que não conhecia a verdadeira intenção da letra. Isso porque, essa música, segundo histórico registrado por Mello (1998, p.1), Chico Buarque compôs com a plena convicção de que a canção seria vetada. Porém, para sua surpresa, a composição foi liberada pela censura. Como a canção virou mania nacional, a cantora Clara Nunes regravou-a em 7 de janeiro de 1971. Segundo o autor, a artista acreditava que a letra tinha como tema uma briga entre namorados. No entanto, ele afirma que em fevereiro de 1971, o jornalista do Tribuna da Imprensa, Sebastião Nery, em uma nota de sua coluna escreveu acerca da música onde comentou que seu filho e os colegas dele cantavam Apesar de

você como se estivessem cantando o Hino Nacional. Isso foi o bastante para que os censores atinassem para o verdadeiro teor informacional da canção. (PASSOS, 2014, p.1).

A autora ainda acrescenta que isso rendeu a Nery uma intimação para depor na polícia e, ao censor, foi infringida uma punição por não ter compreendido o teor da mensagem contida na letra da canção antes de aprová-la. Chamado para depor, em um interrogatório, “Buarque foi indagado sobre quem era o você da letra da canção no que, simulando tratar-se de uma “proposta vaga de comunicação”, o compositor teria dito: „É uma mulher muito mandona, muito autoritária, teria respondido o cantor‟. (PASSOS, 2014,p.1).

Neste ponto de encontro entre o fato narrado e o do tema proposto para este trabalho, vemos uma vertente importante de reflexão dentro da análise semiótica quando

[...] Peirce considera que o vago é um componente próprio à comunicação. Segundo Chauviré, o vago „afeta os enunciados de um diálogo no qual cada um dos dois participantes sabe (ou pressupõe) que o outro conhece tudo isto que é necessário para compreender o que ele diz; se trata então de um vago reduzido pelo conhecimento do contexto linguístico e extralinguístico‟ (CHAUVIRÉ, 1995, p.18). O vago está sempre referido à existência de indivíduos precisos e envolve, sobretudo, a impossibilidade de determinar as condições de verdade de uma ocorrência ou proposição. Seu correlato é justo o conhecimento prévio ou colateral, não apenas no sujeito interpretante, mas também como saber suposto no outro envolvido na troca comunicativa. (CARDOSO, 2012, p. 3).

Segundo Petillo (2013) nesta confluência entre a censura e os movimentos de resistência, a música tornou-se destaque como tipo de interpretante na informação do cidadão brasileiro durante o regime militar. E aliado a esses movimentos, segundo Mello (2014, p1.), “surgiram as músicas de festival que passaram a ter como bordão o protesto contra a ditadura militar, com um profundo diálogo entre compositores de festival e a classe universitária”.

Petillo (2013) apresenta como exemplos desses movimentos de resistência trabalhos como:

A música Cálice, lançada por Chico Buarque em 1973, que faz alusão à oração

de Jesus Cristo dirigida a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim

este cálice”. Para quem lutava pela democracia, o silêncio também era uma forma de morte. Para os ditadores, a morte era uma forma de silêncio. Daí nasceu a ideia de Chico Buarque: explorar a sonoridade e o duplo sentido das palavras “cálice” e “cale-se” para criticar o regime instaurado. Trecho:

“Como é difícil acordar calado/Se na calada da noite eu me dano/Quero lançar um grito desumano/Que é uma maneira de ser escutado/Esse silêncio todo me atordoa/Atordoado eu permaneço atento/Na arquibancada pra qualquer momento/Ver emergir o monstro da lagoa/Pai, afasta de mim esse cálice/De vinho tinto de sangue”. (Gilberto Gil e Chico Buarque).

 Já a música Acender as velas, lançada em 1965, considerada uma das maiores composições do sambista Zé Keti, inclui-se entre as músicas de protesto da fase posterior a 1964. A letra deste samba possui um impacto forte, criado pelo relato dramático do dia-a-dia da favela. Faz uma crítica social as péssimas condições de vida nos morros do Rio de Janeiro, na década de 1960. Trecho:

Acender as velas já é profissão/ Quando não tem samba/ Tem desilusão/É mais um coração que deixa de bater/[...] Deus me perdoe mas vou dizer/ O doutor chegou tarde demais/ Porque no morro não tem automóvel pra subir/ Não tem telefone pra chamar/ E não tem beleza pra se ver/ E a gente morre sem querer morrer.

 Nos versos “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, Chico Buarque de Holanda encontrou uma forma de driblar a censura. Nas letras da canção, Jorge Maravilha, lançada em 1974, o que parecia uma relação conflituosa entre sogro, genro e filha nada mais era que mais uma de suas músicas. Só que para este trabalho ele usou o pseudônimo de Julinho de Andrade. Na verdade, os versos da canção fazia alusão à família do general Geisel. O general Ernesto Geisel (1907-1996) foi o quarto presidente da república no regime militar. Geisel odiava Chico Buarque. No entanto, a filha do militar manifestava interesse pelo trabalho do compositor. Trecho: E como já dizia Jorge Maravilha / Prenhe de razão / Mais vale uma filha na mão / Do que dois pais voando / Você não gosta de mim, mas sua filha gosta.

 Para fechar, Sérgio Sampaio “botou seu bloco na rua” com um compacto produzido pelo seu amigo Raul Seixas. Petillo (2013, p. 239) atesta que aquela letra “falava diretamente aos corações de todos que viviam sob o manto pesado da ditadura”. Letra: Há quem diga que eu dormi de touca / Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga / Que eu caí do galho e que não vi saída / Que eu

morri de medo quando o pau quebrou / Há quem diga que eu não sei de nada / Que eu não sou de nada e não peço desculpas / Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira / E que Durango Kid quase me pegou / Eu quero é botar meu bloco na rua / Brincar, botar pra gemer.

Petillo (2013, p. 186) lembra o Festival da Canção Popular realizado no Maracananzinho e transmitido pela TV Record em 1966 no qual, um “Caetano Veloso enfurecido”, após defender a canção É proibido proibir, encerrou sua apresentação com um discurso contundente no qual dizia: “Vocês não estão entendendo nada. Se vocês forem para a política como são para a estética nós estamos feitos”. No entanto o autor lembra que a canção Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, foi recebida de braços abertos tornando-se um clássico “e maior hino antirrepressão da época”. Porém, o que este pesquisador destaca como a música que recebeu a crítica mais sagaz foi a experimental Gotham City, de Jards Macalé. Trecho:

Aos 15 anos eu nasci em Gotham City / E era um céu alaranjado em Gotham

City / Caçavam bruxas no telhados de Gotham City / No dia da Independência Nacional / Cuidado! Há um morcego na porta principal / Cuidado! Há um abismo na porta principal / Eu fiz um quarto bem vermelho em Gotham City / Sobre os muros altos da tradição de Gotham City / No cinto de utilidades, as verdades, Deus ajuda / A quem cedo madruga em Gotham City. (PETILLO, 2013, p. 187)

Sobre esses versos, fortemente vaiados pelo público, Petillo (2013, p. 187) enfatiza que da informação contida no texto “eles não entenderam nada”.

Não entenderam o que Mello (2014) admite como uma manifestação de informação cultural através da música que exerceria uma pressão de proporções inéditas, confrontando-se

em uma arma jamais utilizada em confrontos semelhantes: canções cuja munição estava nas

letras dos compositores de festivais. Para o autor a juventude universitária transformou-se em “uma facção da sociedade brasileira que se levantou contra o amordaçamento da democracia no país”. Inclusive ele lembra que há uma música dessa época intitulada Mordaça, que fez parte do repertório do disco, O importante é que a nossa canção sobreviva, de Márcia, Paulo Cesar Pinheiro e Eduardo Gudin.

No teatro, em 1968, atores levantavam suas bandeiras com manifestações todas as vezes que suas peças eram censuradas. A atriz Cacilda Becker liderava essas manifestações. No Rio de Janeiro e em São Paulo as peças “Um bonde chamado desejo”; “Senhora Boca do

Lixo” e “Poder Negro” foram proibidas gerando uma greve de 72 horas. Companhias de teatro resistiam apoiadas pelo Centro Popular de Cultura (CPC) criado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1961. A UNE foi extinta em 1964. Entre um dos nomes que se destacaram em meio a essas mobilizações estava o do diretor do Teatro de Arena de São Paulo, Augusto Boal. Ele adotara uma “linguagem popular, crítica e mobilizadora, que daria origem, em 1971, ao Teatro do Oprimido”. (REVOLTAS, 2014, p. 60).

É reconhecido que peças como o “Rei da Vela” tornou-se um marco nessa época. Mas “Roda Viva”, de Chico Buarque, apresentada em 1968, apresentado no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, é que tem sido escolhida como um marco do desafio do teatro nesse período “pelo seu teor informativo junto às massas”. A peça, que já fizera sucesso no Rio de Janeiro, sofreu em sua apresentação do dia 18 de julho de 1968, uma quinta-feira, em São Paulo, ataques do Comando de Caça aos Comunistas que teve até a presença de cinco atiradores de elite. (REVOLTAS, 2014, p. 50).

Na televisão, novelas como Roque Santeiro, de Dias Gomes, “foi proibida dias antes de ir ao ar, em 1975; Selva de Pedra foi toda podada e O casarão, exibida em época de eleição, foi enquadrada na Lei Falcão”, a lei que regulamentava a propaganda eleitoral. A censura da época presumiu que “a novela tinha mensagens subjetivas de apoio a candidatos de

oposição”. (BUENO, 2010, p, 412).

Ora, imaginemos que naquela época já havia essa especulação, tal e qual hoje, quando

controvérsias foram criadas a partir da novela “Geração Brasil', estreada em 2014, na TV Globo, e que proveu este material representado na imagem abaixo amplamente circulado nas redes sociais. Tudo começou, quando alguns simpatizantes do Partido dos Trabalhadores (PT) afirmaram que o título da novela, escrito com letras e números (G3R4Ç4O BR4S1L), esconderia uma mensagem subliminar. Segundo esses reclamantes, este procedimento estaria beneficiando o Partido Socialista Brasileiro (PSB), cujo número de legenda oficial é 40, e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cujo número é 45.

Figura 25 – Logomarca da novela Geração Brasil Globo 2014

Em primeira investigação desta controvérsia, torna-se necessário lembrar que

[...] o problema de toda análise semiótica é que, se tomarmos o objeto de forma isolada, todas as análises podem se cancelar como meras interpretações subjetivas: se todo signo cria uma imagem mental no interpretante, logo o que estamos vendo poderia ser apenas o signo de outro signo da realidade – e o que é “realidade” para a Semiótica é uma questão metafísica, já que seu interesse é puramente pragmático: entender as significações obtidas de acordo com a posição relativa do interpretante. Para superar esse problema do relativismo das interpretações, nada como sair um pouco da escola norte-americana de Charles Pierce e entrarmos na velha e boa escola linguística da semiologia francesa de Roland Barthes. Para ele, os significados e as intencionalidades de quem está significando (os “emissores”) devem ser confrontados com duas técnicas: a da “recorrência” e o chamado “teste de comutação”. Recorrência busca repetições, padrões, que por serem recorrentes vão além da mera coincidência, tornando-se um fato linguístico de significação, um sentido. (FERREIRA, 2014. p.1).

Finalmente, no cinema, obras como a de Glauber Rocha, Terra em transe, Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos e Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, mostravam a condição da “sociedade brasileira da época”. (REVOLTAS, 2014, p. 60).

Por outro lado, enquanto no primeiro período do governo Vargas foi criado um órgão cujo principal objetivo era o controle da informação, no mesmo ano da deflagração da revolução, 13 de junho de 1964, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI). Com o objetivo de supervisionar as atividades de informações no Brasil, sua origem estava no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, fundado por uma parcela dos empresários de São Paulo e do Rio de janeiro em meio aos anos instáveis de 1960, com articulação inicial em 1961, a saber, assim que João Goulart assumiu a presidência. Seu idealizador, o General Golbery do Couto e Silva, chegou a compor, aproximadamente, em seus fichários, três mil dossiês com as informações das principais lideranças políticas, sindicais e empresariais do país. Para muitos pesquisadores ele foi o grande artífice da Revolução. (REVOLTAS, 2014).

No entanto, Prado; Ortiz; Weiss (2014, p. 78) argumentam que esse mesmo general e ministro da casa civil dos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo, “chegou a seu ocaso dando o tom e o ritmo da distensão para o caminho da abertura: „Lenta, gradual e segura‟”. E ainda admite que o general manteve-se como interlocutor de órgãos representativos da sociedade civil, como a “Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), presididas respectivamente por Raymundo Faoro e Barbosa Lima Sobrinho. Conteve os extremistas de direita e manteve o País no caminho da redemocratização”.

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