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A eletrólise da água1 é praticada em escala industrial desde o início do século XX, porém com instalações de tamanhos relativamente pequenos. Entre 1920 e o final da década de 30, um grande número de projetos diferenciados para eletrolisadores de grande porte foram desenvolvidos, levando à construção de plantas de até 25.000 m3/h de hidrogênio, as quais utilizavam como fonte de energia a hidreletricidade de baixo custo, disponível no Canadá, na Noruega e em outras localidades, para suprir a produção de amônia para fertilizantes nitrogenados (LeROY, 1983).

A disponibilidade de hidrocarbonetos a baixo custo como alternativa à energia hidrelétrica, em alguns poucos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, fez cessar o desenvolvimento dessas grandes instalações baseadas em eletrolisadores de grande porte. Apenas a instalação de Aswan High Dam foi construída neste período, apresentando no início de sua operação capacidade nominal de produção de 40.000 m3/h de hidrogênio (APOLINÁRIO, 2004).

Somente na década de 70 renasceu o interesse na produção de hidrogênio em grande escala para fins energéticos, com fortes programas de desenvolvimento nos países da Comunidade Européia, Canadá, Estados Unidos, Japão e outros, os quais consideraram a eletrólise da água como um importante processo para a produção de grandes quantidades de hidrogênio. No final da década de 80, as maiores instalações mundiais totalizavam quase 140.000 m3/h de hidrogênio (APOLINÁRIO, 2004).

Atualmente, apenas 4% da produção mundial de hidrogênio é proveniente da eletrólise da água (SILVA et al, 2003). Isto se deve ao custo da eletricidade, que geralmente equivale a dois

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Apesar da descoberta da decomposição eletrolítica da água ter sido observada pela primeira vez utilizando eletrólito ácido, atualmente o eletrólito utilizado em plantas de eletrólise industriais é do tipo alcalino, tal como o hidróxido de potássio (KOH). Esta tecnologia tem a vantagem de ser mais barata e menos suscetível à corrosão quando comparada à tecnologia que utiliza eletrólito ácido. Existe ainda a eletrólise da água utilizando eletrólito sólido, tal como a membrana trocadora de prótons (PEM – Proton Exchange Membrane), a qual está atualmente disponível comercialmente apenas em pequeno porte (ZOULIAS et al, 2004).

terços do custo operacional da produção de hidrogênio, sendo, portanto, mais caro que outros métodos, tais como a reforma a vapor do gás natural.

Considerando o potencial hidrelétrico brasileiro e a possibilidade de excessos de reserva hídrica nos períodos de chuva, o Brasil poderá produzir, no futuro, hidrogênio a partir da eletrólise alcalina da água, por meio do aproveitamento da EVT disponível nas usinas hidrelétricas (NETO, 2005), associada com a energia garantida, de forma a obter um produto economicamente viável (SOUZA, 1998; ESPÍNOLA, 2008).

A eletrólise da água para a produção de hidrogênio é uma tecnologia demonstrada há mais de um século e apresenta diversas vantagens em potencial, tais como a utilização de água e energia elétrica disponíveis localmente, emissões nulas e possibilidade de sinergismo com fontes renováveis (SERRA et al, 2005).

2.1.1.1 Descrição do Processo de Eletrólise

O processo de eletrólise da água consiste na decomposição química da água em seus elementos constituintes, hidrogênio e oxigênio, com a utilização de eletricidade. Para o caso de um meio condutor básico, as reações do processo são as seguintes (ESPÍNOLA, 2008 apud ULLMANN’S, 1989): - No cátodo: − − + + 2(g) (aq) (l) 2O 2e H 2OH 2H Equação 2.1 - No ânodo: (l) 2 2(g) (aq) 2e 12O H O 2OH− − − → + Equação 2.2 - Global: 2(g) 2(g) (l) 2O H 12O H → + ∆H0 =286kJ/mol Equação 2.3

O processo de eletrólise alcalina da água está representado esquematicamente na Figura 2.2.

Figura 2.2: Diagrama simplificado do processo de eletrólise alcalina da água.

Fonte: Adaptação de SILVA (1991).

Utilizando-se os dados da Tabela 2.1 é possível realizar um balanço energético da eletrólise da água. Considerando o processo como sendo reversível, tem-se que a energia elétrica fornecida pelo gerador deve ser igual à variação da energia química do sistema (SILVA, 1991), ou seja:

rev E ∆G N*F*E

E = = Equação 2.4

Onde: ∆G - variação da energia livre de Gibbs (variação da energia química do sistema) N - número de elétrons transferidos na evolução de uma molécula de hidrogênio (N=2) F - constante de Faraday (96.485 C/mol)

EE - energia elétrica necessária

Erev - potencial ideal de decomposição (potencial reversível da eletrólise), que nas condições padrão pode ser expresso como na Equação 2.5.

V 1,229 F * N ∆G Erev = = Equação 2.5

Nestas condições, a energia teórica mínima para a decomposição da água é de 2,94 kWh por m3 de hidrogênio produzido.

Tabela 2.1: Dados termodinâmicos da reação de eletrólise da água nas condições padrões.

Nome Símbolo Valor Unidade

Entalpia da reação ∆Ho298K 286 kJ/mol

Entropia da reação ∆So298K 163 J/mol.K

Energia livre de Gibbs da reação ∆Go298K 237 kJ/mol

Fonte: Espínola (2008) apud Ullmann’s (1989).

Na prática, para que a eletrólise aconteça, a tensão aplicada nos eletrodos (V) deve ser superior ao valor da reversibilidade (Erev). A diferença (V−Erev) se perde por efeito Joule, sendo, desta forma, dissipada na forma de calor irreversível (∆Qi) (SOUZA, 1998 apud SCIENTIA, 1980): F * N ∆Q E V i rev = − Equação 2.6

Quando a célula de eletrólise opera em condições adiabáticas, ou seja, a quantidade de calor fornecida à célula é neutralizada pela energia dissipada sob a forma de calor no eletrólito, a tensão de eletrólise é chamada de tensão termoneutra, que é o potencial mínimo teórico de decomposição. Em condições padrão, a tensão termoneutra é descrita como:

V 1,482 F * N ∆H Eth =− = Equação 2.7

Isto equivale a uma energia mínima para a produção de hidrogênio por eletrólise de 3,55 kWh por m3 de hidrogênio produzido.

A Figura 2.3 mostra a variação da tensão reversível e termoneutra com a temperatura. A eletrólise da água não ocorre para tensões abaixo da tensão reversível (região A). Na região B, a produção de hidrogênio só ocorre se calor for fornecido ao sistema (processo endotérmico). Acima da tensão termoneutra (região C) ocorre a eletrólise e calor é transferido ao meio ambiente (processo exotérmico).

Figura 2.3: Dependência das tensões reversível e termoneutra com relação a temperatura.

Fonte: Apolinário (2004).

Na prática, os eletrolisadores comerciais operam na região C, pois nesta região é possível obter a produção de hidrogênio apenas com o fornecimento de energia elétrica, havendo também a produção de calor devido às irreversibilidades do processo. Termodinamicamente é estabelecida uma tensão mínima para a eletrólise (tensão termoneutra), sendo a diferença entre esta e a tensão de operação da célula eletrolítica conhecida como sobretensão da célula.

De acordo com Silva (1991), esta sobretensão é provocada também pelos seguintes fatores: limitada condutividade do eletrólito em decorrência da concentração de íons próximos aos eletrodos e ao redor dos íons de carga oposta (dupla camada elétrica, camada difusa, etc.), causando uma menor capacidade de locomoção dos mesmos; taxa de reação lenta nos eletrodos, acúmulo de gases junto aos eletrodos reduzindo a área disponível à reação, sendo importante que os gases que se formam sejam retirados rapidamente.

Quando se consideram os fatores de sobretensão, a equação para tensão de operação da eletrolisador fica expressa como:

r) * (i η η E Vop = + c + a + Equação 2.8

Onde: Vop - tensão de operação (aplicada entre os eletrodos) [V] E - tensão mínima teórica (termodinâmica) [V]

ηc - sobretensão no cátodo [V] ηa- sobretensão no ânodo [V] i - corrente elétrica na célula [A]

r - resistência ôhmica de todos os componentes da célula [Ω].

O termo (i*r) se refere à queda de tensão devido à perda ôhmica nas células, dependendo de fatores como: condutividade do meio condutor iônico, distância entre os eletrodos, condutividade do diafragma, condutividade dos eletrodos, resistência de contato entre os componentes da célula, entre outros (SILVA, 1991).

A Figura 2.4 mostra a variação da tensão reversível (região A), perda ôhmica no eletrólito (região B), sobretensão no ânodo (região C), no cátodo (região D) e nos eletrodos (região E) em um eletrolisador unipolar operando à temperatura de 75˚C e tensão de 2,15 V. Pela Equação 2.8 a soma das regiões A, B, C, D e E resulta na tensão de operação da célula.

Figura 2.4: Curva de performance de um eletrolisador unipolar.

Fonte: LeROY (1983).

Segundo Silva (1991), o aumento da temperatura de operação da célula reduz a sobretensão, por outro lado, provoca uma maior evaporação da água do eletrólito, causa o

aumento da corrosão e diminui a resistência dos materiais utilizados na construção das células. Dessa maneira, sua vida útil é reduzida, tornando necessária a pressurização da célula a fim de evitar perda de água e eletrólito por evaporação. No caso de um processo reversível, a energia mínima teórica exigida na pressurização dos produtos da reação de eletrólise é dada pela Equação 2.9 (SILVA, 1991).       = 1 2 P P ln * F * 4 T * R * 3 ∆E Equação 2.9

Onde: E∆ - aumento mínimo de tensão [V] R - constante dos gases

1

P - pressão inicial dos gases [Pa] 2

P - pressão final dos gases [Pa]

A Equação 2.10, a seguir, mostra o consumo específico de eletricidade (We em kWh/m3) em função da tensão de operação da célula, deduzida a partir das afirmações acima e da relação elétrica “Potência = Tensão x Corrente elétrica”.

V * 393 , 2 We= Equação 2.10

A eficiência energética de um eletrolisador é definida como a relação entre o poder calorífico superior do hidrogênio formado e a energia elétrica fornecida ao sistema, desta forma:

op pcs V V

η= Equação 2.11

Onde: Vop - tensão operacional do eletrolisador [V]

Vpcs - tensão correspondente ao poder calorífico superior do hidrogênio que pode ser determinada em função da temperatura [°C] pela Equação 2.12 (LeROY, 1983).

2 8 4

pcs(T,p 1,01bar) 1,4756 2,252.10 T 1,52.10 T

V = = + − + − Equação 2.12

Onde: T - temperatura do processo [°C].

A Equação 2.12 é válida somente para a pressão atmosférica (LeROY, 1983). Nas condições padrão (P = 1,01 bar e T = 25°C), o Vpcs é igual a 1,482 V; então nestas condições a Equação 2.12 pode ser reescrita como:

op V 1,482

η= Equação 2.13

A Tabela 2.2 apresenta a variação da eficiência do processo de eletrólise e consumo de energia do eletrolisador com a tensão de operação nas condições padrão.

Tabela 2.2: Variação da eficiência com a tensão de operação e o consumo de energia por unidade de hidrogênio gerado.

Eficiência (%) Tensão de Operação (V) Consumo de Energia (kWh/m3)*

100 1,48 3,5 96 1,54 3,7 92 1,61 3,8 88 1,68 4,0 84 1,76 4,2 80 1,84 4,4 78 1,90 4,5 76 1,95 4,7 74 2,00 4,8 72 2,06 4,9 70 2,12 5,1 *1 kWh = 3,6 MJ Fonte: Souza (1998). 2.1.1.2 Planta de Eletrólise

A Figura 2.5 mostra o esquema de uma planta de eletrólise com os equipamentos mais importantes. Os componentes principais de uma planta de eletrólise, com exceção do eletrolisador e do retificador, que serão detalhados nas seções 2.1.2 e 2.1.3, respectivamente, são definidos abaixo, de acordo com Silva (1991).

Figura 2.5: Esquema de uma planta de eletrólise.

Fonte: Souza (1998) apud Ullmann’s (1989).

a) Deionizador ou desmineralizador

A água consumida durante a eletrólise tem que ser reposta continuamente, sendo o consumo de aproximadamente 1 L/ m3 de hidrogênio produzido, levando-se em conta as perdas por evaporação. A água deve atingir alta pureza, a fim de evitar problemas de corrosão e acúmulo de substâncias indesejáveis no interior do eletrolisador, mantendo-se a resistividade elétrica inferior a 106 Ω/cm. No desmineralizador, o processo de purificação ocorre por meio de troca iônica, com auxílio de resinas catiônicas e aniônicas.

b) Sistemas de separação de gases

Dependendo do tipo de arranjo, a separação dos gases (H2 e O2) é realizada de maneira diferenciada. Nos eletrolisadores unipolares, os gases são separados no interior das células, emergindo para resfriadores ou separadores que devolvem o eletrólito arrastado para o sistema de alimentação de água das células. No caso dos eletrolisadores bipolares, a separação dos gases do eletrólito é feita fora da célula em resfriados/separados e após esse processo os gases são enviados para os próximos processos e o eletrólito é filtrado e bombeado para o interior do arranjo celular.

c) Armazenamento intermediário

Após serem separados, os gases, quando a baixas pressões, são armazenados em gasômetros a selos d’água ou a pressões altas em vasos de pressão. Os gasômetros mantêm a pressão do gás constante e agem como um equipamento de alívio hidráulico.

d) Sistemas de purificação

Em muitos casos, a aplicação ou o armazenamento final dos gases exige um processo de purificação para retirada de contaminantes do hidrogênio. Os tipos e quantidades de impurezas dependem do processo de produção, da temperatura e pressão de operação das células, bem como da qualidade dos materiais e insumos utilizados. De qualquer forma, os contaminantes mais comuns no hidrogênio são a água, arrastada junto com o gás, e o oxigênio, proveniente da dissolução do oxigênio no eletrólito. Além destes, podem aparecer outros devido à forma de armazenamento, tal como acontece no caso do gasômetro de selo d’água, através do qual ocorre a difusão para o hidrogênio de nitrogênio e gás carbônico do ar. Após deixar o gasômetro, o gás é filtrado e comprimido em um compressor para atingir uma pressão mínima de trabalho para o sistema de purificação. No caso são usados comumente purificadores catalíticos e secadores mecânicos de gás.

O gás é armazenado em reservatórios a alta pressão de saída das unidades de purificação ou pode ser transportado por tubulações a pressões mais elevadas, o que demanda o uso de compressores que não contaminem o gás. No caso de necessidade de manutenção da alta pureza do gás, os compressores de diafragma são aconselháveis.

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