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2.3.5 Produção e caracterização dos lixiviados

2.3.5.1 - Produção de lixiviados e fatores intervenientes

Os lixiviados são compostos essencialmente pelas águas de origem externa, como sejam as pluviais e as de escoamento superficial, mas também “(…) pelo teor em água contida nos resíduos e pela água que se liberta como consequência das reações de decomposição dos mesmos” (Tchobanoglous et al., 1993 in Martinho et al., 2008a). A percolação da água pelos resíduos em decomposição lixivia os constituintes orgânicos e inorgânicos resultantes das reações de biodecomposição (Gomes, 2008), transformando o lixiviado numa matriz aquosa de extrema complexidade em virtude, de na sua composição, constarem altos teores em compostos orgânicos e inorgânicos, nas formas dissolvida e coloidal (Christensen et al., 2001 e Kjeldsen et al., 2002, in Da Silva, 2009), e em substâncias tóxicas provenientes dos resíduos industriais depositados, bem como altos teores de azoto amoniacal (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, 2009). O potencial poluente do lixiviado, sobretudo nos primeiros anos de exploração do aterro de resíduos, é significativo, facto que lhe confere o poder de causar efeitos nefastos nos lençóis freáticos e nas águas superficiais próximas aos aterros (Pereira e Coelho, 2000), caso este efluente não seja adequadamente confinado, drenado, tratado, monitorizado e encaminhado para o meio ambiente de forma controlada e cuidada (Levy e Cabeças, 2006; Da Silva, op. cit.).

A quantidade de lixiviado produzido durante a vida útil e após o encerramento de um aterro de resíduos pode, de acordo com Manassero et al. (1998), Qasim e Chaing (1994 in Machado, 2004), Gomes (op. cit.) e UNISINOS (op. cit.), variar em função de diversos fatores, tais como: (1) a

precipitação, essencialmente durante a fase de exploração, a evapotranspiração e a temperatura; (2) a topografia e a geologia da área onde o aterro se encontra construído; (3) as características do sistema de selagem final do aterro em termos de vegetação e de declive; (4) o tipo de resíduos depositados, o pré-tratamento a que são sujeitos, a sua compactação, a sua permeabilidade, a sua granulometria, a sua massa volúmica e a sua fase de decomposição; e (5) o método de deposição. A identificação e a análise destes condicionalismos são fundamentais para a correta conceção de um aterro de resíduos, designadamente para o dimensionamento dos sistemas de proteção basal e de selagem final, e das ETAL (Manassero et al., op. cit.), conforme comprovam os resultados obtidos

nos estudos desenvolvidos por Ehrig (1983 e Sarsby, 2000 in Gomes, op. cit.). Ehrig (1983) verificou

uma diminuição de cerca de 50% do volume de lixiviado produzido aquando da compactação dos resíduos com equipamentos pesados em detrimento de equipamentos leves, enquanto que, Sarsby (2000) observou que a produção de lixiviados pode variar entre 15% e 55% em função das características do aterro e das condições climatéricas.

A estimação da quantidade de lixiviado produzido é comumente realizada com base no balanço hídrico, no qual se considera o volume de água que se infiltra e que sai do corpo no aterro durante um determinado intervalo de tempo (Gomes, op. cit.; Qasim e Chiang, 1994 in Martinho et al., op.

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fundamental o conhecimento dos valores de precipitação média anual, de evapotranspiração potencial e do coeficiente de escoamento superficial (Martinho et al., 2008a).

 

Figura 2.8 Movimentos de infiltração e lixiviação num aterro (adaptado de Pereira, [sd]) 2.3.5.2 - Características dos lixiviados

As propriedades físicas, químicas e biológicas dos lixiviados podem variar consideravelmente de aterro para aterro, bem como entre diferentes épocas do ano (Reinhart e Grosh, 1998 in UNISINOS, 2009), dado dependerem de diversos condicionalismos como: o regime pluviométrico (Gorgati e Lucas, 2002 in Da Silva, 2009); a temperatura e humidade relativa no interior do aterro de

resíduos (Levy e Cabeças, 2006; Da Silva, op. cit.; UNISINOS, op. cit.); a origem e composição das

águas de circulação e das águas pluviais (Pereira e Coelho, 2000; Levy e Cabeças, op. cit.); a idade do aterro (Levy e Cabeças, op. cit.; Lin e Chang, 2000 in Da Silva, op. cit.; Gomes, 2008; UNISINOS,

op. cit.); o tipo de operações realizadas durante a fase de exploração do aterro (Pereira e Coelho, op. cit.; Martinho et al., op. cit.a; UNISINOS, op. cit.); e a natureza dos resíduos depositados (Pereira e

Coelho, op. cit.; Christensen et al, 2001, e Bertazzoli e Pelegrini, 2002 in Da Silva, op. cit.). UNISINOS (op. cit.) considera que, destes, a natureza, a composição e a decomposição dos resíduos depositados assumem-se como os fatores que mais influenciam as propriedades dos lixiviados.

Neste contexto importa referir que os processos de alteração da matéria orgânica dos resíduos podem ser divididos “(…) em processos de decomposição em que a matéria é transformada em gases e em lixiviado por ação de microrganismos (…)” perante determinadas condições de humidade e de temperatura, e “(…) em processos de degradação em que os complexos orgânicos são transformados noutros mais simples através de reações bioquímicas“ (Gomes, op. cit.). A decomposição da fração orgânica dos resíduos, que “(…) inclui processos de digestão aeróbia e anaeróbia, respetivamente, na presença e na ausência de oxigénio” (ibid.), trata-se de um mecanismo complexo que varia ao longo do tempo de vida útil de um aterro de resíduos e que ocorre por meio da combinação de um conjunto de processos físicos, químicos e biológicos (Souto, 2009). A sua compreensão é fundamental para a definição de um conjunto de fases que, de acordo com Lima (1988 in Colmanetti, 2000), Martinho et al. (op. cit.a), e Souto (op. cit.), dividem o processo evolutivo de um aterro de resíduos em: (1) fase aeróbia; (2) fase anaeróbia ácida; (3) fase metanogénica instável; (4) fase metanogénica estável; e (5) fase de maturação final. O termo “instável” na fase

- 35 - “metanogénica instável” é utilizado para fazer-se referência “(…) à possibilidade de inibições temporárias da produção de metano em função de mudanças ambientais” (Souto, 2009).

As fases dos aterros de resíduos não devem ser confundidas com as fases de decomposição. Apesar da semelhança entre ambas em alguns termos, as fases dos aterros estão associadas às características dos efluentes produzidos, lixiviado e biogás, ao passo que as fases de decomposição estão associadas ao processo de conversão de moléculas da matéria orgânica em substâncias mais simples, fornecendo matéria e energia para as comunidades microbianas (ibid.). A decomposição da fração orgânica dos resíduos como um processo que pode ser agrupado em três fases principais: aeróbia, anaeróbia ácida e anaeróbia metanogénica (McBean et al., 1995 in Gomes, 2008) ou em cinco fases: ajustamento inicial, transição, acidificação, metanogénica e maturação ou estabilização (Pohland et al., 1985 e Tchobanoglous et al., 1993 in De Matos, 2008; Williams, 1998 e Sarsby, 2000

in Gomes, op. cit.). Esta última abordagem é a mais recorrente quando se pretende associar a

variação das características dos lixiviados produzidos em aterro com o processo de decomposição dos resíduos depositados.

A duração da fase aeróbia é geralmente inferior a um mês, que corresponde ao tempo de consumo do oxigénio disponível nos resíduos depositados (Gomes, op. cit.). O facto de ser uma fase

rápida, explica a reduzida parcela de resíduos decompostos e, consequentemente, a reduzida produção de lixiviado (ibid.). Nestes casos, o lixiviado é composto por material particulado arrastado pela percolação da água, por sais solúveis e por pequenas quantidades de matéria orgânica solúvel. “A conversão e estabilização dos resíduos progride sequencialmente para as fases anaeróbia ácida, metanogénica instável, metanogénica estável e maturação (...)" (Martinho et al., 2008a). Nesta última fase, as condições para a formação de produtos de decomposição diminuem e observa-se a estabilização do aterro (Gomes, op. cit.). A duração de cada uma das fases “(…) varia de aterro para

aterro e em função da distribuição dos componentes orgânicos, da disponibilidade de nutrientes, do teor em água, dos níveis de percolação e do grau de compactação inicial” (ibid.) Num aterro de resíduos “(…) é usual verificar-se a ocorrência, em simultâneo, das várias fases de decomposição, a diferentes profundidades ou em distintas zonas do aterro” (ibid.). No entanto, existe uma predominância das fases anaeróbias nos primeiros anos após o encerramento do aterro, que se mantêm até se esgotarem os componentes orgânicos disponíveis. Ao aumento da idade do aterro está normalmente associado uma diminuição das taxas de produção de biogás e uma variação da sua composição, bem como da composição dos lixiviados (ibid.).

As reações que ocorrem durante as fases do aterro tornam os constituintes dos resíduos mais suscetíveis ao arrastamento pelo lixiviado. Por conseguinte, o lixiviado apresentará distintas características consoante a idade do aterro, facto demonstrado por Ehrig et al. (1993 in por Russo, 2005) com base em estudos realizados em 15 aterros de resíduos existentes na Alemanha durante um intervalo de tempo entre 1 e 5 anos. Os resultados obtidos indicam que alguns dos parâmetros doseados nos lixiviados, tais como a Carência Bioquímica de Oxigénio a 5 dias e a 20 °C - CBO5, a

Carência Química de Oxigénio - CQO, e os metais pesados, variam em função do avanço da decomposição dos resíduos no aterro.

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Na figura 2.9 apresenta-se a variação de alguns parâmetros químicos do lixiviado em função das fases em que se encontra o aterro de resíduos.

a)  b) 

Legenda: (I) fase aeróbia; (II) fase aeróbia ácida; (III) fase metanogénica instável; (IV) fase de metanogénica instável; (V) fase de maturação final

Figura 2.9 Variação da concentração de alguns parâmetros químicos dos lixiviados em função da

fase em que se encontra o aterro de resíduos (adaptado de Gomes, 2008)

Em conclusão, os lixiviados são constituídos por “(…) uma mistura de substâncias orgânicas e inorgânicas (…)”, como ácidos inorgânicos de elevada agressividade e corrosividade, por “(…) compostos em solução e em estado coloidal, por diversas espécies (…)” de microrganismos (Andrade, 2002 in UNISINOS, 2009) e, ainda, por metais pesados em quantidades consideráveis que lhes conferem elevados custos de tratamento na fase de exploração dos aterros de resíduos. São também muito ricos em sais, essencialmente cloretos (Cl-) e sulfatos (SO4

2-

).

De um modo mais detalhado e de acordo com Christensen et al. (2001 in Da silva, 2009) e

Kjeldsen et al. (2002 in UNISINOS, op. cit.), os lixiviados podem conter os seguintes cinco grupos de poluentes: (1) Material Orgânico Dissolvido - MOD, expresso pela carência bioquímica de oxigénio - CBO, CQO ou COT, que inclui ácidos fúlvicos e húmicos; (2) macro poluentes inorgânicos como:

Ca2+, Mg2+, Na+, K+, NH4+, Fe2+, Mn2+, Cl-, SO42-, HCO3-; (3) metais pesados como: Cd2+, Cr3+, Cu2+,

Pb2+, Ni2+, Zn2+; (4) Compostos Orgânicos Xenobióticos - COXs, originários de resíduos domésticos e químicos presentes em baixas concentrações, incluindo hidrocarbonetos aromáticos, fenóis e compostos alifáticos clorados; e (5) outros componentes, em concentrações reduzidas, como: boro (B), arsénio (As), bário (Ba), selénio (Se), mercúrio (Hg) e cobalto (Co).

As concentrações dos metais presentes no lixiviado dependem do tipo de resíduo depositado no aterro, sendo menor nos resíduos domésticos que nos industriais. São, ainda, função da fase de decomposição do resíduo, sendo superiores durante a fase de fermentação ácida, quando estes elementos estão mais solúveis, comparativamente às últimas fases de estabilização, quando o pH normalmente é mais alcalino (Christensen et al., 2001 e Silva, 2002 in Da Silva, op. cit.). A longo prazo, com a penetração de oxigénio na massa dos resíduos depositados, a oxidação da matéria orgânica por decompor e a oxidação do enxofre (S), do azoto (N) e do ferro (Fe) podem dar origem a uma diminuição do valor de pH e a um aumento de Eh, conduzindo à libertação de metais pesados (De Matos, 2008).

- 37 - Na tabela 2.9 apresentam-se os valores típicos para aterros de RSU de diferentes idades. Os valores dos parâmetros apresentados variam consideravelmente com a idade dos aterros, conforme demonstram os valores expostos por Tchobanoglous et al. (1993 in Gomes, 2008), sendo contudo possível a definição de valores típicos para cada parâmetro, como demonstra Levy e Cabeças (2006).

Tabela 2.9 Composição dos lixiviados

Parâmetro 

Tchobanoglous et al. (1993 in

Gomes, 2008) Levy e Cabeças (2006)

Aterro jovem (<2 anos)

Aterro antigo

(>10 anos) Aterro de resíduos

Intervalo de valores Intervalo de valores Intervalo de valores Valor típico pH ‐  4,5 - 7,5 6,6 - 7,5 5,3 - 8,5 6 CBO5 (mg/l) 2000 - 30000 100 - 200 500 - 5000 2000 CQO 3000 - 60000 100 - 500 2000 - 45000 10000 COT 1500 - 20000 80 - 160 1300 - 20000 6000 SST 200 - 2000 100 - 400 200 - 1000 500 Azoto orgânico 10 - 800 80 - 120 10 - 6000 200 Azoto amoniacal 10 - 800 20 - 40 300 - 3000 1500 Nitratos, NO3- 5 - 40 5 - 10 5 - 40 25 Fósforo total, P 1 - 100 5 - 10 1 - 70 30 Ortofosfatos 4 - 80 4 - 8 1 - 50 20 Alcalinidade em CaCO3 1000 - 10000 200 - 1000 1000 - 10000 3000

Dureza total em CaCO3 300 - 10000 200 - 500 300 - 10000 3500

Cálcio, Ca 200 - 3000 100 - 400 200 - 3000 1000 Magnésio, Mg 50 -1500 50 - 200 50 - 1500 250 Potássio, K 200 - 1000 50 - 400 200 - 2000 300 Sódio, Na 200 - 2500 100 - 200 200 - 2000 500 Cloretos, Cl- 200 - 3000 100 - 400 100 - 3000 500 Sulfatos, SO4 2- 50 - 1000 20 - 50 100 - 1500 300 Ferro Total, Fe 50 - 1200 20 - 200 50 - 600 60 Legenda: Sólidos Suspensos Totais - SST

2.4 - Resíduos selecionados