• Nenhum resultado encontrado

Dialogar com o cotidiano dos participantes deste grupo de danças e de minha pesquisa permitiu apreender, em certa medida, que a invenção/aprendizagem da identidade biriva se faz mais visível nos elementos eleitos como símbolos de identidade do grupo. Neste processo, busquei perceber a questão das identidades sendo produzidas no interior deste grupo e dos discursos que possibilitam enfrentar e apropriar-se desta identidade. Hall (2001, p. 109) afirma que “as identidades são construídas dentro e não fora do discurso”, e que a compreensão desta produção implica entender os locais históricos e situacionais deste processo.

Para a compreensão desta produção de identidade de dançarino biriva, não busquei em descrições teóricas e discursos generalizadores de quem foram os birivas. Escutei e interpretei a construção material e discursiva desta identidade dentro deste grupo em específico, a partir de suas falas e de minha observação e estabeleci as possíveis relações destas falas, com os elementos materiais e repertórios do grupo, em um paralelo com os discursos que engendram o tradicionalismo gaúcho. Nesse sentido, faz-se relevante ressaltar que as identidades devem ser entendidas como maneiras que as comunidades imaginam-se e como constroem narrativas sobre sua origem e desenvolvimento.

Para pensar os processos de aprendizagem, encontrei em Luce et. al. (2010) contribuições para olhar estes processos dentro de práticas sociais tomadas como lazer. Este estudo propõe o deslocamento do olhar para a dimensão situacional, o que se engaja na maneira como tenho pensado a produção da identidade, e aponta a aprendizagem como constitutiva da prática social.

O estudo de Luce et. al. (2010) argumenta, sobre os processos de aprendizagem que se dão no cotidiano,

que é o engajamento do sujeito nos diferentes contextos de prática dos quais participa que gera as possibilidades de aprendizagem. Em síntese, ao enfatizar o aprender, assinalamos a importância de realizar um deslocamento do olhar para a dimensão situacional, trazendo o foco para a ação, e para a aprendizagem como constitutiva da prática social. Tal proposta busca compreender a aprendizagem como processo de engajamento na prática (LUCE et. al., 2010, p. 8).

No universo cotidiano, o grupo de danças biriva Tropeiros de Dois Mundos, assim como uma gama de produtos culturais, pode ser percebido como textos culturais que operam constitutivamente em relação aos objetos, sujeitos e verdades de seu tempo, desde que os sujeitos estejam engajados nas ações deste grupo.

Pude perceber que a marca identitária do biriva nestes jovens já estava aparecendo com certa naturalização em seus discursos, a simplicidade é a característica que se sobressai dentro desta identidade, com a qual eles estão se associando. Pode-se dizer que é uma identidade situacional e contextualizada onde as condições de possibilidade é que lhe atribuem sentidos.

A seguir, exponho um relato meu, o qual pensa e exemplifica esta identidade e a situacionalidade como característica do uso do adjetivo biriva:

Borba: Tive uma experiência interessante com um menino de 8 anos

que dança chula e ia para uma viagem com os coroinhas da igreja. Na viagem ele faria uma apresentação de chula. Ele estava preocupado com o não conhecimento de onde iria dançar. Então disse: - Se bem que os birivas dançavam em chão batido! Eu danço em qualquer lugar também, não dá pra escolher estando em viagem. Eu sou biriva! (BORBA, 2012, Diário das entrevistas, p. 13)

Também relatei esta situação para Jonas pensar a identidade biriva sendo ou não associada aos que participam do grupo de danças. Para este relato, dá a seguinte explicação:

Jonas: A biriva é muito menos regrada, vestimenta mais simples,

não que tudo seja bonito ou fácil de encontrar, mas é inegavelmente diferente do universo do ENART. Junta a isso, um grupo que estava carente de voltar a se encontrar, carente da convivência com suas amizades de longa data, conhecimento novo, uma simplicidade não experimentada até então no tradicionalismo, menos pessoas envolvidas e todos convergindo na mesma ideia. Tudo o que a gente

precisava era isso ai. (JONAS, instrumentista, entrevista em

25/11/2012, p. 14)

Somando-se à fala de Jonas, Rafael também carrega a questão da simplicidade como algo que extravasa pela coreografia e que pode ser associada à vida pessoal como uma característica moral, a qual já há dançarinos que estão se apropriando. Uma maneira mais autêntica de ser gaúcho seja no vestir, no dançar ou tocar, a simplicidade da expressão da dança biriva é vista como „um lugar‟ conveniente para amigos promoverem lazer, produzirem modos de ser e de se relacionarem com o tradicionalismo.

Só que este lazer tem uma relação discursiva com a produção da cultura tradicionalista e acontecem em uma entidade com este fim. Identidade biriva/simplicidade que é produzida no interior dos discursos deste grupo e das representações que têm de si, da dança biriva e da cultura tradicionalista gaúcha. Luce et. al. (2010, p.9) referem-se a “a ação como inseparável da vida da comunidade que a desenvolve, tornando possível ligar os indivíduos às comunidades e o cognitivo ao social”.

Rafael: E isso aconteceu pela característica da dança, pelos valores

ligados ao campo que se transformam em figuras na dança, por valores de gauchismo que aparecem mais fortes e podem ser extravasados na coreografia. Eu já escutei o Lito falando que ele passou a dizer que é biriva por se sentir mais valorizado com isso. Um estilo de vida que quer ter o resto da vida, de valor, de cultura, parece que molda um vínculo maior entre os que participam disso, de respeito e conhecimento. (RAFAEL, professor, entrevista em 20/12/2012, p. 26)

Nesse sentido, trato a aprendizagem dentro desta prática social, da cultura tradicionalista gaúcha, através da dança biriva, enfatizando “o cotidiano, o saber erigido no fazer, na participação nas práticas situadas, o aprendizado, a comunidade de prática, as relações e práticas dos agentes que propiciam a formação de identidades” (LUCE et. al., 2010, p.10). A partir desta orientação de aprendizagem erigida no fazer e no pertencer a uma prática social, amplia a relevância de dar atenção ao que acontece no cotidiano, a expor-se ao aprender com o outro e permitir que isto também se constitua em processo de produção da sua identidade.