CAPÍTULO 4 RESULTADOS E ANÁLISES DOS DADOS
4.3 Produções Iniciais e Produções Finais: o que mudou no texto dos alunos
4.3.1 Produção Inicial e Produção Final de S7
Uma avaliação geral de S7 revela que seu texto inicial está parcialmente adequado à situação de produção, visto que alguns aspectos do plano global de do plano pontual estão ausentes ou não foram devidamente empregados. Na produção final, alguns avanços em relação a esses aspectos foram observados, como se pode verificar no exemplo a seguir.
Exemplo 7 Produção Inicial e Produção Final de S7
PI S7 PF S7
Carta Aberta á Secretaria da Saúde do Município de Manhumirim
Venho a público manifestar meu veemente problema [1] no posso de saúde [2] com falta de remédios, e de médicos.[1a] . Localizado no bairro Santa Rita A Você Secretario da Saúde [3] tinha que mudar essa situação [1b] por que a população [4] esta muito diginada com esse problema [1c] Se você Secretario [3a] contratase mais profissionais [1d, 2a] e
Carta Aberta a Secretaria da Saúde do Município de Manhumirim
Ilmo. Sr.
Secretario de Saúde do Município de Manhumirim-MG
Venho a público manifestar meu vemente problema [1] no posto de saúde [2] com falta de remédios e também falta de Médico [1a] Peço ao Senhor secretario [3] que tome providencias de contratar profissionais [2a], E almentar o estoque de remédios [2b] para
comprasse mais remédios [1e, 2b] esse problema [1d] não teria acontecido. Por que esse problema [1f] trais muito trastono na população [4a] desejamos, sinceramente que você [3b] consiga resolver esse problema [1g] logo Por fim protestamos contra esse problema [1h] desejamos que a Secretaria da Saúde [3c] atenda o nosso Unides pedidos [1i] por que a população [4b] precisa muito dos possos de saúde [2c] e ao próprio ser humano [3c]
menos conflitos.[1b] Por tais problemas [1c] esperamos sinceramente Que o senhor [3a] resolva nossos problemas [1c] Por fim ao protestarmos contra essas calamidades [1d] Desejamos inteira compreenção da secretaria de saúde [3b Para que atenda os nossos expectativas [1e]
Pois a população nessita dese posto de saúde.[2c]
Fonte: Quadro produzido pela autora.
No plano da dimensão global, as duas versões de S7 partem de uma situação concreta, conforme o tema delimitado pela proposta de produção. Diferentemente dos textos de S2 (v. Exemplo 6), porém, o aluno não apresenta um problema específico ocorrido, mas
faz uma denúncia das irregularidades flagradas em um posto de saúde: “Venho a público
manifestar meu veemente problema no posso de saúde com falta de remédios, e de
médicos.” A Carta se desenvolve em torno desse problema, e prossegue apontando providências bem pontuais: “A Voçê Secretario da Saúde tinha que mudar essa situação
Se voçê Secretario contratase mais profissionais e comprasse mais remédios esse
problema não teria acontecido.” Essa parte inicial já aponta para o universo de
referência, indicando também o destinatário/interlocutor previsto. Segundo Antunes (2010), esse enquadramento é importante para sinalizar ao leitor direção dos sentidos a ser empreendida para a compreensão do texto.
O aluno procura manter a unidade temática, com a recorrência do termo “problema”,
mas não apresenta pormenores do referido problema, o que compromete a progressão do tema. Esse movimento acontece tanto em PI quanto em PF, com a diferença que em PF foram feitas algumas correções ortográficas, bem como a substituição de alguns termos por outros de sentido aproximado:
c) Se voçê Secretario contratase mais profissionais e comprasse mais remédios esse problema não teria acontecido. Por que esse problema trais muito trastono na população desejamos, sinceramente que você consiga resolver esse problema logo (PI S12).
d) Peço ao Senhor secretario que tome providencias de contratar profissionais, E almentar o estoque de remédios para menos conflitos (PF S12).
É possível notar também em PI que a solicitação é feita com insegurança, marcada pela
expressão “Se você Secretária contratasse”, elementos que indicam imprecisão e ações
hipotéticas. Já em PF, o pedido é feito de maneira mais clara e decidida: “Peço ao
Senhor secretario que tome providencias”. O que sugere, por parte do aluno, mais
segurança e capacidade de expressão. Quanto à linguagem empregada no texto, embora apresente desvios ortográficos gramaticais, nota-se que o aluno procura manter um estilo mais formal, na tentativa de usar recursos linguísticos socialmente prestigiados:
“Venho a público manifestar meu veemente problema”. Esse uso revela pouca
familiaridade com o gênero e com o vocabulário formal nele normalmente utilizado, mais comum na esfera jurídica.
A respeito do esquema de composição do gênero, é possível dizer que os textos do aluno se enquadram nas características da Carta Aberta, mas apresentam algumas inadequações. Em P1 nota-se: a) O emprego do pronome “você”, dirigindo-se a uma autoridade municipal; b) a ausência do vocativo, que compromete a forma correta e educada de se fazer a abertura do canal, um primeiro passo em gêneros epistolares como esse para atrair a atenção, respeito e predisposição favorável do interlocutor/destinatário. c) a impropriedade no uso de palavras e expressões (veemente problema, posso por posto, população diginada), de certa forma descredencia o autor da carta como representante de uma demanda coletiva, já que a mesma está sendo feita por vias formais e não pessoalmente, situação em que a linguagem oral oferece mais concessões linguísticas, e com isso, menos estranhamentos. Esses aspectos estão relacionados ao esquema de composição da Carta Aberta e perpassam também o nível dos mecanismos enunciativos, no que diz respeito à posição assumida pelo autor da Carta.
Em relação aos elementos formulaicos, ambas a versões apresentam o título, apenas PF apresenta vocativo, e nenhum dos textos tem despedida e assinatura. Lembramos que tais elementos possuem função enunciativa e ajudam a delimitar as posições sociais e enunciativas dos interlocutores. Por outro lado, levando-se em conta o propósito comunicativo, talvez se possa considerar que em P1 o aluno teve um desempenho
razoável, uma vez que o interlocutor/ destinatário toma conhecimento da insatisfação e da demanda alegada pelo emissor. Já em PF, o fato de as características do gênero Carta Aberta terem sido observadas fez elevar a qualidade da produção textual. O uso do
vocativo (Ilmo.) e do tratamento “senhor”, um pouco mais respeitoso, conferiu ao texto
um maior grau de formalidade requerido pela situação social em que se insere a Carta Aberta. Quanto ao desempenho comunicativo, houve também relativo ganho. O texto está mais articulado, com o emprego de formações sintáticas mais complexas, bem
como o uso de formas verbais adequadas a um fechamento mais claro: “esperamos sinceramente que o senhor resolva nossos problemas” “Desejamos inteira compreenção da secretaria de saúde para que atenda os nossos expectativas”. Significa que o aluno
procurou seguir regularidades de organização do gênero, como ressalta Antunes (2010), para atender, em certa medida, aos modelos estabelecidos linguística e socialmente.
Em relação aos aspectos pontuais, especificamente das Cadeias Referenciais, também há diferenças que podem ser observadas nas duas versões de S7.
Em PI, ressaltamos a presença de três CR básicas. A CR 1 introduz o referente “meu veemente problema”[1]. Esse referente é detalhado e podemos dizer retomado pela
ativação ancorada de anáforas indiretas expressas em falta de remédios, e de médicos.[1a]. Esses elementos não foram introduzidos anteriormente, mas são inferíveis no discurso, uma vez que o tema da Carta é sobre a situação (problemática) da saúde no município. Essa introdução de informação nova também funciona como uma remissão
por (re) categorização predicativa do referente “meu veemente problema”, uma vez que
a ele são adicionadas predicações, que vão sendo homologadas no decorrer do texto. Em PF essa estratégia é realizada de forma mais categórica em meu vemente problema [1] com falta de remédios e também falta de Médico [1a].
Na sequência, o aluno utiliza uma combinação de remissão por pronome resumitivo e retomada por procedimento lexical de [1] em essa situação [1b], que encapsula as informações dadas anteriormente e procura mantê-las em foco. Essa reiteração é feita
por meio da repetição de item lexical com “esse problema” [1e], [1f] e [1g]. Como já
comentamos, a repetição pode ser uma tentativa de dar maior acessibilidade ao referente e/ou reforçar o que está sendo dito, ao direcionar o leitor repetidas vezes para o mesmo objeto. Em PF, observamos um importante avanço nessa CR na mudança dessas
estratégias: Por tais problemas [1c] esperamos sinceramente Que o senhor [3a] resolva nossos problemas [1c] Por fim ao protestarmos contra essas calamidades [1d]. É possível perceber que o aluno elimina o excesso de repetições e faz uma recategorização em [1d], o que representa um enorme ganho em termos de argumentação. Essa mudança de estratégia mantém os nexos textuais, ao mesmo tempo em que funciona como modalizadora, o que mostra também a mobilização de mecanismos enunciativos por parte do aluno.
Em PI a CR 2 é finalizada em “desejamos que a Secretaria da Saúde [3c] atenda o nosso Unides pedidos [1h]” que retoma o propósito da carta e reforça as posições dos interlocutores. Em PF, esse movimento é feito de maneira mais precisa: Desejamos inteira compreenção da secretaria de saúde [3b] Para que atenda os nossos expectativas
[1e]. A substituição de “pedidos” por “expectativas” demonstra maior segurança no
emprego de termos mais adequados e com maior força persuasiva.
A CR 2 se entrelaça com a CR1, introduzindo um novo referente que identifica o local onde ocorre o problema, posso de saúde [2]. As anáforas indiretas empregadas na CR1 também remetem ao referente da CR2, cujas relações podem ser facilmente inferidas, uma vez que remédios e médicos estão estreitamente ligados a postos de saúde. Essa CR é concluída com a repetição [1i] por q eu a população [3b] precisa muito dos possos de saúde [2c], o que reforça a necessidade de se resolver o problema. Embora não adentremos a complexidade da atividade inferencial, é possível perceber na formação
da CR2 como o autor do texto lança mão desse recurso a partir de “informações textuais, conhecimentos pessoais e suposições” (MARCUSCHI, 2008, p. 252) para
orientar o leitor.
Em PF, a estratégia se repete, mas observa-se a adequação ortográfica da palavra posto
(posso em PI): “Pois a população necessita dese posto de saúde” [2c].
Em PI a CR3 introduz o referente “Você Secretario da Saúde” [3] que tem por objetivo
identificar o interlocutor direto do texto. O referente é retomado por pronome você [3b] e depois por a Secretaria da Saúde [3c]. Aqui há uma mudança de Secretário por Secretaria, eliminando a individualização, tornando o referente mais generalizado. Isso é uma estratégia de hiperonímia. Em PF acontece o mesmo, mas o aluno exclui o
pronome “você” e emprega uma linguagem mais formal em “Peço ao Senhor secretario” [3], sinalizando uma tentativa de adequação de sua linguagem à formalidade
requerida pela situação de produção da Carta Aberta.
Por fim, é possível observar a CR4 que ocorre em PI. Essa cadeia é responsável por
introduzir o referente “a população” [4], que diz respeito aos afetados pelo problema do
posto de saúde, cuja voz o aluno assume para fazer a denúncia. O referente é retomado por repetição de item lexical em na população [4a], “a população” [4b] e por uma (re) categorização em ao próprio ser humano [3c], expressão que traduz uma argumentação,
apelando para a condição humana dos envolvidos. Em PF, o termo “população” não
configura uma CR, uma vez que se trata de objeto de menção única, aparecendo apenas
no final do texto “Pois a população nessita dese posto de saúde.” De qualquer forma,
está inserida na estratégia que sumariza e remete à denuncia, dessa vez para concluir a Carta.
Em síntese, as alterações observadas na produção final em relação à primeira versão dos textos de S7 indicam o desenvolvimento capacidades linguístico-discursivas à formação de Cadeias Referenciais, o que trouxe implicações positivas para a organização global de sua Carta Aberta.