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2.5 Produção do espaço urbano

2.5.3 Produção privada espontânea/clandestina

A produção privada espontânea, também designada clandestina é a responsável pela maior parte do espaço urbano produzido na cidade da Praia. Neste sentido que, Henriques (1998, pág.85), afirma: “é a produção privada espontânea que tem assegurado a provisão de alojamento a uma grande percentagem da população urbana de Cabo Verde. O sistema utilizado é o da construção evolutiva, ou seja, constrói-se à medida das disponibilidades financeiras do momento, utilizando para isso a mão-de-obra da família, dos amigos e vizinhos.”

Este processo ganhou força no início da década de noventa e tendo intensificado a ocupação nas diferentes partes da cidade. Em que a sua produção está associada a ocupação de terrenos ou aquisição de lotes no sector informal, sendo os casos de São Pedro/Latada, Eugénio Lima, Achada Mato, Vale do Palmarejo, Achadinha Pires e Safende.

A produção clandestina ocupa as áreas preteridas pela produção empresarial de forma dispersa no interior do perímetro urbano. Antes está produção fez-se evitando as áreas de risco, hoje isso não acontece; ela tem-se intensificado em espaços delimitados de risco

75 com sendo as vertentes, fundo dos vales, leitos de cheia, pondo a população em perigo no período das chuvas a inundações e movimentos de massas.

A produção informal do espaço urbano na cidade da Praia ganhou maior expressão no decénio 1990-2000; a superfície edificada passou de 368 para 787ha, com um aumento de 113% da edificação informal. No ano de 2000, cerca de 21,87% da edificação informal ocupava terrenos de elevada inclinação, contra os 8,47% registados em 1990 (Quadro IX).

O quadro IX evidencia claramente que a produção informal do espaço urbano tanto, em 1990 como em 2000, foi responsável pela maior parte da produção da cidade, isto é, 66,83% em 2000. Isto mostra que é este o processo de fazer cidade nesta urbe. Esta realidade demonstra que o planeamento da cidade não tem tradução no terreno e ressalta a ausência ou não aplicação dos planos e consequentemente de políticas de ordenamento do território.

O processo de produção da habitação clandestina inicia-se com a ocupação de terrenos ou aquisição de lotes por transacções que perante a lei não têm validade. Este processo de obtenção do solo foi identificado no estudo referente ao sector da habitação por Miller nos meados da década de oitenta. Assim descrita: “este fenómeno acontece em terrenos ilegalmente ocupados, ou ocupados através de precários mecanismos contratuais particulares que não têm nenhuma validade legal. Sessenta a oitenta por cento da população urbana vive em tais terrenos” (Miller, 1986, p.36).

Após a aquisição do terreno ou a sua ocupação pelas famílias, constroem no fundo do lote edifício abarracado que é ocupada durante construção da habitação de alvenaria. Noutras vezes o processo visa logo erguer as edificações começando pela escavação das

Ano

Superfície (ha) Formal % Informal % Informal

inclinação >30% % Total % 1990 132 35,83 236 64,13 20 8,47 368 100 2000 261 33,16 526 66,83 115 21,86 787 100 aumento 97% 123% 560% 113%

Quadro IX – Produção informal do espaço urbano na cidade da Praia

76 fundações para os alicerces da casa com apoio de amigos e familiares. Nas zonas de vertentes erguem um muro de protecção e dá-se o início à construção, seguindo o modelo da casa tradicional com duas divisões ou apenas uma, dependendo dos recursos da família, mas com o evoluir tempo toma tipologias diferentes (fig.17). A habitação normalmente tem duas divisões, uma utilizada como quarto de dormir e a outra com a função de sala e cozinha; as restantes tarefas domésticas (o lavar da roupa e da loiça) são feitas em frente à casa.

A construção é geralmente iniciada por um núcleo base cujas dimensões se situam entre 8,0x4,0m ou 10,0x5,0m, traduzido num espaço coberto principal, semelhante aos das habitações rurais das zonas donde são provenientes estas populações. Este espaço será em seguida completado ao nível do r/c, ou em 1º andar se o lote for pequeno, e limitado por outras construções (Miller et al. 1986, pág.2, anexo E).

O processo de edificação da habitação é feito num espaço temporal variável. Para as partes que exigem mais técnica, normalmente o(s) proprietário/os contratam pedreiro para a sua execução. No caso da Praia, nas zonas das ribeiras a população aproveita o período a seguir às chuvas para recolher areia e cascalho arrastadas pelas cheias e depositadas ao longo das linhas de água para usar na construção.

Neste sentido que, Movimento ÁFRICA 70 & CMP (2005, pág.89) afirmam: “ao contrário dos bairros informais das cidades do terceiro mundo, na Praia as novas habitações

Fig.17 Diversidade tipológica da construção clandestina e sua implantação ao lado da cidade planeada

77 informais são construídas da mesma forma que as de grande parte da cidade: o recurso frequente à escavação para assentamentos dos alicerces, pequenos blocos (tijolos) industriais e betão armado. A diferença prende-se, essencialmente, com a duração do processo: uma longa progressão de etapas cadenciadas, segundo a disponibilidade financeira dos construtores, que quase sempre participam directamente na construção, muitas vezes, coadjuvados e coordenados por operários qualificados.”

Mas ao contrário da “cidade formal”, trata-se de um processo de produção que não respeita as regras urbanísticas e nem do ordenamento do espaço. Em oposição às áreas urbanizadas, não possuem equipamentos (escolas, postos de saúde, pracetas, placas desportivas e outros) nem infra-estruturas (rede de água, esgotos, arruamentos e outros), nem tão pouco o mobiliário urbano. Não se pode considerar a ausência de electricidade nestas áreas, porque com o densificar da produção e consolidação do processo, também associada a este fenómeno surge uma rede ilegal de electricidade (ver anexo II).

Neste sentido, Bruno Soares (1984, pág.19) afirma: “perante a cidade planeada estende-se, por vezes com maior dimensão, a cidade não planeada, cidade “anárquica”, subequipada, esteticamente desconcertante. Esta é a cidade que se constrói por processos não controlados institucionalmente, frequentemente considerados processos marginais, ilegais e ilícitos.”

Nestes espaços produzidos informalmente entre as habitações traçam-se caminhos de terra, de passagem entre as moradias, ou mesmo vias que com o tempo consolidam com a ida e vinda de viaturas com materiais de construção, quando o processo de produção é feita em áreas de declive pouco acentuada, caso contrário a circulação é muito mais difícil. Esta ideia reforçada pelo Movimento ÁFRICA 70 & CMP (2005, pág.87) quando afirmam: “a circulação interna e, sobretudo, entre as áreas residenciais, está, na maior parte dos casos comprometida. A construção em terrenos com forte declive, sem que sejam efectuadas de forma adequada as fundações, torna precária a estabilidade de muitas casas, e a falta de atenção às questões ligadas às dimensões mínimas das estradas contribuem para elevar o custo da urbanização das áreas em causa.”

Ainda associada a esta produção do espaço urbano nas áreas residenciais clandestinas, desenvolveu-se um outro sector informal de venda de terrenos de construção, de fundações (raspais), de partes de casa ou pardieiros (parte de moradias cuja construção foi

78 suspensa no erguer das paredes ou partes de moradias com coberturas, mas sem janelas e portas) construídos de forma ilegal. Paralelamente a este processo esteve e está a passividade da câmara face à problemática de exploração dos terrenos para a construção clandestina. A população insolvente considera normal a aquisição de lotes para construção no sector clandestino, pois não tem tido outras alternativas. É assim que Movimento ÁFRICA 70 & CMP (2005, pág.88) justificam: “a ausência de qualquer oposição à ocupação das parcelas de terreno e, sobretudo, a larga difusão deste comportamento (seja no sentido espacial, seja temporal) vem-se traduzindo na convicção de se ter adquirido um direito duradouro. Um direito assente no testemunho e no fundamento não só da vizinhança, mas em grande parte, do processo da edificação da cidade. Igualmente um certo respeito e de uma certa tolerância da municipalidade em relação às construções clandestinas reforça esta convicção.”

A produção do espaço urbano clandestino também está associada as razões de ordem social e económica. A facilidade que este mercado oferece na obtenção dos lotes sem a pesada burocracia camarária, a construção evolutiva, a produção da casa do sonho do clandestino a sua medida financeira, deficiente fiscalização do poder autárquico justificam que mais de metade do espaço urbano produzido na cidade da Praia resulta do processo clandestino e espontâneo.

Assim, podemos dizer que a a produção clandestina do espaço urbano tem sido a dominante nesta urbe e, conjuntamente com a edificação privada individual, são as responsáveis pela maior parte da habitação edificada na cidade da Praia.

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Capítulo III

Áreas residenciais

clandestinas na cidade da

Praia

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