• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1. A URBANIZAÇÃO E OS AGENTES PRODUTORES DO

1.3 A produção do espaço e seus agentes

1.3.1 Produção social do espaço

A teoria lefebvriana da produção do espaço (LEFÈBVRE, 2000) não se trata de um conjunto de modelos explicativos e/ou interpretativos, mas de enunciações que podem ser utilizadas na elucidação das questões relativas à cidade e ao urbano como objetos inseridos nos processos socioespaciais (COSTA, 2003). Essas concepções compõem um método para construção das inferências constitutivas da argumentação de que há intersecções entre padrões espaciais e processos sociais. Nesta perspectiva, por seu turno, o foco não são as causas e efeitos, mas, sim, a dialética que reúne espaço e sociedade.

A produção do espaço ocorre em dimensões, processos ou momentos que se realizam dialeticamente e de maneira interconectada, gestando uma tríade que se reporta ao percebido, concebido, vivido, ou, dito em outros termos, à prática espacial, às representações do espaço e aos espaços de representações, respectivamente. Assim, se no primeiro se tem a produção material, no segundo se observa a produção de conhecimento, enquanto no terceiro, caracteriza-se a produção de significados (LEFÈBVRE, 2000).

Com as noções de espaço percebido, concebido e vivido, Lefèbvre (2000) fornece o acesso fenomenológico às três dimensões da produção do espaço. Isso porque, essas noções exprimem tanto a dimensão individual quanto social do espaço, revelando a maneira pela qual

o homem se produz na vida social e como, nesse processo, os eventos individuais se articulam na produção da sociedade. Dessa maneira, o espaço percebido diz respeito aos aspectos do espaço que podem ser aprendidos por meio dos sentidos, o espaço concebido se refere ao espaço elaborado intelectualmente, e o espaço vivido representa o espaço dos habitantes, dos usuários e artistas (LEFÈBVRE, 2000; SCHMID, 2012).

Ao analisar o pensamento de Lefebvre, Schimd (2012) afirma que com esta tríade dialética (percebido, concebido e vivido) é possível compreender as intersecções que envolvem, por um lado, a forma como os agentes se apropriam sensorialmente das propriedades do espaço, enquanto, por outro lado, tem-se a compreensão sobre como essas percepções são orientandas previamente pelo pensamento social, cujas representações codeterminam as experiências vividas pelos indivíduos cotidianamente.

No que tange à prática espacial, tem-se que ela é vista antes de ser concebida. Isto porque, ela indica tanto a dimensão material da atividade quanto as interações sociais, dadas em formas de redes de interações e comunicações da vida cotidiana, capazes de viabilizar as relações de produção e de reprodução que ocorrem em lugares específicos e em conjuntos espaciais próprios a cada formação social; fato que, dessa forma, acaba garantindo a continuidade e uma relativa conexão na realidade urbana cotidiana (LEFÈBVRE, 2000, 2001).

Nessa dimensão da produção do espaço, o espaço percebido é resultado da intermediação da ordem próxima (relações dos indivíduos em grupos mais ou menos amplos, organizados e estruturados, e nas relações desses grupos entre eles) e da ordem distante (dirigida por grandes e poderosas organizações como empresas, Igreja, Estado, por meio de códigos jurídicos formais ou não, de uma cultura e de conjuntos de significantes), referentes aos desdobramentos de práticas espaciais oriundas de atos, valores e relações específicas de cada formação social (LEFÈBVRE, 2000, 2001).

A percepção desse espaço, por seu turno, deve ser combinada com o conceito de prática espacial, para que não represente apenas sua concepção subjetiva/mental, mas que seja também alicerçada numa materialidade concreta e produzida. Assim, ela deve abarcar tudo aquilo que se apresenta aos sentidos; não somente a visão, mas a audição, o olfato, o tato e o paladar. Esse aspecto sensorialmente perceptivo do espaço se relaciona diretamente com a materialidade dos elementos que constituem o espaço (LEFÈBVRE, 2000; SCHMID, 2012).

Em relação às representações do espaço, destaca-se que a dimensão do concebido é fruto das representações mentais que correspondem a uma lógica de percepção da produção e da reprodução social, elaboradas por especialistas (engenheiros, arquitetos), políticos, planejadores e ―cientistas‖ urbanos que criam signos e códigos de ordenação responsáveis por fragmentar e restringir o espaço (LEFÈBVRE, 2000). Contudo, é imprescindível que as representações sejam vistas enquanto mediação, o que possibilita inovação na qualidade do processo de conhecimento – o conceito perde o monopólio de explicação da realidade, portanto é parte desse processo (relação representante-representado-representação) como uma dimensão do vivido, como fatos da prática social (LUTFI; SOCHACZEWSKI; JAHNEL, 1996).

A terceira dimensão proposta por Lefèbvre (2000), relativa aos espaços de representação, na verdade, busca tratar da dimensão simbólica do espaço. Não se refere, portanto, aos espaços propriamente ditos, mas a algo mais, isto é, ao processo de significação que se conecta a um símbolo (material); símbolos do espaço que podem ser considerados a partir ―da natureza como as árvores ou formações topográficas proeminentes, ou eles poderiam ser artefatos, prédios e monumentos; eles poderiam também se desenvolver a partir da combinação de ambos, como, por exemplo, as ‗paisagens‘‖ (SCHMID, 2012, p. 99).

Desta forma, a produção social do espaço resultado da inter-relação entre: o que se vive e o que se imagina – cotidiano marcado pela experiência; as relações estabelecidas pelas práticas espaciais (trabalho, lazer) – e o que se concebe através de informações produzidas por outros segmentos, tais como signos verbais elaborados por instituições ou pela academia. Assim, para Lefèbvre (2000), pensar o espaço socialmente produzido é não pensá-lo como um objeto, uma coleção de coisas, uma embalagem a ser preenchida, e nem tampouco reduzi-lo a uma forma.

Seguindo essa linha de pensamento, a análise tridimensional da produção do espaço urbano da cidade de Oiapoque ocorre segundo as três dimensões (prática espacial, representação do espaço, espaços de representações). A prática espacial, entendida ―[...] como uma cadeia ou rede de atividades ou interações interligadas, as quais por sua parte residem sobre uma base material determinada (morfologia, ambiente construído) (SCHMID, 2012, p. 100), orienta a compreensão das dimensões materiais, decorrentes das articulações e conexões dos agentes de atividades vinculadas à garimpagem de ouro na cidade de Oiapoque. Tais relações, em termos concretos, configuram-se nas suas redes de interação e comunicação que

se erguem no âmbito de suas vidas cotidianas (a conexão diária entre casa e o local de trabalho) ou no processo de produção (relações de produção e troca).

A representação do espaço, na qual a ―[...] prática espacial pode ser linguisticamente definida e demarcada como espaço e, neste caso, se constituir uma representação do espaço‖ (SCHMID, 2012, p. 102), serve como um esquema organizador ou um quadro de referência para a comunicação. Isso, por sua vez, permite uma orientação (espacial) na cidade de Oiapoque e possibilita uma imagem da área e da paisagem urbana dessa cidade, antes e depois do recorte temporal da pesquisa, e, consequentemente, uma compreensão dos desdobramentos das atividades e práticas espaciais dos agentes vinculados à garimpagem de ouro na morfologia material da cidade em estudo, que, nos termos de Lefèbvre (2000), apresenta-se como uma realidade presente, imediata, um dado prático-sensível e arquitetônico.

A terceira dimensão diz respeito aos espaços de representação, da ―ordem‖ espacial que aflora na superfície e, como destaca Schmid (2012), pode se tornar, ela própria, um veículo capaz de transmitir significados. Nesse sentido, o simbolismo espacial que se desenvolve, expressando e invocando normas, valores e experiências sociais (SCHMID, 2012) nos possibilita a identificação dos espaços vividos pelos habitantes da cidade de Oiapoque, notadamente daqueles que estão relacionados à atividade garimpeira e possuem significações associadas a um símbolo material qualquer, expresso na paisagem urbana desse espaço, como as árvores, os rios ou as formações topográficas proeminentes, ou mesmo os artefatos como prédios e monumentos.

Dessa maneira, e a partir das contribuições de Lefèbvre (2000), nota-se que explicar a produção do espaço urbano da cidade de Oiapoque deve transcender o estudo com foco na morfologia das cidades. Isso porque, o espaço se produz e reproduz nas condições sociomateriais de vida, portanto, deve ser pensado como uma reunião de ações humanas com os objetos que compõe a materialidade existencial na vida cotidiana. Nesse sentido, apresenta- se no próximo tópico estudos voltados para agentes e suas respectivas estratégias na ocupação e apropriação de solos urbanos de forma individual ou coligada, em variados contextos e condições, que contribuem nas identificações dos agentes, formas de ocupação e apropriação das terras na acidade de Oiapoque.