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3.4 Produção das informações da pesquisa

3.4.2 Produções de desenhos e conversas

O desenho corresponde a um dos mais importantes e significativos meios que a criança tem de se comunicar com o mundo, mostra-se assim um instrumento de grande valia para os pesquisadores com crianças.

Desde a idade mais tenra, os pequenos se expressam por meio de seus "rabiscos" que iniciam em casa. Pegar um papel qualquer, lápis coloridos, canetas, tintas ou outro tipo de material e começar o seu desenho mostra ser uma vontade de exprimir algo ou apenas o de fazer por prazer. Por conseguinte, os primeiros traços começam a aparecer, neste momento inicial as crianças desenham sem se preocuparem com o espaço e sim apresentam contudo uma

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história, figurando-a com conjuntos de sinais imaginários (WIDLÖCHER, 1971, p. 8).

Para Vigotski (2009), a medida que a criança cresce, a frieza e o desapontamento em desenhar aparece e a ruptura ocorre entre os treze e quatorze anos de idade13. Por outro lado, comenta que se a escola ou em casa este sujeito receber estímulos adequados ou até mesmo apresentar dom especial para este campo, continua a produzir. Alerta ainda que, as crianças maiores apresentam em suas obras uma aproximação maior com a realidade.

Assim, cabe a escola de modo especial, incentivar estas crianças a serem produtoras e criadoras de suas histórias também por meio das iconografias. Enfatiza-se ainda que, por meio destas podemos apreender mais sobre o mundo da criança, pois eles perpassam pela imaginação e adentram a realidade. Gobbi (2009, p. 76) defende os desenhos desses sujeitos enquanto documentos, compreendidos como textos visuais que podem ser olhados, sentidos, lidos. A autora expõe que, os desenhos infantis podem evidenciar a perspectiva das crianças cuja análise supera a observação, estes conjugados com a oralidade auxilia no entendimento das concepções dos pequenos e pequenas sobre seu contexto histórico, social e cultural.

Ademais corroborando com a autora supracitada, Wiggers (2005), Lee (2010) e Carvalho e Müller (2010) fortalecem esta ideia de que por meio das conversas com crianças podem-se obter informações peculiares sob os fenômenos estudados. Contudo, não se torna tarefa fácil, pois o pesquisador deve apresentar sensibilidade e cuidado para aprender a ouvir as crianças em sua singularidade e procurar não ceder lugar à tentação de querer ouvir o que se pretende ouvir (CARVALHO e MÜLLER, 2010, p. 167).

13 Vigotski utiliza-se dos estudos de Barnes para tal afirmação, pois este autor averiguou mais de 15 mil desenhos e constatou esta ruptura.

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Dada a importância aos desenhos conjugados com a oralidade infantil, reconhecendo-o como documento imprescindível ao nosso estudo e com o propósito de captarmos as percepções das crianças em relação ao contexto histórico e social no qual estão inseridas, efetivou-se as produções. Portanto, elas foram realizadas depois de sessenta dias que adentramos em campo, com a finalidade de adquirirmos confiança e proximidade com os participantes da pesquisa, e na perspectiva de alcançar maior liberdade de expressão na produção gráfica. Estas aconteceram em dias alternados e em combinação aos planos de aula do professor regente, junto à autorização dos responsáveis e a cada desenho pedido o assentimento da criança.

Foi solicitada à turma do quinto ano composta por vinte e três crianças, que produzissem os desenhos. Estes foram realizados em contexto de sala de aula. Antes da aplicação dos desenhos, houve orientações acerca dos temas os quais deveriam desenhar, contudo tivemos o cuidado de não apresentar detalhes e conceitos pré-determinados afim de que a pesquisa não se tornasse tendenciosa. A cada menino e menina foi entregue uma folha A4 branca, onde foi executada a produção gráfica acompanhada pela pesquisadora. Materiais como lápis HB preto, canetinhas, lápis de cor e giz de cera também foram utilizados, a escolha do material se deu conforme o corriqueiro empregado pela instituição elencada, para não interferir nesta realidade neste primeiro momento. Por outro lado, houve uma produção com material diversificado para transpor e oportunizar estas crianças a novas práticas.

À medida que houve a conclusão e conforme a entrega das produções, ocorreram conversas informais e individuais visando à interpretação por meio da identificação dos conteúdos e significados que cada criança lhe atribuiu como complemento da análise dessa produção, que foram transcritas na medida em que as crianças entregavam. Vale ressaltar que os títulos das quatro produções

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foram escolhidos com o intuito de apresentar categorias de análises de acordo com os objetivos da pesquisa.

O primeiro desenho pedido foi intitulado Minha brincadeira preferida, neste caso as crianças deveriam expor a(s) brincadeira(s) que mais gosta(m), com a intenção de identificar os tempos e espaços acessíveis às práticas corporais desses sujeitos, bem como as culturas infantis e influências da escola nestas preferências. Após a explicação do desenho, o ajudante do dia entregou as folhas conforme habitualmente acontece com o professor regente, mas deixamos claro que elas fariam somente se quisessem, apenas um se recusou a realizar à princípio, porém ao ver seus amigos conversando sobre suas escolhas e trocando experiências pediu para fazer. Ao término das produções e ao relatar o que havia esboçado em seus traçados as meninas e meninos apresentaram euforia e gosto pelo desenho e afirmam que quase não fazem. A troca entre os pares durante as conversas e empréstimos de materiais formou um clima harmonioso e prazeroso nesta etapa. Foi recolhido vinte e dois desenhos, pois um dos meninos havia faltado à aula.

O segundo foi a figura humana Eu sou assim! (figura 12) executado após três dias do anterior. Esta produção gráfica objetivou apontar as percepções da imagem corporal construídas pela criança e os sentidos conferidos ao corpo em sua relação com a escola. A proposta foi que desenhassem primeiro no papel e em seguida criassem a mesma figura em três dimensões, utilizando como suporte material o biscuit14 (figura 13). Disponibilizou-se assim, diversas cores da massa, todas ficaram ao alcance das crianças que pegavam a quantidade e a cor que queriam. Algumas meninas tinham espelhos e cederam para os colegas. neste dia estavam presentes dezenove crianças e houve unanimidade em sua

14 Biscuit ou Porcelana Fria é a massa de modelar produzida a partir da mistura de amido de milho, cola branca para porcelana fria, conservantes como limão ou vinagre e vaselina. O Biscuit é uma massa de fácil modelagem, aceitando tingimento e pintura com diversos tipos de tintas e corantes.(fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Biscuit acesso em 12/08/2013)

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realização. No decorrer da concretização destas atividades a turma demonstrou interesse, mostravam seus "bonecos" umas para as outras e buscavam modelar com capricho.

O terceiro tema foi, Atividade que mais gosto de fazer na escola e a que menos gosto, buscou reconhecer as atividades, os tempos e espaços que são

oferecidos e também negados para as crianças durante o período que estão neste ambiente, bem como suas preferências. Partiu-se do pressuposto que tais ações refletem na construção da imagem corporal desses sujeitos. Esta produção foi a mais rápida a ser finalizada. Ao iniciar, a turma apresentou segurança e certeza no que iria fazer, houve conversa e muitos sorrisos durante a confecção. Duas crianças faltaram, com isso foram vinte e um desenhos coletados e sua realização se deu após quatro dias da segunda produção.

O quarto foi Meu primeiro dia/ano na escola (figura 14), a fim de identificar como foi o primeiro dia de aula da criança e/ou o primeiro ano na escola, quais os sentidos construídos por elas em relação a este momento e quais as principais mudanças que ocorreram principalmente em relação a educação do corpo após este processo de escolarização, o quinto ano. Fizemos uma rodinha no pátio da escola e observamos as turmas do jardim passando e cantando, assim perguntamos:

- Observando esta turminha quais recordações vocês têm do primeiro ano ou do primeiro dia na escola?

Deste modo começaram a falar e conversar uns com os outros do que lembravam, muitos estudaram juntos, recordaram dos choros, das brincadeiras, das mordidas que davam e recebiam. Uma menina se emocionou, chorou e disse sentir saudade daquele tempo que podia brincar, também gostava dos colegas e da professora. Neste momento, retornamos para sala e me pediram para sentar em grupos, pois o professor se ausentou durante esta produção, consenti e apresentaram satisfação; a troca entre eles foi mais rica com esta proximidade,

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pois puderam conversar mais. Observou-se durante essa produção que as crianças utilizaram mais cores em seus desenhos e levantaram menos das cadeiras. Creio que deva ser por estar ao lado do colega os quais escolheram para sentar juntos. Foi recolhido neste dia vinte e uma iconografias.

Ao final, as produções resultaram em oitenta e três desenhos e dezenove figuras humanas em biscuit, constitui-se um total de cento e duas produções. Infelizmente os meninos e meninas que estiveram ausentes durante alguma produção não puderam fazer em outro dia pelo decorrer do processo escolar.

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FIGURA 13 - Produção em biscuit (três dimensões) "Eu sou assim"

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Buscou-se assim trazer as crianças pequenas como portadoras e criadoras de cultura, desenhistas, falantes, sujeitos de sua história e cujas produções devem ser conhecidas, valorizadas, respeitadas (GOBBI, 2009). Vale ressaltar que o presente estudo reportou aos desenhos produzidos como este sendo instrumento principal da pesquisa, com o intento de encontrarmos elementos que apresentam as concepções de infância e corpo construídos pelas crianças em sua relação com a escola. Portanto, procurou-se ao máximo destacá-los no decorrer das análises, contudo impossível esgotá-los em sua totalidade.