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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2. Produtos e significados

Humanos não veem ou agem devido às qualidades físicas das coisas, mas no que elas significam para eles. Krippendorff (2006)

Essa sessão inicialmente aborda as funções dos produtos pela perspectiva de Löbach (2001), Bürdek (2006), incluindo as funções psicológicas dos bens materiais exposta por Dittmar (2011). A seguir, será tratada a semântica de produto, que visa a inclusão de aspectos simbólicos na projetação da forma dos produtos, com Baxter (2003) sobre os tipos de atração de produtos, Bürdek (2006) e Krippendorff (1989 e 2006). No final dessa sessão está o tópico sobre design e emoção, onde serão vistos os estudos sobre emoções com produtos, com Jordan (2000) e Crilly et al (2004) e as experiências afetivas com produtos, com os autores Norman (2008), Desmet e Hekkert (2002 e 2007), Russo e Hekkert (2008) e Dittmar (2011).

2.2.1. Funções do produto

Na classificação proposta por Löbach (2001), os calçados se encontram na categoria de Produtos de Uso 1, ou seja, produtos de uso individual possuem uma vida útil maior que os produtos de consumo. Devido à duração longa do produto, se estabelece uma ligação pessoal entre o usuário e o produto, o que gera uma identificação criando um bem estar ao consumidor. Esta identificação nem sempre é consciente ao usuário, mas ao público sim;

estes irão perceber a imagem criada como sendo o estilo pessoal do usuário.

Além disso, Löbach (2001) afirma que os produtos possuem três tipos de funções, são elas: prática, relacionada com as necessidades fisiológicas do usuário, no caso do calçado seria a proteção dos pés do solo; estética, a aparência do produto; e simbólica, que é relacionada com “aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso” (LÖBACH, 2001, p.64) que podem vir de associações de memórias e experiências passadas. Muitas vezes as funções simbólicas e estéticas são privilegiadas, assim teremos uma configuração simbólico-funcional. Para Löbach,

34 essa configuração “é o segundo princípio pelos quais os produtos de uso podem ser configurados e cuja aplicação é influenciada pela sociedade” (LÖBACH, 2001, p.91), especialmente usada nos produtos cuja configuração é ditada por tendências de moda, como no caso dos calçados.

Durante muito tempo, os designers estiveram focados apenas nas funções práticas e sociais, esquecendo que os produtos também realizam funções de comunicação (BÜRDEK, 2006). Para Bürdek (2006) as coisas devem falar por si, como se percebe na seguinte afirmação:

As coisas da natureza falam a nós, fazemos com que o artificial fale por nós: eles contam como foram constituídos, que tecnologia foi utilizada, de que contexto cultural têm origem. Eles nos contam também algo sobre os usuários, suas formas de vida, sobre se pertencem de verdade ou fingem pertencer a certos grupos, sobre atitude perante valores (BÜRDEK, 2006, p.231).

O autor ressalta a importância do entendimento dessas linguagens pelo designer, para então ser capaz de projetar objetos que comuniquem.

Na classificação de funções de produto de Bürdek (2006), existem três funções:

estético-formais, onde a parte estética é apreciada sem necessariamente haver a avaliação do seu conteúdo significativo; indicativas, são as funções práticas dos produtos. A visualização do produto esclarece suas funções, impossibilitando interpretações pessoais dos indivíduos. Por último temos as funções simbólicas, onde símbolos são utilizados na composição visual do produto. O autor destaca que “o significado dos símbolos se dá muitas vezes de forma associativa e eles não são determinados de forma clara: sua interpretação é dependente de cada contexto” (BÜRDEK, 2006, p.323).

A psicóloga social Helga Dittmar vem há mais de duas décadas pesquisando sobre as funções psicológicas das posses materiais, inclusive relacionando-as à cultura de consumo, à identidade e ao bem-estar. No modelo da figura 9, ela mostra um “mapa dos tipos de funções psicológicas que as posses materiais satisfazem” (DITTMAR, 2011, p.40) as pessoas. No início são separadas as funções, funcional-instrumental (que tornam as atividades cotidianas mais fáceis, funções práticas) e simbólico-expressiva (que expressam quem nós somos) do uso de bens materiais. A seguir, podemos ver que as duas funções podem ser relacionadas ao uso dos produtos e ao benefício emocional que a posse do produto pode vir a acarretar. A função

35 simbólico-expressiva também está relacionada diretamente à expressão de identidade e esta pode ser subdividida em: qualidades pessoais que denotam a identidade pessoal do indivíduo, sua memórias, valores, atitudes e sua história pessoal; relacionamentos interpessoais com o círculo social do indivíduo; e a categoria social que também remete à identidade social do indivíduo.

Figura 8: Modelo integrado das funções psicológicas das posses materiais Fonte: Adaptado de Dittmar, 2011, p.40

A autora ressalta que as distinções propostas “são analíticas, em vez de absolutas, é claro que várias funções psicológicas podem ser interligadas em um único bem material”

(DITTMAR, 2011, p.41).

2.2.2. Semântica de produto

Segundo Mike Baxter (2003, p.46), um bom produto possui quatro formas de atração. Primeira, a imagem do produto deve ser conhecida, ou seja, um calçado deve parecer um calçado. Segunda, atração semântica, o produto deve passar a impressão de que executa bem a sua função. Terceira, atração simbólica, a aparência do produto como fator mais importante para a aquisição do item. “A confiança no produto é adquirida na medida em que o mesmo refletir a autoimagem do consumidor e na medida em que o produto ajudar o

36 consumidor a construir sua imagem perante os outros.” Quarta, atração intrínseca da forma visual, a atratividade estética do produto.

Para melhor compreender e aplicar nos produtos a atração simbólica, a partir dos anos 1970 iniciou-se de fato o estudo da semântica de produto que utiliza métodos das ciências humanas para analisar o que as pessoas procuram nos produtos, o que eles simbolizam para elas e como transformar esses atributos em características físicas (BÜRDEK, 2006). Bürdek (2006, p.335) cita que um dos pioneiros do estudo da semântica, Uri Friedländer, definiu três metáforas para alcançar o objetivo de fazer com que as funções simbólicas fossem exaltadas no projeto de produtos, elas teriam três origens: a metáfora histórica, que nos remete a objetos já conhecidos, antigos; a metáfora técnica, “que inclui elementos da ciência e da tecnologia”; e a metáfora natural, que associa a forma dos produtos aspectos da forma e movimentos da natureza.

Para Krippendorff (1989), a semântica de produto não precisa abordar as questões sobre a forma, o visual, as texturas, os materiais, o desempenho e a superfície dos objetos, ela deve sim tratar da:

(...) compreensão sobre o que os penetram, (...) como eles participam dos assuntos humanos, como eles suportam o entendimento e a prática, (...) a significação, motivação, a centralidade dos humanos em seu próprio mundo e em seus próprios critérios (KRIPPENDORFF, 1989, p.6).

É possível associar essa afirmação ao que diz Jordan (2000, p.8) sobre os “new human factors” que tem como principal objetivo “compreender as pessoas holisticamente” para então poder conectar os benefícios de produtos almejados pelas pessoas às propriedades dos produtos.

Segundo Bürdek (2006, p.337-339), Krippendorff descreveu três modelos de semântica do produto, são eles: o “modelo linguística” que procura investigar o significado dos termos, “ou seja, a linguagem dentro da linguagem”; o “modelo comunicativo”, nesse o designer age como se fosse o transmissor, questionando o relacionamento do consumidor (receptor) com os produtos; e por fim o “modelo cultural”, onde se procura analisar os sistemas de símbolos, “sua estrutura interna, seus elementos formais, sua dinâmica interna e suas funções representativas”.

37 As motivações das pessoas perante os produtos muitas vezes “não são racionais e determinadas por critérios objetivos, mas sim simbólicas e derivadas a partir de uma compreensão individual” (KRIPPENDORFF, 1989, p.7). O que importa não é a função, mas sim o significado do objeto atribuído pelas pessoas. Krippendorff (2006) propõe um axioma para o desenvolvimento do design centrado nas pessoas. O axioma é constituído de: sentido, significado e contexto.

O sentido abrange nossos cinco sentidos: audição, visão, olfato, paladar e tato.

Através do sentido percebemos o que é diferente, o que não nos é habitual. O sentido nos é informado de acordo nossas “disposições, necessidades, e expectativas, incluindo emoções, tudo do qual tem relação com o corpo humano” (KRIPPENDORFF, 2006, p.50).

O significado “restaura as diferenças percebidas entre o que é sentido e o que parece estar acontecendo” (KRIPPENDORFF, 2006, p.52). O significado auxilia na compreensão sobre o que é sentido, e no contexto de outros sentidos. O significado pode se manifestar em cinco diferentes maneiras: na percepção, na consciência de que algo pode ser percebido em diferentes maneiras; na leitura, na interpretação e composição de textos; na linguagem, na descrição de como os artefatos podem ser comunicados, conceitualizados; na conversa com outras pessoas, quando há consciência das divergências de opinião sobre o significado de determinado artefato; como re-presentação, no significado das imagens fotográficas,

“imagens significam o que elas podem re-presentar aos seus espectadores” (KRIPPENDORFF, 2006, p.55).

O contexto entende que o significado de um objeto só pode ser completamente interpretado dentro de um contexto. “Significados e contextos são gêmeos” (KRIPPENDORFF, 2006, p.59), mas podem agir de diferentes modos. O contexto limita a quantidade de significados.

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