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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DA ESCOLA DE FORTALEZA: DISCURSOS,

4.2 Professor Seriguela

O professor inicia a entrevista construindo a escola inclusiva, tendo em vista seu saber acerca da deficiência e de sua prática social como professora da sala multiuso.

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Tem que ter três coisas: primeiro o colégio tem que ter um aluno com alguma deficiência. Tem que ver qual é essa deficiência para ver se o colégio está apto para receber uma sala de recurso multifuncional. Então aqui no caso da escola, a gente tinha um aluno que tinha baixa visão, que era monocular, ele não tinha um olho, era baixa visão no outro, e foi enviado através do síndico, né, e o MEC providenciou essa sala, essa sala aqui é uma sala de recurso multifuncional tipo II, né, que é adaptada para cego, para deficiência visual, e daí, a gente começou o nosso processo, então a escola tem que ter pelo menos um aluno com deficiência, tem que ter o espaço físico para poder receber essa sala, equipamentos e tudo mais, e um profissional que esteja preparado para receber este tipo de público, pra atender esse tipo de público.

Exemplo 4.19

Percebe-se neste relato do professor que a chave-mestra da inclusão é a/o discente deficiente, e é por meio do convívio com as/os discentes que o professor constrói sua identidade como docente.

Hoje a gente está mais seguro de como a gente trabalha com os meninos, e a gente tá com seis alunos. Tem três cegos e três baixa visões. Então já tô totalmente dentro do processo deles e da adaptação deles. Mas ainda é um processo demorado. Porque como é muita coisa, e a gente depende muito assim de recursos, aí fica difícil, por exemplo, a gente aqui, a gente tem a produção dos livros.

Exemplo 4.20

Percebemos, ainda, a questão do letramento inclusivo no discurso do professor e a preocupação com o acesso às matérias pelos seus/as alunos/as. A dependência dos recursos é um discurso recorrente do professor, tendo em vista suas questões sobre a formação docente.

É meio complicado, porque, é aquela coisa, o governo ele colocou que toda escola tem que aceitar o aluno, independente de como ele seja, né? Só que ele não preparou o corpo docente para receber essa criança.

Exemplo 4.21

A preparação do corpo docente está prevista apenas no Plano de Diretrizes e Bases dos decênios 2001/2011 e 2011/2021, mas não há uma obrigatoriedade quanto ao governo nem aos docentes regentes de sala regular quanto à formação para dar aula para pessoas deficientes. A falta de formação docente é um grave problema (MAGALHÃES, 2012).

Tem salas de aula, tem escolas, que estão recebendo alunos e não sabem pra onde é que vão, que tão recebendo alunos com deficiência e não sabem pra onde é que vão

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A falta de formação causa receio, tendo em vista que as escolas, segundo o professor, estão fazendo uma “inclusão empurrada”, pois primeiro criaram-se as leis, mas sem condições necessárias para o fazer inclusivo na escola. As práticas de letramento inclusivo são pouco conhecidas pelos/as docentes (MAGALHÃES, 2012). Vejamos o relato a seguir.

Eu peço pra que no ato da matrícula, eles tragam um laudo médico, né, um laudo médico especificando qual é a doença que eles tem. Ou qual foi a doença que eles tiveram. E daí eu faço minha entrevista com a mãe e com o pai, e depois eu faço uma entrevista com o aluno.

Exemplo 4.23

Esta prática do professor, de conhecer o quadro clínico do aluno, fortalece a questão humanitária, pois ele procura conhecer a narrativa médica, a narrativa familiar até chegar à narrativa do aluno ou da aluna. Identificando assim discursos e práticas sociais, e preparando artefatos41 suficientes para trabalhar os saberes dentro desta nova cultura que chega, a cultura de não-videntes. Mas, neste relato e em sua própria experiência, o professor percebe que o discurso político e a prática social conservadora são obstáculos na construção dos saberes de pessoas com DV.

Então o governo, que coloca essa questão de abrir vagas, mas não tem a preparação nem da escola mesmo pra receber.

Exemplo 4.24

As relações sociais são complexas e intermediadas pela cultura, pela ideologia, pelos letramentos e pelas práticas sociais que dão origem aos discursos disseminados na sociedade. Os discursos que moldam a identidade, representam significados sociais dessas pessoas, o que pode muitas vezes, senão na maioria, construir representações ‘cristalizadas’ e ‘reificadas’ (FAIRCLOUGH, 2001, 2008) de pessoas deficientes, tornando, assim, a deficiência um estigma social. Tal estigma é perigosíssimo, pois não leva em consideração “movimentos contínuos/descontínuos das relações que sujeitos, comunidades, nações e instituições estabelecem imaginariamente com o real” (GUERRA & AGUERRO, 2009, p. 51).

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41 Artefatos, por exemplo, a máquina de escrever, a reglete, o soroban entre outros (ver

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4.2.1 Identidade-professor Seriguela

O professor constrói sua identidade baseada em sua formação:

Eu sou pedagogo, com especialização em psicopedagogia. E tenho vários outros cursos na área de deficiência

Exemplo 4.25

Ele explica, em trecho longo, que optou por trabalhar com deficiência ainda na faculdade, quando foi fazer a monografia e descobriu que existiam centenas de síndromes. Então optou por iniciar pela Síndrome de Down, em que o estudo lhe criou uma barreira. Conforme diz:

É como se eu tivesse uma barreira, e que você passasse essa barreira, estivesse em outro mundo. É assim, você vê assim a diferença nitidamente.

Exemplo 4.26

Esse novo conhecimento atribui novos olhares aos saberes que o professor construiu durante toda a sua formação acadêmica, mostrando-nos aspectos que provocam mudança social, tais como o aprendizado sobre ser excluído ou incluído. Aqui penso em inclusão no aspecto de conhecimento, de desvendamento. O desvendar-se na cultura do outro, entender o outro.

A representação identitária do sujeito é agenciada pelos letramentos, usos da leitura e da escrita no processo de formação que constroem a identidade do docente. Em sua autodescrição, o professor está sempre afirmando suas atividades, tais como: “eu sou pedagogo”, “tenho vários outros cursos na área de deficiência”, o que legitima seus saberes e sua construção identitária com docente.

...trabalho aqui há dois anos... e antes disso eu tava como estudante. Eu estava, passei dois anos estudando. Eu comprei um carrinho de lanche, coloquei em frente a minha casa, e fiquei me sustentando com isso. Eu estudava durante o dia, e a noite colocava o carrinho de lanche. Aí, consegui me sustentar... fiz o curso, aproveitei que era de graça, e fiz o curso, nesse tempo que eu tava aqui no instituto de Educação, eu tava fazendo a especialização, ai o carrinho de lanche foi que pagou a minha especialização. Eu consegui tirar o dinheiro pra poder suprir especialização.

Exemplo 4.27

A história de vida do professor se mistura com sua identidade de estudante, que procura conhecer mais mediante outras práticas de letramento, tais como a prática de letramento de venda e de planejamento, para construir e solidificar sua carreira como docente.

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