• Nenhum resultado encontrado

3. O CURRÍCULO DA EJA NO ENSINO MÉDIO EM OURO PRETO: CENAS DO COTIDIANO COLETIVO

3.1. Professores da EJA: personagens de uma história em construção

Retomando a ideia de cenários que têm por estrutura de fundo a cidade de Ouro Preto, achamos por bem homenagear o episódio histórico mais relevante dessa cidade.38 A partir de um dos capítulos mais significativos da História do Brasil, visamos utilizar importantes nomes de pessoas ligadas à Inconfidência Mineira para denominar os professores que participam dessa pesquisa por meio das entrevistas semi-estruturadas, salvaguardando, assim, suas identidades. A opção por resguardar a identidade de tais professores foi acordada com os mesmos e com as escolas no momento de pesquisa. Apesar de suas exposições não os minimizarem e, acreditamos, não causarem mal-estar nos mesmos se fossem utilizados seus nomes reais, preferimos mantê-los em anonimato, como rezaram nossos termos de compromisso. Os nomes utilizados no momento de

38

Aqui se justifica também a veia nativa da cidade estudada e a de historiador que continuam no fluxo da minha pesquisa. Esse episódio histórico marcou muito minha infância que também teve como cenário nos meus primeiros anos escolares. Respirar Ouro Preto talvez tenha me feito tornar historiador, daí tal influência no meu trabalho. Esse momento histórico me ensinou a respeitar essa cidade e seu povo, que mesmo, por vezes, não se reconhecendo parte dessa história, continua fazendo-a acontecer. Essas pessoas que lutam por sua “liberdade ainda que tardia” – e boa parte delas se encontra na EJA – são razão suficiente para tal pesquisa.

descrição são meramente fictícios e nada têm a se comparar com os perfis dos professores participantes, em se tratando da história peculiar de cada personagem histórica escolhida. São apenas simples homenagens ao panteão dos inconfidentes, personagens que tornaram o cenário estudado tão evidente na História.

Se a História Contemporânea coloca em xeque as intenções do ideal de liberdade proposto pela Inconfidência Mineira39, considerando-a apenas elitista e separatista, não nos furtamos de considerar esses professores participantes da pesquisa como libertadores de um povo oprimido, que não tem as mesmas oportunidades que se apresentam às elites do país. Aqui, acreditamos que a licença poética40 é predominante e não a relativização desses professores com os conjurados desse episódio. Professores que acreditamos assumir o compromisso de educadores. O “compromisso do profissional com a sociedade” e que, “como homem, não pode estar fora de um contexto histórico- social em cujas inter-relações constrói seu eu” (FREIRE, 2011, p. 23-24). Compromisso esse que sugere o conhecimento e, muitas vezes, o reconhecimento das e nas dificuldades enfrentadas e das qualidades apresentadas por esses alunos.

O professor Joaquim tem 50 anos41 e possui formação em Engenharia Metalúrgica. É separado e tem uma filha. Durante sua graduação, foi monitor e acredita que essa primeira experiência ensinando ajudou muito na sua formação enquanto professor. Segundo o mesmo, mais tarde, cursou algumas disciplinas pedagógicas, por indicação de uma diretora de uma escola onde trabalhou, curso que denominou como “complementação pedagógica”. É especialista em ensino de Física. Começou na rede particular de ensino e, logo depois, começou a trabalhar com a EJA, na rede pública de ensino. Atua como professor há quase vinte anos e leciona na EJA há pouco mais de cinco. Afirma ter conhecido a EJA no cotidiano da escola e que, em nenhum momento de sua formação, recebeu formação para o trabalho a ser realizado com jovens e adultos.

O professor Inácio tem 38 anos e é formado em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas. É solteiro e não tem filhos. Tem pós-graduação em Engenharia de Produção e, atualmente, cursa uma pós-graduação sobre desigualdade social. Atua como professor

39

Apesar de viverem tempos difíceis com a escassez do ouro e a ameaça da derrama (cobrança das cotas de ouro atrasadas feitas pelas cobranças anuais que deveriam chegar a 1,5 toneladas do metal precioso), o ideal de liberdade vislumbrava apenas livrar dos impostos as elites mineiras e emancipá-las, livrando-as do domínio da Coroa Portuguesa. De nada tem a ver com a liberdade sonhada pelos e para os escravos. O sistema social seria mantido e a escravidão teria os mesmos moldes. Os escravos seriam ainda considerados bens daqueles que organizaram a conjuração e demais membros da alta sociedade mineira. Exemplo clássico dessa situação é Alexandre da Silva, escravo de Padre Rolim, que fora a leilão após o confisco dos bens do clérigo inconfidente, e que, mesmo tendo lutado com os soldados e considerado à época homem de confiança de Rolim, continuou a ser tratado como objeto do seu senhor. Nesse ambiente de revolta e anseio por liberdade, o senhorio preocupava em manter seus bens que poderiam ser arrolados pela derrama, inclusive os seus escravos (SANT’ANNA, 2000).

40

Os primeiros nomes aqui usados são os de Joaquim José da Silva Xavier, Inácio de Alvarenga Peixoto, Bárbara Heliodora, Thomás Antônio Gonzaga e Maria Dorotéia Joaquina de Seixas (a Marília de Dirceu).

41

Os dados cronológicos aqui se referem ao final do ano de 2014, quando foram feitas as entrevistas. Optamos por manter o texto no presente para melhor cadência na leitura do texto e também por esses professores continuarem lecionando na modalidade.

há, aproximadamente, cinco anos, lecionando na EJA nesse período. Possui contrato temporário e trabalha em uma única escola. É também integrante do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio.42 Assim como o professor Joaquim, Inácio afirma não ter passado por nenhuma formação que tivesse como tema a Educação de Jovens e Adultos em seu período de formação, apesar de ter citado que o curso que está fazendo sobre as desigualdades sociais tem ampliado seus conceitos em relação ao perfil do aluno da EJA.

A professora Maria tem 51 anos e leciona Língua Portuguesa na EJA. É separada e vive com os dois filhos. Graduada em Letras, possui pós-graduação em Português e suas Literaturas e atua como professora da rede pública há mais de 20 anos. Trabalha em duas escolas e é efetiva não concursada no cargo que ocupa, lecionando para a EJA. Ela destaca que se tornou professora por opção, pois, desde muito jovem, tinha o sonho de ser professora. Trabalha com a EJA há mais de 13 anos, mas só nos últimos anos assumiu turmas de Ensino Médio. Mesmo com esse tempo na EJA, assume nunca ter feito nenhuma formação continuada para o trabalho com a Educação de Jovens e Adultos e, durante sua formação, também não estudou nada sobre o tema.

O professor Tomás é formado em Licenciatura em Filosofia e tem 34 anos de idade. Solteiro, é formado há mais de dez anos e não tem filhos e é efetivo não concursado. Trabalha em duas escolas lecionando a disciplina do curso que tem sua formação, atuando no Ensino Médio há pouco mais de seis anos. Assim como seus colegas de profissão, afirma nunca ter passado por uma formação que fosse voltada para a EJA, aprendendo a trabalhar com a modalidade como outros professores mencionaram, no cotidiano da sala de aula.

A professora Bárbara é casada e tem três filhas. Formada em Biologia, tem mestrado na mesma área. Formada há mais de dez anos, começou a lecionar na EJA há, aproximadamente, cinco anos e afirma que, quando se graduou, não passou por nenhuma formação para o trabalho com jovens e adultos. Também nesses anos lecionando nunca teve algum tipo de formação continuada que tivesse como foco o trabalho com a modalidade.

Retomando o objetivo geral dessa pesquisa, que se propõe descobrir como são desenvolvidos os conteúdos curriculares da EJA do Ensino Médio nas escolas de Ouro Preto, os professores se tornaram vozes importantes para que investigássemos os currículos dessa modalidade. Identificados os perfis dos professores e alunos, sujeitos da prática curricular e estudados os temas que amparam essa pesquisa – currículo, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos –, partiremos para as categorias surgidas a partir da análise de conteúdo, advindas das entrevistas semi-estruturadas feitas com os professores participantes da pesquisa. As mesmas têm

42

O Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio é uma proposta do Ministério da Educação, lançada em 2013, de oferecer formação continuada aos professores do ensino médio nas 27 unidades da Federação. Disponível em: www.portal.mec.gov.br.

como foco o desenvolvimento de tais currículos, mas não se furtam de conhecer o cenário e os atores que participam de alguma forma desse processo. Aqui, Estado, escola, professores e alunos são vistos como atores do processo de construção de uma prática voltada para os arcabouços do ensino e aprendizagem propostos nas ditas escolas.