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2.2 Na universidade, cada um vai buscar o seu

2.2.2 Os professores não são de dizer ‘faça isso’ ou ‘faça aquilo’

Os estudantes entrevistados também ressaltaram a importância da autonomia do aluno universitário no tocante ao relacionamento com o professor. Segundo Maria Fernanda, os professores não são de dizer ‘faça isso’ ou ‘faça aquilo’, é diferente, ou o aluno tem consciência ou não tem, fica por conta dele, raramente um professor pede direto. Muitas vezes deve-se fazer mais do que os professores pedem, eles só passam, mas o aluno tem que saber interpretar, tem que procurar entender sozinho (Flaviana).

A necessidade de ter consciência, de ter que interpretar ou entender sozinho exige, do novo estudante universitário, autonomia frente ao professor. Esse imperativo pode ser relacionado ao fato de que, na universidade, o professor pode

afigurar-se menos necessário – ele parece desempenhar um papel menos central que na escola (sic) de primeiro e segundo grau: as funções de vigilância diminuem, os alunos são bem mais capazes de recorrer a livros ou mesmo aos textos mimeografados e de fazer suas próprias sínteses (SNYDERS, 1995, p.107).

No entanto, tal capacidade, sendo subjacente ao desenvolvimento da autonomia, não se processa de uma hora para a outra, visto que se configura numa nova forma de relacionamento entre o professor e o aluno, comparado ao relacionamento na escola de origem. Tendo em vista, pois, as diferentes representações do professor da escola feitas pelos alunos e analisadas na primeira parte deste trabalho, infere-se que o relacionamento com o professor não foi interpretado de maneira similar por todos os estudantes entrevistados. Os alunos procedentes de escola pública e os alunos procedentes de escola privada apresentaram representações diferentes concernentes a esse relacionamento.

Carolina, por exemplo, ex-aluna da rede privada asseverou que os professores na escola se preocupam e só saem da sala de aula conscientes de que o aluno aprendeu a matéria, enquanto na universidade o professor não se preocupa. Essa afirmação, mesmo estando permeada da exaltação da esfera privada discutida na primeira parte do trabalho, demonstra uma ruptura no relacionamento professor/aluno referente à menor vigilância por parte do professor universitário, ou seja, para Carolina, a menor vigilância por parte do professor universitário deve-se mais ao descaso do que à função do professor. Portanto, o desenvolvimento do processo de autonomia frente ao professor é interpretado de forma negativa pela aluna, que tinha um relacionamento familiar com os professores da antiga escola, e considera o novo professor distante e despreocupado (Carolina).

Flaviana, no entanto, oriunda da escola pública, afirmou que na escola, o professor não demonstrava uma preocupação excessiva se o aluno aprendeu ou não, enquanto na universidade tem professores que são muito empenhados, que querem saber se os alunos aprendem, professores que dão aula mesmo (Maria Eduarda). Esta diferença de interpretação pode estar relacionada ao fato de que, segundo os ex-alunos de escola pública entrevistados, seus antigos professores davam aula quando queriam, às vezes não davam aula direito (Maria Eduarda) e ensinavam o que dava para ser visto, não se preocupavam (Samara). Portanto, esses alunos viam seus professores como alguém que estava na sala de aula por acaso, isto é, alguém que era chamado de professor porque formalmente o era e não por merecer esse título. Porém, o maior empenho dos professores na universidade traz preocupações a esses alunos procedentes de escola pública, conforme se percebeu na fala de Maria Eduarda, segundo a qual é difícil se adaptar a mais cobrança dos professores e de David, que afirmou que é muito estressante ler um texto já pensando no debate com o professor. Portanto, mesmo demonstrando uma avaliação mais positiva no relacionamento com o professor na universidade do que os alunos oriundos da rede privada, os alunos procedentes de escolas

públicas também expressaram dificuldades no desenvolvimento da autonomia, principalmente em relação à dificuldade de adaptação a um professor mais exigente.

Assim, destacaram-se duas visões no relacionamento professor/aluno durante as entrevistas. Enquanto para os ex-alunos de escola pública o professor da universidade é atencioso, responsável (Antônio), exigente e rigoroso (Alícia); para os ex-alunos de escola privada, ele é despreocupado (Carolina) e distante (Carla). Essas diferentes interpretações podem ser explicadas pelas visões desses alunos em comparação aos professores da escola de origem. Nesse sentido, os alunos estabeleceram uma analogia entre seus antigos e novos professores: no caso dos ex-alunos da escola pública, o descaso dos professores na escola influenciou numa avaliação positiva dos professores da universidade, embora esta positividade não exclua preocupação com uma maior cobrança na universidade. Já no caso dos ex-alunos da rede privada, a boa avaliação de seus antigos professores influenciou numa visão que revela desapontamento em relação aos professores da universidade. Vale ressaltar, todavia, que a avaliação desses alunos procedentes de escolas privadas remete mais a questões de proximidade pessoal e vigilância do que, propriamente, a questões pedagógicas.

Considerando a importância da autonomia frente ao professor para o processo de afiliação, que conforme foi dito anteriormente, é o processo através do qual o aluno se torna um membro na universidade, pode-se afirmar que todos os alunos entrevistados revelaram dificuldades na afiliação intelectual, haja vista as dificuldades expressadas por eles sobre os trabalhos a cumprir e sobre a interpretação do que é esperado deles por parte do professor. As dificuldades relacionadas à afiliação institucional, por sua vez, ficaram mais evidentes nas falas dos alunos oriundos da rede privada. Para esses alunos, a evidente necessidade de tomar decisões frente a um professor que delega responsabilidades, relaciona-se mais a descaso do que, propriamente, a autonomia.