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Profissionalismo, Decoro e Civilidade

Serviço Público X Emprego

A carreira do serviço público não é um emprego comum, no sentido que este termo adquiriu na sociedade industrial. O Estado, por um lado, não é uma empresa capitalista, cujo objetivo é a produção de mercadorias com vistas ao lucro. O serviço público, portanto, está longe de ser um pacote indefinido de produtos e serviços voltados para o mercado.

Estado X Patrão

Por outro lado, o Estado não é um “patrão” no sentido usual, que explora o trabalho alheio para promover seus próprios interesses. Se há um “patrão” em jogo – a própria comunidade que o Estado deve representar -, ele não se encaixa bem no papel de explorador do trabalho, embora até possa ser rigoroso com os seus funcionários, no que tange ao zelo com a coisa pública (res publica).

8 O serviço público é uma vocação profissional.

Vocação pelo caráter nobre da atividade: servir uma comunidade e promover o bem comum são missões honradas e dignificantes.

Vocação porque exige desprendimento: por mais bem pago que seja, o serviço público jamais será o lugar ideal para quem busca o mais alto retorno que o mercado de trabalho pode oferecer.

Desprendimento não significa ausência de uma ambição salutar. Trata-se de uma ambição de natureza distinta daquela que se espera nos negócios privados: estamos falando do desejo de tornar a sua cidade, estado ou país um lugar melhor de se viver, da vontade de enfrentar os desafios que essa meta impõe, e da necessidade de ser reconhecido por isso.

Profissionalismo

O serviço público é uma atividade altamente profissional porque é produto de uma opção: o Estado convoca seus quadros de carreira para uma dedicação plena.

O que se espera dos ocupantes dos cargos públicos?

• Vínculo permanente.

• Concentração no trabalho.

• Dedicação.

• Empenho para servir à comunidade.

• Competência.

Dos ocupantes desses cargos não se espera um vínculo eventual ou superficial, mas uma concentração, intelectual e emocional, na função pública escolhida. Por isso, essa função tem que estar relacionada a um talento real, desenvolvido pela educação e pela experiência ao exercê-la.

Uma dedicação plena e por toda uma vida só pode dar certo se o candidato ao cargo tiver, além do empenho para servir à comunidade, a competência e o gosto para fazer o que se espera do cargo. Do contrário, em pouco tempo, o desempenho se tornará enfadonho, com prejuízo ao público e ao próprio servidor.

A boa carreira na estrutura administrativa do Estado é, portanto, uma síntese de vocação e aptidão para lidar com as questões técnicas ou outras próprias do serviço prescrito.

Mas o profissionalismo do serviço público é mais do que o exercício talentoso de uma função.

Há valores em jogo e uma conduta adequada a seguir. Para além do compromisso ético com o bem comum, uma atitude profissional exige, entre outras qualidades:

a) Imparcialidade b) Objetividade c) Excelência

a) Imparcialidade

O serviço público envolve relacionamentos humanos que podem se chocar com nossos gostos e preferências pessoais – políticas, ideológicas, religiosas ou o que for.

Às vezes simpatizamos muito com certas pessoas e detestamos outras, apoiamos um partido ou corrente política e não outra, essa igreja e não aquela etc. É claro que o exercício correto de qualquer ofício não pode deixar que esses gostos e preferências interfiram no que deve ser feito.

b) Objetividade

Objetividade significa uma abordagem razoavelmente distanciada e serena do trabalho a fazer.

Isso não significa indiferença ou frieza: trata-se apenas de evitar que sentimentos explosivos atrapalhem o nosso desempenho.

Não é o caso de sufocar as emoções, mas sim educá-las para seguir o fluxo racional que leva ao sucesso do trabalho.

c) Excelência

O trabalho profissional é a busca incessante da perfeição. Nunca alcançaremos a perfeição, mas ao buscá-la, chegaremos ao melhor possível.

Decoro

Mas há outras qualidades que focam mais de perto a natureza ético-política do serviço público.

Vejamos algumas delas em detalhes...

O Estado é a instituição de mais alto poder na sociedade e suas decisões afetam profundamente a vida dos cidadãos. É por isso que, para o Estado, convergem forças que representam interesses diversos e conflitantes da comunidade. Além disso, o Estado reclama para si o monopólio de certas atividades e decisões as quais acarretam, na maioria das vezes, o embate de setores sociais com interesses divergentes.

O Servidor público, em maior ou menor escala, com freqüência depara-se com o problema da condução correta dessas pressões e conflitos. Não há, por certo, receitas prontas nesse caso.

Mas há, sim, uma postura geral que deve ser observada com zelo. Essa postura é o decoro.

O decoro é uma “postura” porque une a disposição interna para agir corretamente com a aparência desse agir. Decoro, do latim decorum, é “a face pública de um estado pessoal da honradez” (David Burchell).

Decoro, portanto, compreende não apenas a retidão de uma ação, mas também a visão que a sociedade tem dessa ação como sendo correta.

Sabedor de que sua função é alvo natural de desconfiança das partes interessadas e de ressentimento de quem não consegue obter o benefício particular esperado, o servidor deve construir uma personalidade e uma reputação cívicas à altura de sua autoridade formal.

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Eis o valor auxiliar das normas de conduta, que se relacionam diretamente com os códigos de ética que veremos a seguir. O propósito desses códigos é justamente indicar ao ocupante do cargo público maneiras de construir aquela personalidade. Exatamente porque a reputação é tão importante na noção de decoro, duas qualidades vizinhas o acompanham inevitavelmente:

a probidade e a integridade.

Probidade é a qualidade de quem é probo e significa retidão, honradez, brio e observância rigorosa dos deveres da justiça e da ética. Integridade tem significado semelhante e é uma qualidade atribuída a uma pessoa honesta, incorruptível, cujos atos são irrepreensíveis.

Essas qualidades se estabelecem por meio de um vínculo entre passado, presente e futuro:

uma boa reputação não se constrói do dia para a noite; ela se faz ao longo de toda uma carreira. Como passou pela prova do tempo, a reputação dá uma noção segura do caráter e da personalidade do servidor. À autoridade formal associa-se, então, a autoridade ética. E ao poder do cargo junta-se a confiança na pessoa do seu ocupante.

O decoro, a probidade e a integridade não são apenas patrimônios pessoais. São caracteres imediatamente transferidos à “personalidade” do Estado. Isto quer dizer que uma administração pública proba, íntegra e atenta ao decoro é função direta da probidade, integridade e honestidade de seus funcionários.

Civilidade

Finalmente, há que mencionar a civilidade. Essa qualidade é, genericamente falando, uma disposição para tornar as relações sociais mais fluentes ou menos ásperas.

Quanto mais competição e conflito existir no contexto dessas relações sociais, mais necessária será a civilidade, especialmente quando o Estado é o mediador desses conflitos.

Mais especificamente, a civilidade é:

a) Prestação de contas

Civilidade significa disposição para justificar publicamente decisões tomadas ou estratégias adotadas, e abertura para ouvir interpelações, críticas e sugestões. Porém, de forma respeitosa, independentemente da simpatia pessoal que se tenha pelo interlocutor.

b) Espírito Cooperativo

Civilidade aqui se refere à abertura para acomodar diferenças. Essa é uma qualidade essencial nos processos de mediação. Normalmente, em um conflito ou competição, existe a tendência de se ampliar exageradamente o campo de atrito das relações, ao mesmo tempo em que se estreitam as possibilidades de cooperação e acordo. Ter o “espírito cooperativo” não é promover a conciliação a qualquer preço, ferindo princípios éticos. É, ao contrário, credenciar-se como um agente que promova a boa vontade e motive as ações coletivas construtivas.

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