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Diagrama 2 Passos e atores envolvidos na aquisição de alimentos da agricultura

3 OS PROGRAMAS DE COMPRAS PÚBLICAS DA AGRICULTURA FAMILIAR:

3.1 A trajetória dos programas de compras públicas da agricultura familiar

3.1.1 O Programa de Aquisição de Alimentos

O Programa de Aquisição de Alimentos é implementado em 2003 e tem como finalidade comprar alimentos da agricultura familiar e destiná-los às populações em situação de vulnerabilidade social. É uma política que une em seu desenho a garantia da segurança alimentar e nutricional e o apoio à agricultura familiar (SAMBUICHI et al, 2014). Em que pese o programa tenha sido elaborado como ação estruturante do PFZ, timidamente, atores e organizações da agricultura familiar também participaram de sua criação. Vale reforçar novamente que as demandas reivindicadas pelos movimentos sociais e sindicais ligados à população camponesa – garantia de preços mínimos, formação de estoques e compras públicas, formas alternativas de comercialização da produção – estão presentes na trajetória das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural desde os anos 1980 (GRISA; CALDAS; AVILA, 2018).

Neste sentido, a criação do PAA é vista como uma forma de atender à essas demandas. Mas se em seus anos iniciais, a participação destes atores na política foi relativamente pequena30, na medida em que o programa avança e seus resultados se expandem, a população

camponesa passa a participar ativamente da política (GRISA; CALDAS; AVILA, 2018). O PAA se configura como uma oportunidade:

Deste modo, observa-se que a construção do PAA resultou da confluência de ideias que transitaram entre grupos políticos diferentes nos três níveis de governo, de uma variedade de soluções parciais e dispersas ao longo do tempo e no território

30 Entre as possíveis razões destaca-se a falta de mobilização social presente nos projetos “pilotos” do Programa

e a priorização por parte da população camponesa, das lutas por reforma agrária e principalmente acesso ao crédito rural (GRISA; CALDAS; AVILA, 2018).

nacional, e de um conjunto de atores que desde as décadas de 1980/90 vinham debatendo e propondo ações nos temas da SAN e da agricultura familiar, os quais encontraram uma “janela de oportunidades” (KINGDON, 1984) com a eleição de Lula para institucionalizar suas ideias. Assim, o PAA é a institucionalização de um conjunto de ideias de que a compra pública direcionada é uma estratégia de multiplicação de renda e de geração de emprego (GRISA; CALDAS; AVILA, 2018, p. 67).

Os acúmulos históricos, políticos, científicos, agroecológicos, da agricultura familiar e da segurança alimentar e nutricional, em conjunto com a contribuição de gestores e técnicos governamentais fundamentam a construção do PAA. Essas ideias são aglutinadas no CONSEA e o Conselho, além de ser o espaço de surgimento do Programa de Aquisição de Alimentos, também atua no monitoramento e no aperfeiçoamento da política. A concepção de política agrária aliada às noções de segurança alimentar e nutricional transformam o programa em algo inovador, mas além, essa política pública também integra em sua concepção a promoção de sistemas descentralizados, de base agroecológica de extração, produção, distribuição e processamento de alimentos (GRISA, 2012).

É importante destacar que, ao longo de sua trajetória, o programa passa por algumas mudanças importantes. Uma das mais significativas diz respeito à extinção do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome e a criação do Ministério do Desenvolvimento Social, que passa a ser co-responsável pela execução do PAA. Essa modificação altera a própria concepção do programa: o MDS passa a priorizar ações de assistência alimentar, privilegiando aqueles que recebem os alimentos e, diminuindo, de certa forma, os agricultores familiares participantes da política. Ao mesmo tempo, as ações de outro ministério co-responsável, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, se voltam principalmente à comercialização, inserção e preparação de agricultores para o mercado. Esses descompassos acabam por resultar em concepções diferentes para o mesmo programa, gerando certa institucionalidade desigual, a exemplo da alocação de recursos entre os ministérios – a maior parte do orçamento do programa é de responsabilidade do MDS (GRISA, 2012).

Outra mudança que merece destaque diz respeito à extinção e aglutinação de modalidades existentes na concepção inicial do programa. A Compra Antecipada31, que

consiste na compra da produção antes que ela seja feita de agricultores através da Cédula do Produtor Rural (CPR), e a Compra Direta Local, que consiste em comprar diretamente de

31 Essa modalidade acaba se tornando uma espécie de crédito para financiar a produção e é pensada justamente

agricultores individuais ou organizados em grupo, se transformam em uma nova modalidade: a Doação Simultânea (SAMBUICHI et al, 2014).

Em 2013 o PAA passa por uma mudança de rumo: a queda do protagonismo da CONAB na execução do programa e a ascensão do MDS, como operador de convênios por termos de adesão. A forma de operação da CONAB consiste na articulação de associações e cooperativas de agricultores, enquanto o modelo do MDS se volta a promover formas de participação individualizada de beneficiários fornecedores:

As organizações associativas induzidas pelo PAA, ou pré-existentes a ele, funcionam como veículo importante de organização das comunidades. Como foi dito, elas absorvem, como entes coletivos, as obrigações relativas aos requisitos burocráticos de entrada no programa e à construção das propostas de participação junto às entidades socioassistenciais. O cumprimento individual dessa tarefa por cada produtor poderia esbarrar em grandes dificuldades, além de comprometer a desejável simplificação do processo de operacionalização do programa. No modelo incentivado pelo MDS, por seu turno, toda a operação passa a ser de responsabilidade do produtor beneficiário, que, isoladamente, recebe seu benefício via cartão individual, ao entregar a produção no local combinado (VALADARES; SOUZA, 2015, p. 14).

O programa pode caminhar em um sentido contrário àquele que conflui para sua origem: se restringir apenas à garantia estrita de comercialização e de preços, garantir o fomento econômico, deixando em segundo plano sua dimensão social, responsável por fortalecer associações, fomentar diversidade produtiva e garantir a segurança alimentar para beneficiários produtores e consumidores (VALADARES; SOUZA, 2015). Isso nos evidencia que o referencial de política pública criado por determinados programas pode se diferenciar muito dos resultados após sua execução na escala local (GRISA, 2012).

Gráfico 1 – Histórico de execução anual do PAA, por região

Além da extinção e surgimento de novas modalidades e modificações nas formas de atuação do programa, destaca-se a flutuação na quantidade de recursos aplicados no PAA, que já conta com um orçamento relativamente pequeno: o ano de maior investimento no programa é 2012, quando são executados 839.220.000 de reais na aquisição de alimentos por todo o país. Depois disso os números não chegam a 600 milhões (KAMINSKI et al, 2018).