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Diferentemente do Programa Bolsa Escola (PBE), o Programa Bolsa Família (PBF) tem por objetivo combater a fome. Ele é fruto da reunião de vários outros programas de transferência anteriores mantidos em diferentes Ministérios, a citar: Bolsa Escola (Ministério da Educação), Auxílio Gás (Ministério das Minas e Energia), Bolsa Alimentação (Ministério da Saúde) e Cartão Alimentação (Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar). Ao incorporar outros programas de transferência de renda, também incorporou as suas condicionalidades. Para uma família receber os recursos do PBF, ela deve atender a três conjuntos de condicionalidades:

a) Saúde:

• no caso da criança: manter atualizado o calendário de vacinação, fazer o monitoramento do peso e do estado de saúde;

• no caso da gestante e da puérpera: acompanhamento pré-natal, acompanhamento pós-parto e participação em atividades educativas sobre aleitamento materno e alimentação saudável.

b) Educação: mínimo de 85% de frequência escolar das crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos;

c) Renda: são elegíveis as famílias em situação de pobreza (renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) ou de extrema pobreza (menor que R$ 70).

Estas condicionalidades combinadas fizeram do PBF um programa especial. Elas permitiram precisão na aplicação do dinheiro público (Lindert, Linder, Hobbs & Brière, 2007), aspecto também presente no PBE. Estas três condicionalidades trazem também subjacentes uma lógica de desenvolvimento. Combater a fome por meio da transferência de renda, monitorar a saúde e frequentar obrigatoriamente a escola fazem parte de uma estratégia de intervenção com clara inspiração na teoria do capital humano de Schultz (1961).

O PBF é uma das ações do governo no Eixo 1 de articulação do Fome Zero. Os eixos articuladores são: (1) acesso à alimentação; (2) geração de renda; (3) fortalecimento da agricultura familiar; e (4) articulação, mobilização e controle social (Presidência da República Federativa do Brasil, s.d.). A Tabela 1 apresenta o nome dos vários programas e ações em cada eixo.

Tabela 1

Eixos articuladores do “Fome Zero” e seus respectivos programas e ações.

Eixo 1 Alimentação Eixo 2 Renda Eixo 3 Agricultura Familiar Eixo 4 Organização Social

• Bolsa Família • Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)

• Qualificação social

e profissional • Casa das Famílias (Centro de Referência de Assistência Social – CRAS)

• Alimentação

Escolar (PNAE) • Garantia-Safra • Economia solidária e inclusão produtiva • Mobilização social e educação cidadã • Alimentos a grupos populacionais específicos • Seguro da Agricultura Familiar • Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consad) • Capacitação de agentes públicos e sociais • Cisternas • Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) • Organização produtiva de comunidades • Mutirões e doações • Restaurantes

populares • Desenvolvimento de cooperativas de

catadores

• Parcerias com empresas e entidades • Bancos de

alimentos • Microcrédito produtivo orientado • Controle das ações do Fome Zero pela sociedade (Controle Social) • Agricultura urbana / hortas comunitárias • Sistema de vigilância alimentar e nutricional (Sisvan) • Distribuição de Vitamina A (Vitamina A+) • Distribuição de ferro (Saúde de Ferro) • Alimentação e nutrição de povos indígenas • Educação alimentar, nutricional e para consumo • Alimentação Saudável / Promoção de Hábitos Saudáveis • Alimentação do Trabalhador (PAT)

Nota. Adaptado de “Fome Zero: programas e ações”, por Presidência da República Federativa do Brasil, s.d, recuperado de

Destaca-se a concentração de programas e ações no Eixo 1, que se preocupa com o acesso aos alimentos, e a predominância de atividades que envolvem a agricultura familiar. Esta ênfase na agricultura familiar é compreensível pelo fato de ¼ da população rural se encontrar em situação de “extrema pobreza”, como já mencionado. Esta ênfase no meio rural ficou mais evidente com o lançamento, em 20 de março de 2012, do Programa Nacional de Educação no Campo (Pronacampo). Um programa para lidar com 76 mil escolas rurais existentes, 6,2 milhões de matrículas e 342 mil professores (Ministério da Educação, 2012).

Mais recentemente, dois novos benefícios foram incorporados ao PBF. O Benefício Variável vinculado ao Adolescente (BVJ) estende o benefício do PBF ao jovens com 16 e 17 anos. No caso de crianças de zero a 6 anos, existe o Benefício para a Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância (BSP).

Em oito anos de PBF, o programa gastou 76 bilhões de reais, esteve presente em 5.560 municípios brasileiros e beneficiou 11,1 milhões de famílias, o que correspondeu a 45 milhões de pessoas (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2011). Por ano, o PBF aplicou o equivalente a 0,2% do PIB, enquanto o orçamento público em educação foi da ordem de 5,8% do PIB, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2011a). A comparação é puramente financeira e ignora a complexidade das estruturas de custos do PBF e da educação. De qualquer forma, a comparação permite constatar que o gasto com o PBF é relativamente pequeno, considerando o seu impacto sobre ¼ da população total do Brasil.

O número de ações e programas dentro da estratégia do Fome Zero evidencia o problema levantado anteriormente por Glewwe e Kassouf (2012). Como isolar o efeito de apenas um programa? A este problema, junta-se agora o tamanho do orçamento. Com um gasto no PBF dez vezes menor que o gasto total em educação, a tarefa de verificar o impacto do programa sobre a fome parece ser ainda mais difícil.

Para tentar determinar o tamanho dessa dificuldade, serão apresentados alguns dados sobre o orçamento do PBF. Na Figura 3 está a distribuição do investimento por região. Chama a atenção o resultado da região Sudeste. A despeito de ser a região de maior desenvolvimento econômico, ela recebeu o segundo maior montante de fundos. Mas isto pode ser explicado pela distribuição da pobreza na população. Como visto anteriormente, a divisão da pobreza em termos populacionais é quase igual entre meio

urbano e meio rural. O Sudeste é a região com maior concentração de população urbana, o que justificaria a sua segunda posição na Figura 3.

Figura 3. Valor de investimento do Programa Bolsa Família por região do Brasil, 2003 a 2010.

Adaptado de “Bolsa Família completa 8 anos com investimentos de R$ 76 bilhões”, por Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2011. Recuperado de http://www.mds.gov.br/

saladeimprensa/noticias/2011/outubro/bolsa-familia-completa-8-anos-com-investimentos-de-r-76- bilhoes

Para ratificar essa informação, a Figura 4 apresenta o número médio de famílias cujo rendimento mensal nominal é de até ¼ do salário mínimo (à época, R$ 510), por unidade federal, para o ano de 2010. Neste mapa, nota-se que São Paulo e Minas Gerais estão na mesma faixa da Bahia, Ceará, Maranhão e Pará. Estes estados apresentam entre 47 a 86 mil famílias nessa faixa de renda. Rio de Janeiro está na mesma faixa de Piauí, Paraíba e Pernambuco, entre 21 a 45 mil famílias. De fato, os estados do Sudeste, com exceção de Espírito Santo, apresentam quantidades semelhantes de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza quando comparado com alguns estados do Norte e Nordeste.

Estes dados confirmam que o PBF de fato está atingindo as regiões mais pobres do país. Portanto, pode-se supor que, apesar de relativamente pouco o valor gasto com o PBF, ele esteja sendo utilizado de forma eficiente no combate à fome. Mas como discernir os impactos do PBF dos demais programas e ações?

A resposta talvez esteja nas próprias condicionalidades do PBF. Elas são baseadas em um modelo teórico de ação. Este modelo estabelece que a melhoria da educação dos membros da família, a exigência do comparecimento aos postos de

0   5   10   15   20   25   30   35   40   45  

N   NE   CO   SE   S  

b il h õe s   d e   R $   Região  

saúde e o provimento de renda implicam na diminuição da fome e na sua não perpetuação (bem-estar). Assim, verificar o impacto do PBF não se definiria apenas por seus impactos diretos sobre a fome, mas também pela mensuração da educação, da saúde e da renda das famílias e a sua relação com a pobreza.

Figura 4. Número de famílias conviventes residentes em domicílios particulares cujo rendimento

nominal mensal familiar per capita é de até ¼ de salário mínimo (salário mínimo = R$ 510), por estado, Brasil, 2010. Elaborado por meio do Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra) a partir de dados do Censo Demográfico de 2010. Recuperado de http://www.sidra.ibge.gov.br/

bda/tabela/listabl3.asp?c=3520&n=0&u=0&z=t&o=25&i=P

Este modelo subjacente ao PBF permite estabelecer uma estratégia de análise deste programa. Este trabalho pretende analisar o desenvolvimento econômico brasileiro a partir deste framework de ação do PBF.