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DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA

Conforme pondera Nóvoa (2019), os primeiros anos como professores iniciantes são os mais decisivos na vida profissional docente, pois marcam, de muitas maneiras, seja a relação dos professores com os alunos, com os colegas e com a profissão em si. Nesse sentido, é o tempo mais importante na nossa constituição como professores, na construção de uma identidade profissional.

O processo de desenvolvimento profissional docente é compreendido como um aprendizado ao longo da vida (MIZUKAMI et al., 2003), desse modo requer tempo, tendo em vista que perpassa ciclos de vida e fases da profissão (GATTI, 2014). De acordo com os autores Marcelo (2009) e Vaillant (2012), o aprendizado da docência ocorre desde a pré-formação, formação inicial até a iniciação à docência e formação continuada.

Huberman (2000) destaca as fases da carreira, considerando que a carreira docente não é necessariamente linear e sequencial, no entanto infere as fases do ciclo de vida dos professores: exploração ou tateamento – três primeiros anos da docência; estabilização – de quatro a seis anos de docência; diversificação – até 25 anos de experiência docente; conservantismo – entre 25 e 35 anos de docência; desinvestimento – acima de 35 anos na docência. Diante disso, percebe-se que em cada etapa da carreira profissional docente existem particularidades, tensões e aprendizagens, pois, embora o professor tenha muitos anos de experiência profissional, a cada nova atribuição de nível de ensino entende-se que ocorre um processo inicial de atuação docente, ou seja, a aprendizagem da docência é também um processo contínuo.

Ainda convém ressaltar que a estabilidade, a maior confiança para atuar e a diversificação das práticas não se devem simplesmente ao tempo de exercício da docência, mas aos tipos de experiências vividas, aos processos reflexivos realizados e ao compromisso docente com a profissão. Nesse sentido, um professor iniciante também

pode diversificar suas práticas e um docente próximo à aposentadoria nem sempre desinveste e se distancia da profissão, ou seja, ele pode continuar investindo em si e nos/as estudantes.

Nesse sentido, concordamos com Tancredi (2009) ao destacar que a carreira docente sempre está em movimento, pois, em cada fase, o profissional pode ter demandas formativas específicas, porém em todas as fases precisa continuar a aprender. Além disso, a aprendizagem da docência também depende do comprometimento e/ou envolvimento pessoal para se consolidar com os resultados percebidos nas aprendizagens dos alunos.

Em relação ao(à) professor(a) iniciante, que acabou de ingressar na profissão, precisa-se de um apoio mais sólido ao se inserir no espaço escolar. De acordo com Marcelo (2002), um ponto importante a ser considerado é a relação que o professor iniciante estabelece inicialmente entre os pares na unidade escolar, pois não é tarefa fácil, tendo em vista que pode haver falta de receptividade por parte dos colegas de profissão, além da falta de apoio pessoal e institucional. Por isso, cabe ressaltar a responsabilidade da equipe gestora – diretor(a) e coordenador(a) pedagógico(a) – em acolher, apresentar regras e normas da escola; acompanhar e orientar o(a) professor(a) novato(a) no planejamento, na gestão do conteúdo, das aulas e da turma; favorecer a troca de experiências e saberes entre professores(as) iniciantes e experientes; garantir espaço e tempo para a reflexão individual e coletiva e também possibilitar formações. Os estudos têm apontado que esta fase geralmente acontece entre os três primeiros anos na docência, no entanto percebe-se que, de fato, existem situações que requerem uma atenção necessária: a remoção do(a) docente para uma nova faixa-etária, ano, série, turma ou a mudança de período na escola ou, ainda, a alteração do local de trabalho podem ser fatores de um (re)início na docência.

Diante desse contexto de iniciação da docência, os estudos têm mostrado a necessidade de políticas públicas de acompanhamento nessa fase inicial da carreira docente. Nesse aspecto, destacamos programas de mentoria pela relevância que vêm apontando em algumas experiências tanto no Brasil como em outros países da América do Sul.

Marcelo e Vaillant (2017), por meio de uma pesquisa realizada em 2015, trouxeram uma abordagem do estudo de políticas e programas de indução na docência na América Latina, com particular ênfase na situação do Brasil, Chile, México, Peru e da República Dominicana. Este trabalho demonstra a influência que as políticas desses

países podem exercer como inspiração para outros países. A seguir, apresentamos dois quadros contendo algumas características dos programas de indução à docência.

Quadro 3 O panorama de contexto de programas de indução em países da América do Sul.

Programas de indução à docência

BRASIL

Tratam-se de experiências que estão sendo realizadas em alguns estados, porém ainda não existe uma política de estratégia comum no país.

A duração varia de acordo com os estados, e os componentes são diversos de acordo com a experiência.

CHILE

Existe um sistema de indução nacional e uma lei específica. O programa acompanha a indução dos primeiros dez meses de docência. Componentes de mentoria e outras atividades de acordo com cada escola, com papel de destaque do diretor.

MÉXICO

Há um sistema de indução na lei geral de serviço profissional docente. O programa acompanha a indução durante dois anos. Existe um Tutor selecionado entre os professores experientes, sendo que a tutoria oferecida é presencial ou online.

PERU

Atende ao regulamento da indução no direito da reforma magistral e desenvolvimento de regulamento. O programa acompanha a indução durante seis meses. Mentores selecionados e treinados para sua função.

REPÚBLICA DOMINICANA

Reconhecimento de indução pelo pacto nacional para a reforma educativa, no entanto ainda não transformada em lei ou

regulamento. Acompanha o período de um ano escolar. Mentores selecionados e treinados para sua função. Círculos de aprendizagens e seminários presenciais.

Fonte: elaborado pela autora a partir de autores citados no trabalho.

Conforme ilustra o quadro, os programas de indução em países da América do Sul, embora semelhantes no que tange às propostas de acompanhamento para professores iniciantes, são distintos em virtude da duração concedida para suas práticas, ou até mesmo no que se refere aos objetivos de intencionalidade para uma política pública efetiva.

No quadro subsequente, focalizamos o contexto de programas de indução à docência no Brasil (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011):

Quadro 4 Panorama do contexto de programas de indução à docência no Brasil.

Programas de indução à docência Secretaria Estadual de

Educação do Ceará

A cada docente iniciante é oferecido acompanhamento de suas atividades pelos gestores das unidades, compreendendo orientar os momentos de estudo, de planejamento e ainda o monitoramento das atividades docentes.

Secretaria Municipal de Educação de

Jundiaí/SP

Curso de capacitação a docentes iniciantes, antes de assumirem uma sala de aula.

Secretaria Municipal de Educação de

Sobral/CE

Durante o estágio probatório – 3 anos –, os(as) professores(as) participam, obrigatoriamente, de formações e, além disso, recebem atendimento e orientação individual uma vez por semana.

Secretaria Municipal de Campo Grande/MS

Foi estabelecido um programa para professores(as) iniciantes em que a preocupação está em suprir as lacunas da formação inicial e

introduzir os(as) novatos(as) às normatizações e regras do funcionalismo público e às políticas de educação do município. Prevê, também, o acompanhamento de cada iniciante nos contextos de atuação.

PHM – Programa Híbrido de Mentoria –

UFSCar

Professoras experientes acompanham professoras iniciantes por meio da interação via AVA (ambiente virtual de aprendizagem). As professoras mentoras, tidas como formadoras, encontram-se

semanalmente com as pesquisadoras da universidade para formação presencial.

Fonte: elaborado pela autora a partir de autores citados no trabalho.

Os quadros demonstram que os programas de indução à docência possuem características comuns de acompanhamento de um professor experiente (mentor) e podem conduzir atividades individuais ou coletivas na escola ou na assessoria, como apoio da equipe gestora da escola para o desenvolvimento profissional (MARCELO, 1999).

Os programas de indução/mentoria são importantes espaços formativos para o desenvolvimento profissional de professores(as) iniciantes, configurando-se também

num contexto propício à formação continuada de professores(as) experientes que assumem a mentoria. Cabe ressaltar alguns dos principais objetivos de um programa de iniciação à docência. De acordo com Marcelo (1999), inclui: dar apoio e fornecer recursos ao professor em início de carreira; aumentar a possibilidade de permanência do professor iniciante em seus primeiros anos de carreira; melhorar a atuação do professor em início de carreira: promovendo seu bem-estar; favorecer a entrada na organização escolar e o acesso à cultura desta organização; ajudar o professor iniciante a ampliar seu conhecimento. Além disso, os programas promovem a socialização de docentes iniciantes na cultura da escola; a melhoria de suas habilidades; o favorecimento da permanência destes/destas docentes na escola. Desse modo, a mentoria possui o caráter essencial de ajudar o(a) professor(a) iniciante a compreender a cultura e o funcionamento da escola; orientá-lo a respeito do currículo, sobre a gestão de sala, dentre outras tarefas específicas ao ensinar (MARCELO; VAILLANT, 2017).

Concordamos que é urgente e necessária a constituição coletiva de novos espaços de experimentação pedagógica e de novas práticas que sejam ambientes propícios à formação dos professores iniciantes, como um terceiro lugar que tem de ser mais do que a soma das universidades e das escolas (NÓVOA, 2019). Nesse sentido, os programas que acompanham a iniciação à docência são espaços importantes de formação. O encontro com a literatura nos revela o quão é necessário colocarmos em destaque essas propostas para que, então, assim inspirem novas políticas públicas para o desenvolvimento profissional docente, pois só dessa maneira conseguiremos criar novos cenários educacionais para o país.

No próximo capítulo, apresentamos o percurso metodológico da pesquisa, delineamos nossas ferramentas investigativas, a fim de descrevermos os passos dados até a base que sustenta nossa pesquisa.

III ABRINDO CAMINHOS: PERCURSO METODOLÓGICO

O caminho só existe quando você passa. Samuel Rosa

Neste capítulo, apresentamos nosso percurso metodológico, trilhamos um caminho que fizemos existir, pois, assim como pondera Freire (1997), ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando os sentidos pelo qual se propôs a caminhar. Desse modo, descrevemos os passos em cada trajeto, desde o lócus da pesquisa até o percurso de caracterização das protagonistas desta investigação.

Reiteramos a importância do rigor científico que se apresenta no processo criativo de uma pesquisa. Assim sendo, requerem-se esclarecimentos dos caminhos percorridos ao encontro de respostas efetivas para a pergunta que norteia essa dissertação: De que maneiras ocorre a constituição da identidade profissional de professoras iniciantes que atuam na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental? Diante dessa questão, chegamos ao objetivo de compreender os elementos das trajetórias pessoal e profissional que influenciam a constituição da identidade profissional, bem como traçamos os seguintes objetivos específicos:

- Caracterizar as tensões e superação dessas tensões no início de carreira; - Identificar as aprendizagens profissionais no início da carreira;

- Identificar elementos dos conhecimentos para a docência das professoras iniciantes.

Posteriormente, exibimos os aspectos que circunscrevem o corpo metodológico desta pesquisa de mestrado. Explanamos nossas opções teóricas que emergem às características procedimentais adotadas. Descrevemos o cenário que sintetiza o lócus para a realização no PHM. Por fim, apresentamos a descrição de desenvolvimento da pesquisa e caracterização das participantes, como também a coleta, organização e análise dos dados.