3 DESAFIOS DO TRATAMENTO HUMANIZADO: A INTERAÇÃO ENTRE
3.1 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE
3.1.2 Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) e Política
O Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) foi
apresentado em Brasília no dia 24 de maio de 2000 - como projeto-piloto. Este projeto surgiu
após o economista e ministro da saúde Sr. José Serra, identificar as constantes queixas dos
usuários quanto a forma de tratamento/acolhimento nos hospitais públicos brasileiros. Por esse
motivo reuniu um grupo de profissionais de saúde para desenvolverem uma proposta de
humanização nesses ambientes públicos de saúde55, com intuito de promover mudanças de
cultura no atendimento da saúde no Brasil. (BRASIL. PNHAH, 2001).
54
Abraham Maslow “conceitua necessidade básica como uma condição interna do ser humano, podendo ser
filosófica, psicológica, social ou de auto-realização, que funciona como força motivadora levando o organismo a
realizar uma ação para satisfazê-la”. Para Carl Rogers, “o organismo constitui-se na personalidade total da pessoa
e incluí aspectos somáticos e psicológicos. Ele é valorizado em seu componente biológico ativo e auto-atualizador.
O campo fenomenológico é o sistema total de percepções, juntamente com seus significados”. O filósofo Jean Paul
Sartre, “enfatiza o compromisso histórico do humanismo com o mistério da vida e com a compreensão da
contingência humana. Em sua obra, “O ser e o nada”, analisa os problemas da existência humana dentro da
abordagem fenomenológica. [...] O autor teoriza que o único meio de se atingir a verdade e salvar o ser humano
de se tornar objeto é através de sua subjetividade ou “cogito.” (MELLO. I., 2008, pp. 59-64)
55
É importante ressaltar que a intenção deste projeto era também de disseminar essa ótica de humanização na
saúde nos demais hospitais que integrasse os serviços de saúde pública no Brasil. Isto é, em toda rede credenciada
ao SUS.
Para o ministro (José Serra), não bastava ter todo o aporte tecnológico e dispositivo
organizacionais se a qualidade do fator humano no sentido relacional (profissionais de saúde e
usuário) não estabelecesse resultados satisfatórios no processo de atendimento. No entanto, o
“objetivo fundamental” do programa era “aprimorar as relações entre profissional de saúde e
usuário, dos profissionais entre si e do hospital com a comunidade” (BRASIL. PNHAH, 2001,
p. 7).
A primeira etapa deste projeto ministerial foi realizada em dez hospitais56, distribuídos
em várias regiões brasileiras e com diferentes realidades: sociocultural, porte, perfil de serviço
e modelo de gestão. Esse projeto foi “desenvolvido em cada hospital por dois profissionais,
com o acompanhamento de uma equipe de supervisores e coordenada pelo Comitê de
Humanização”. (BRASIL. PNHAH, 2001, p. 09)
O Comitê de Humanização atuou “como condutor do processo, garantindo as diretrizes
básicas do PNHAH e seus critérios e parâmetros de avaliação de resultados”. Para tanto, esse
Comitê foi responsável em dar apoio às redes regionais, assim como, pela sistematização da
metodologia e da avaliação do trabalho. (BRASIL. PNHAN, 2001, p. 21).
Conforme Ministério da Saúde/PNHAH (2001, pp. 09:14) os principais objetivos do
Projeto-Piloto foram:
a) Deflagrar um processo de humanização dos serviços de forma vigorosa e
profunda, processo esse destinado a provocar mudanças progressivas, sólidas e
permanentes na cultura de atendimento à saúde, em benefício tanto dos
usuários-clientes quanto dos profissionais;
b) Produzir um conhecimento específico acerca destas instituições, sob a ótica da
humanização do atendimento, de forma a colher subsídios que favoreçam a
disseminação da experiência para os demais hospitais que integram o serviço de
saúde pública no Brasil;
c) Difundir uma nova cultura de humanização na rede hospitalar pública brasileira;
d) Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários dos
hospitais públicos no Brasil;
e) Capacitar os profissionais dos hospitais para um novo conceito de assistência à
saúde que valorize a vida humana e a cidadania;
f) Conceber e implantar novas iniciativas de humanização dos hospitais que venham
a beneficiar os usuários e os profissionais de saúde;
g) Fortalecer e articular todas as iniciativas de humanização já existentes na rede
hospitalar pública;
h) Estimular a realização de parcerias e intercâmbio de conhecimentos e
experiências nesta área;
i) Desenvolver um conjunto de indicadores de resultados e sistema de incentivos ao
tratamento humanizado;
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Hospital Geral César Cals – CE; Hospital Getúlio Vargas – PE; Hospital João XXIII – MG; Hospital Geral do
Bonsucesso – RJ; Hospital Mário Gatti – SP; Hospital Santa Marcelina – SP; Hospital Ipiranga – SP; Hospital
Leonor Mendes de Barros – SP; Hospital do Mandaqui – SP e Hospital Nossa Senhora da Conceição – RS
(BRASIL. PNHAH, 2001, p. 54)
j) Modernizar as relações de trabalho no âmbito dos hospitais públicos, tornando as
instituições mais harmônicas e solidárias, de modo a recuperar a imagem pública
dessas instituições junto à comunidade.
De acordo com o Ministério da Saúde/PNHAH (2001), todas essas ações são de ordem
basilar/fundamentar que não é possível haver qualidade no atendimento a saúde sem a junção
da eficiência técnico-científica, da racionalidade administrativa, dos princípios e valores: ético,
respeito e solidariedade. Neste sentido o PNHAH ratifica que:
no campo das relações humanas que caracterizam qualquer atendimento da saúde, é
essencial agregar a eficiência técnica e científica numa ética que considere e respeite
a singularidade das necessidades do usuário e do profissional, que acolha o
desconhecido e imprevisível, que aceite os limites de cada situação. (BRASIL.
PNHAH, 2001, p. 11).
Neste contexto de relações sociais, o desenvolvimento do PNHAH provoca,
necessariamente, o “fortalecimento de uma política de resgate do valor da vida humana, do
cuidado ético para com ela e de valores fundamentais, como alteridade, respeito, coerência e
responsabilidade social”. (BRASIL. PNHAH, 2001, p. 57).
A ação desenvolvida pelo Ministério da Saúde (MS) para um novo conceito de
humanização no ambiente hospitalar foi: primeiro formar uma ‘Rede Nacional de
Humanização57’ entre as instituições públicas de saúde; segundo, criar ‘Grupos de
Multiplicadores de Humanização Hospitalar’, distribuídos em cinco regiões no Brasil e por
último formação dos ‘Grupos de Trabalho de Humanização Hospitalar’.
A Constituição da Rede Nacional de Humanização foi composta pelo Comitê Técnico
de Humanização; Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (gestão plena de sistema);
hospitais participantes do PNHAH; entidades da sociedade civil. (BRASIL. PNHAH, 2001).
E o que foram esses grupos?
Os grupos de multiplicadores de Humanização Hospitalar (ilustração 23) foram
responsáveis pela divulgação do PNHAH, pela ‘capacitação técnica’ dos representantes
hospitalares, bem como, pelo ‘acompanhamento e supervisão do trabalho’ realizado nos
hospitais participantes.
57
Rede Nacional de Humanização “representa um instrumento fundamental para a consolidação do trabalho de
humanização desenvolvido em cada localidade, uma vez que possibilita o intercâmbio constante de ideias,
estratégias e informações relevantes, além de garantir o apoio e a ressonância necessários a cada iniciativa.”
(BRASIL. PNHAH, 2001, p. 17).
Ilustração 23 – Quadro da Distribuição Nacional dos Grupos de Multiplicadores de
Humanização Hospitalar
REGIÕES* NÚCLEOS
1 Núcleo Hospital(is) 2 Núcleo Hospital(is) 3 Núcleo Hospital(is)
Norte
AM 3
AC 2
RO 1
RR 2
PA 3
AP 1
Nordeste
CE 6
RN 2
PI 1
MA 2
BA 4
SE 2
AL 1
PE 2
PB 2
Centro-Oeste
GO 3
MT 4
TO 1
MS 1
DF 2
MG 8
Sudeste
SP capital 7
Itapecerica da Serra 1
Santos 1
Campinas 2
Vinhedo 1
São José do Rio Preto 1
Franca 1
Botucatu 1
Marília 1
RJ 11
ES 2
Sul
RS 4
SC 3
PR 5
Fonte: BRASIL. PNHAH (2001)
Elaboração: Sara Pereira de Deus/2018.
*Essa regionalização da distribuição dos estados difere da regionalização apresentada pelo IBGE.
Quanto ao grupo de multiplicadores em Goiás, como exposto na ilustração 23 – foram
selecionados na época para participar desta política pública 3 (três) hospitais. Os possíveis
hospitais são: Hospital Estadual de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad (HDT), Hospital
Estadual Geral de Goiânia Dr. Alberto Rassi (HGG) e Hospital Estadual Materno Infantil Dr.
Jurandir do Nascimento (HMI). Ressaltamos que na busca de maiores informações precisas
desses três hospitais participantes recorremos ao Ministério da Saúde (Coordenadoria Geral da
Política Nacional de Humanização/Secretaria de Atenção à Saúde); a Secretaria de Estado da
Saúde de Goiás (Gerência de Atenção a Saúde) e os referidos hospitais. Para elucidar, os
questionamentos foram:
1. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) na pág. 25
diz que em Goiás foram 3 (três) hospitais selecionados para participarem deste projeto
de humanização no ambiente hospitalar. Precisamos saber quais foram esses hospitais
e se existe algum documento (portaria ou outro), que comprove a participação;
2. Existem esses Grupos de Trabalho de Humanização Hospitalar nesses hospitais
selecionados?
3. Existe curso de capacitação permanente ofertado pelo Ministério da Saúde para os
profissionais de saúde sobre humanização da assistência hospitalar?
4. No PNHAH cita a criação de um Congresso Nacional de Humanização pp. 20-21:37.
Esse evento acontece todos os anos?
5. Com a transição do PNHAH para PNH houve a continuidade do projeto anterior? Como
está hoje essa política de humanização no ambiente hospitalar do SUS e da rede
credenciada?
Entretanto, infelizmente não obtivemos respostas contundentes aos nossos
questionamentos.
Vale dizer que os Grupos de Trabalho de Humanização Hospitalar (GTHH) daquela
época foi composto por lideranças representativas do coletivo de profissionais tinham como
atribuições:
difundir os benefícios da assistência humanizada; pesquisar e levantar os pontos
críticos do funcionamento da instituição; propor uma agenda de mudanças que possam
beneficiar os usuários e os profissionais de saúde; divulgar e fortalecer as iniciativas
humanizadoras já existentes; melhorar a comunicação e a integração do hospital com
a comunidade de usuários. (BRASIL.PNHAH, 2001, p. 16).
Diga-se a propósito, num sentido mais específico, as atribuições dos GTHH foram
definidas numa construção de um espaço coletivo democrático, de escuta, análise, elaboração
e decisão. Poderíamos narrar que esses grupos vivenciaram a realidade cotidiana do hospital,
portanto, supostamente estavam aptos a sugerirem proposta enriquecedora no processo da
construção de uma coletividade humanizadora no ambiente hospitalar. (BRASIL. PNHAH,
2001).
Segundo o MS/PNHAH (2001, p. 20), a tática utilizada para assegurar essa política de
humanização foi estabelecer diretrizes como: “normatização; publicação oficial do Programa
de Humanização; incentivos; vídeos; manuais; workshop; internet; alianças e parcerias com
projetos de humanização já em desenvolvimento; alianças e parcerias com entidades da
sociedade civil (3° Setor); participação organizada de trabalho voluntário”.
Ao analisar todo contexto do ‘programa de humanização’ percebemos que todo esforço
dos profissionais envolvidos e do gasto do dinheiro público empregado fica-se em risco quando
há mudança no governo (federal, estadual e municipal) e gestão interna dos hospitais.
Infelizmente não há essa preocupação com gasto implantado com os projetos, mas, de mudar
toda a estrutura do governo passado, não priorizando a continuidade de projetos que
consideramos essencial para a coletividade humana usuária frequente ou não dos serviços do
Sistema Único de Saúde.
Portanto os projetos de gestão pública que beneficiem a nação direta ou indiretamente,
no sentido macro e/ou microsocial, precisam ser apartidários para que haja continuidade em
governos ulteriores. De modo a não dissolverem a cada mudança de gestão, logo, não pode ser
um programa do governo ou dos administradores, mas da saúde. Neste sentido, talvez por não
obter maiores informações sobre o programa e a continuidade das atividades propostas (GTHH,
cursos de formação, congresso e outros) impele a pensar da não continuidade do programa.
A despeito da descontinuidade, as próprias equipes do projeto-piloto identificaram:
um certo ceticismo dos profissionais quanto ao real comprometimento do poder
público, já que outras iniciativas e campanhas desse tipo foram abandonadas pelo
caminho antes de se chegar a algum resultado. Há uma percepção difusa de que os
programas oficiais, embora meritórios, não têm continuidade. (BRASIL. PNHAH,
2001, p. 45).
Contudo, ao buscarmos o direito do acesso a informação de acordo com a Lei nº 12.527
de 18 de novembro de 2011 sobre a existência desses GTHH nos três hospitais supostamente
selecionados (HDT, HGG e HMI) os prestadores de serviços desconhecem ou nunca ouviram
falar, alguns informaram de não haver um setor específico de humanização dentro dos hospitais.
Portanto, subtendemos da não continuidade do projeto ou sofreu várias denominações e
alterações ao longo desses anos.
Ainda nesse viés de humanização no ambiente hospitalar, em 2003 foi lançada a Política
Nacional de Humanização (PNH)58, o ministro da saúde era o médico e jornalista Sr. Humberto
Sérgio Costa Lima, e nesse período tinham como meta pôr em prática os “princípios do Sistema
Único de Saúde (SUS)”59 no cotidiano dos serviços de saúde, produzindo mudanças nos modos
de gerir e cuidar. Resumidamente os conceitos que norteiam as tarefas da PNH são:
acolhimento; gestão participativa e cogestão; ambiência; clínica ampliada e compartilhada;
valorização do trabalhador e defesa dos direitos dos usuários. (BRASIL. PNH, 2015). Portanto,
entende-se que neste período essa política de saúde deixa de ser um ‘Programa’ e passa ser uma
‘Política’.
A legislação que sustenta a PNH é a Constituição Federal/1998; Lei 8.080/1990; Lei
8.142/1990; Decreto 7.508/2011; e seu Documento base – HumanizaSUS: documento base para
gestores e trabalhadores do SUS60.
Para os técnicos do MS entendedores desta política existem alguns pontos de tensão
expressos na ambiência do contexto da atenção a saúde que são:
A banalização do sofrimento;
O desrespeito ao conjunto de direitos relacionados a saúde;
Relação inadequada para o campo da saúde, exemplo: a não produção de
engajamento que decorre a exclusão das dimensões subjetivas de trabalho;
Degradação da clínica do cuidado (atendimento que deixa conduta; atendimento
sem continuidade; atendimento sem relação de vínculo e atendimento sem
relação de corresposabilidade).
Esses pontos de tensão demonstram a complexidade que é a produção da saúde nas
unidades médicas de atenção básica, média e alta complexidade do SUS e das redes
credenciadas ao SUS. No entanto, a partir destes pontos críticos os técnicos do MS articularam
e construíram de forma compartilhada, planos de ação que promovessem e disseminassem
inovações nos modos de fazer saúde no Brasil. (BRASIL. PNH, 2015).
De modo geral a PNH se estrutura a partir de: princípios, métodos, diretrizes e
dispositivos.
Os princípios que versam o SUS está na ‘transversalidade’ que é compreendida no grau
de comunicação intra e inter(grupos). E esse diálogo entre pessoas e grupos (gestores,
administrativos, pessoal de apoio, profissionais de saúde e usuários) possibilita o rompimento
de grupos isolados e abre as fronteiras dos saberes e das práticas vivenciadas de modo a
construir trocas no âmbito local, regional e nacional. Por certo, transversalizar “é reconhecer
59