• Nenhum resultado encontrado

Em 1911, o Regime Republicano concede, sem especificar o sexo, o direito de sufrágio aos eleitores com idade superior a 21 anos, que soubessem ler e escrever, bem como aos chefes de famí- lia. Contudo, a Lei nº 3, de 3 de Julho de 1913 vem especificar que apenas têm direito ao voto os cidadãos do sexo masculino (Pimentel, 2011, p. 37).

Quando a ditadura militar se estabelece, em 1931, prescreve através do Decreto nº 19 694 que “as mulheres portuguesas, chefes de família viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente tendo família a seu cargo, e as mulheres casadas cujo marido está ausente nas colónias ou no es- trangeiro” estavam possibilitadas de pertencer a juntas de freguesia, consideradas corporações ad- ministrativas inferiores (Cf. Decreto-Lei n.º 19:694, 5 de Maio de 1931).

Contudo, o Estado Novo foi pioneiro ao conceder o direito de voto a algumas mulheres para a Assembleia Nacional e a permitir que uma minoria acedesse ao hemiciclo. A Constituição de 1933, expressão máxima de ideologia do Estado Novo, especificava de forma clara os direitos polí- ticos, sociais e familiares da mulher e regulamentava a sua intervenção na esfera pública e na esfera privada. Começando por reafirmar a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e a “negação de qualquer privilégio de nascimento, nobreza, titulo nobiliárquico, sexo, ou condição social”, a Cons- tituição de 1933 previa, através de uma cláusula, a seguinte excepção ao principio da igualdade constitucional: “salvas, quanto às mulheres, as diferenças da sua natureza e do bem da família”. Esta excepção era justificada por dois factores: um biológico, a “natureza” e um ideológico “o bem da família” (Pimentel, 2011 p. 36).

A Constituição Política de 1933 vem definir ser tarefa do Estado garantir a defesa da família enquanto “fonte de conservação e desenvolvimento da raça, como base primária da educação, da disciplina, da harmonia social e como fundamento da ordem política e administrativa, pela sua agregação e representação na freguesia e no município”. Como tal, “pertence privativamente às fa-

mílias o direito de eleger as juntas de freguesia”; direito pertence ao “respectivo chefe” (Melo, 2017, p. 107)

Como tal, o direito de voto era apenas concedido ao “chefe de família”, posição ocupada quase sempre pelo homem. Quando em 1932, no decorrer de uma entrevista, António Ferro questi- ona Salazar sobre o desagrado feminino relativamente ao voto familiar, concedido exclusivamente ao chefe de família”, o chefe do governo responde que as portuguesas não tinham motivos para es- tar desagradadas, uma vez que o “estatuto constitucional” lhes reconhecia “com as possíveis restri- ções, igualdade de direitos e, até, em certas condições, o direito ao voto” (Pimentel, 2010, p. 37).

Assim, em 1933, é concedido o direito de voto para as juntas de freguesia às “solteiras, mai- ores e emancipadas, com família própria e reconhecida idoneidade moral e para as câmaras também a emancipada com curso secundário e superior e não só a maior de idade, o que também acontecia para as eleições presidenciais.” (Pimentel, 2010, p. 37). A 6 de Novembro 1934,o Decreto-Lei n.º 24 631permitiu, às mulheres com mais de 21 anos, às solteiras com rendimento próprio ou que traba- lhassem, e às chefes de família e às casadas com diploma secundário ou que pagassem determinada contribuição predial, o sufrágio feminino e a elegibilidade para a Assembleia Nacional (AN) e para a Câmara Corporativa (CC). Nesse mesmo ano foram eleitas para a Assembleia Nacional as três primeiras deputadas - Maria Guardiola, Domitília de Carvalho e Maria Cândida Pereira. A sua elei- ção deve-se ao facto de o e que “se as mulheres votassem, Salazar e o seu governo ganhariam sem- pre as eleições” (Pimentel, 2010, p. 38).

Na opinião de Maria Cândida Parreira, Salazar havia entendido autorizar o sufrágio femini- no e permitir a elegibilidade de algumas mulheres pelo seguinte:

Salazar pressentiu que para tal combate (contra a desmoralização) seria necessá- ria energia superior à do homem. Onde iria encontrá-la? Só uma solução! A Mu- lher Cristã! (….) A Mulher Portuguesa! Salazar não hesita (…) Escolhe as que podem colaborar, pela sua profissão, quanto à Família, Assistência e Educação.E abre-lhes as portas da Assembleia Nacional (…) A política é só para os homens, dizem. Porquê? Só se é por ela ser feminina, já que tantos por ela se apaixonam. A política tem muitas afinidades com a mulher: diplomata, subtil, ora submissa ora voluntariosa (…). O facto de haver pela primeira vez mulheres no Parlamen- to não quer dizer que só hoje haja mulheres políticas. A nossa história de oito séculos está cheia (…) O auxílio da mulher tornava-se mais que necessário, tor-

nava-se indispensável. Assim o entendeu o Chefe, assim o decretou! (Pimentel, 2010, p. 39).

Assim, o voto familiar não foi conquistado pelas mulheres mas autorizado pelo Chefe de Estado, não por entender ser um direito, mas por considerar que um grupo específico de mulheres, pertencentes à elite-estadonovista, seria útil no cumprimento dos propósitos do regime reservados às mulheres: a assistência e a educação.

O Código Administrativo de 1936, que regulamentou as normas para as freguesias e as câ- maras, definiu como “chefe de família” o “cidadão português com a família legitimamente consti- tuída vivendo em comunhão de bens e de habitação” e a “mulher portuguesa, viúva, divorciada ou judicialmente separada de pessoas e bens, ou solteira, maior ou emancipada, de reconhecida idonei- dade moral, que viva inteiramente sobre si, e tenha a seu cargo descendentes, ascendentes e colate- rais”. (Pimentel, 2011, p. 40)

O Decreto-Lei de 1933 que restringia o direito ao voto às mulheres com curso secundário ou superior, é reafirmado em 1945 pelo artigo 4º do Decreto-Lei n.º 34 938, de 22 de Setembro. A 31 de Dezembro do mesmo ano, o Decreto-Lei n.º 35 426 concedeu, aos cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores ou emancipados, que soubessem ler e escrever português ou pagassem ao Esta- do pelo menos 100$00 em impostos, o direito a votar para a eleição do Presidente da República e da Assembleia Nacional (Pimentel, 2011, p.40).

No que diz respeito às mulheres, apenas podiam votar os cidadãos do sexo feminino, maio- res ou emancipados, detentoras do curso geral dos liceus, do magistério primário, das escolas de Belas-Artes, do Conservatório Nacional ou do Conservatório de Musica do Porto, dos institutos in- dustriais e comerciais, ou serem chefes de família nas condições anteriormente especificadas. Rela- tivamente às mulheres casadas, a Lei nº. 2 015, de 28 de Maio de 1946, vem definir que as mesmas podem votar desde que sejam alfabetizadas e pagassem uma contribuição predial de, no mínimo, 200$00 (Melo, 2017, p. 108). Na opinião de Elina Guimarães:

É muito duvidoso que pudesse chamar-se àquilo direito a voto. Davam direitos de votar às mulheres que tivessem curso secundário ou superior. Eu estava neste caso, mas pense: eu acho isto extremamente humilhante, que ponham essa con- dição. Quer dizer que uma mulher tem que ter um curso universitário para igual

mentalmente ao homem. E ainda para mais isto não é votar. É deitar na urna um papelucho que o governos nos dá (Melo, 2017, p. 108).

Assim, para poder votar nas eleições políticas, a mulher casada tinha se saber ler e escrever, ser proprietária de bens imóveis avaliados num determinado valor, enquanto que, aos homens , para terem direito de voto, bastava poder ler e escrever ou pagar um imposto de pelo menos 100$00.

A lei prevê outras restrições ao universo eleitoral aplicáveis a homens e a mulheres. Assim, não podem ser eleitores aqueles que tenham adquirido nacionalidade portuguesa há menos de dez anos, os que “não esteja, no gozo dos seus direitos civis e políticos”, os judicialmente interditos e os notoriamente dementes, os acusados e condenados em processo penal e, ainda, os que “ostentem ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente ou propaguem doutrinas ten- dentes à subversão das instituições e princípios fundamentais da ordem social” (Melo, 2017, p. 107/108).